Tempos sombrios para o Supremo Tribunal Federal

Tiempos sombríos para el Supremo Tribunal Federal
Tiempos sombríos para el Supremo Tribunal Federal
Fecha de publicación: 27/03/2016
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Numa decisão recente e controversial (Habeas Corpus 126.292), o Supremo Tribunal Federal do Brasil, com uma votação 7 a 4, mudou sua posição respeito ao princípio de presunção de inocência, estabelecido no artigo 5 da Constituição. De acordo com o Tribunal, este princípio já não será empecilho para que um acusado comece a cumprir uma condena de prisão enquanto se esperar a decisão de apelações especiais ou extraordinárias. Isto significa que a sentença definitiva, logo de esgotar todos os recursos disponíveis, já não é requisito para a execução de uma condena penal.

O principal argumento da maioria (os juízes: Teori Zavascki, Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux, Carmen Lúcia e Gilmar Mendes) é que um veredicto confirmado em segunda instância é suficiente para estabelecer a culpabilidade, baseado na evidência produzida na primeira instância. Por outro lado, a minoria (os juízes: Marco Aurélio, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber) argumenta que a presunção de inocência deve prevalecer até que todos os recursos de apelação tiverem sido esgotados (res judicata).

Eu estou de acordo com os dissidentes. Falando com claridade, já o assunto tinha sido discutido numa decisão que teve que ver com a Lei Complementar 135/2010. Naquela ocasião, o Supremo Tribunal decidiu que a inabilitação para se postular a cargos públicos podia declarar-se logo da decisão de segunda instância, baseada no princípio constitucional da probidade moral administrativa, o qual é inerente ao direito de optar a um cargo público — ademais da proibição de abusar do poder econômico e político durante um processo eleitoral. Estes princípios constitucionais permitem, através do balanço exegético de interesses, mitigar o postulado da presunção de inocência, porque de outra maneira existe o risco de permitir que candidatos que têm desvirtuado o sistema político assumam cargos de eleição popular. Contudo, no caso das sentenças criminais antes de esgotar todos os recursos, não há nada que equilibrar, pois a Constituição não condiciona, à presunção de inocência, o cumprimento de um preceito constitucional de valor similar. Ao contrário, claramente proíbe a execução de sentenças, porque o que há em jogo é um bem maior: a liberdade que os cidadãos têm de levar seus assuntos conforme à lei.

Valeria a pena contextualizar a divergência dos juízes do Supremo Tribunal frente ao contexto da crise que atualmente aflige o nosso país. A deformação moral de longa data de nossas instituições, além das classes políticas e que inclui a esfera privada, tem escalado através dos recentes escândalos (Mensalão, Lava Jato, Operação Zelotes), e tem gerado uma tremenda desilusão entre a população sobre a capacidade dos agentes da administração pública e as forças da sociedade civil para desenvolver agendas éticas e construtivas com o fim de engradecer o país. A percepção popular é de corrupção generalizada num país afundado na lama.

O bombardeio diário de terríveis notícias compreensivelmente gera reações revanchistas. Mas se corre o risco de trivializar as garantias constitucionais, com graves riscos para os direitos cíveis. Nesta catarse de decepções acumuladas, o juiz Luiz Sérgio Moro e a “Policia Federal Japonesa” (em alusão ao inspetor Newton Ishii, quem comanda as apreensões da Lava-Jato) se têm convertido nas estrelas da palestra. A instigação dos meios aos instintos de vingança mais primitivos do ser humano, fornecem o combustível necessário para romper preceitos da democracia constitucional. Tratam a Constituição como se se tratasse de uma lei suave, maleável de acordo aos antojos do dia.

O Supremo Tribunal, que deveria ser o último bastião para os direitos humanos, não pode permitir-se ser manipulado pelo clamor das ruas nem a mentalidade de Sheriff de Hollywood. De ser assim, os princípios e valores do procedimento civil, tais como o direito de réplica, devido processo, privilégios dos advogados, e a presunção de inocência, serão suprimidos por raiva acusatória, sob o estrondoso aplauso das massas desiludidas por tanta decepção e mal governo. Cairemos na fossa dos juízos apressados que acontecem nos meios e nas redes sociais.

Algumas premissas objetivas devem ser consideradas neste debate. O sistema legal já inclui algumas regras por meio das quais aqueles acusados de crimes possam ser submetidos à custódia preventiva ou temporária, para proteger a investigação, ou ordem pública, ou a economia. A apresentação de apelações simplesmente para dilatar um processo já se encontra inibida por regras processuais e jurisprudência dos tribunais. Aparte disto, as estatísticas sugerem que 25% das decisões de segunda instância confirmando veredictos de “culpável” são rejeitadas pelo mais alto tribunal. Em consequência, encarcerar acusados antes da sentença definitiva pode gerar reclamos por compensação por injusta detenção em caso de absolvição, tal e como o sugeriu o juiz Marco Aurélio em opinião dissidente.

Finalmente, não se pode ignorar a deplorável condição de nosso sistema penitenciário. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça, 711.463 pessoas se encontram cumprindo condenas (embora 147.937 correspondem a prisão domiciliar), o terceiro número mais alto do planeta. Existem ao redor de 1.430 unidades de detenção de distintos tipos no país, sobrelotadas com cerca do dobro do número de prisioneiros para o qual foram desenhadas. Sob estas condições, as prisões são deploráveis e se convertem no cenário de distintos tipos de feitorias, onde qualquer coisa pode ocorrer exceto a proteção da integridade física e moral dos prisioneiros, e muito menos sua reabilitação.

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