CNJ veta audiências de custódia em regulação de videoconferência na área penal

"A audiência de custódia é fundamental para que o magistrado tenha contato com o acusado"/Gil Ferreira/Agência CNJ
"A audiência de custódia é fundamental para que o magistrado tenha contato com o acusado"/Gil Ferreira/Agência CNJ
Argumento é de que serviço online vai contra essência do instituto; advogados entendem que veto é positivo.
Fecha de publicación: 14/07/2020
Etiquetas: direito

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentou, na última sexta-feira (10), o instituto da videoconferência na área penal. Em sessão virtual, os membros do Conselho em sua maioria apoiaram a proposta do relator presidente do CNJ e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, para garantir a realização de audiências e outros atos processuais por videoconferência, através da plataforma digital disponibilizada pelo Conselho Nacional de Justiça ou ferramenta similar.

O texto, porém, vetou a possibilidade da realização das audiências de custódia pelo recurso virtual. A vedação veio em um artigo específico e foi manifestada nos votos a favor e contra a aplicação do encontro virtual para presos em flagrante. A proibição foi bem-vista por advogados da área penal.

Criadas em 2015 como adequação ao que pede a Corte Interamericana de Direitos Humanos, as audiências de custódia permitem que um acusado de um crime tenha direito a uma audiência, onde são ouvidos o Ministério Público e o advogado do acusado – ou a Defensoria Pública. Até dezembro de 2019, segundo o próprio CNJ, cerca de 652 mil audiências deste tipo foram realizadas, com o auxílio de mais de três mil juízes.

No acórdão do julgamento, é possível entender os argumentos que levaram os magistrados a esta definição. O relator Dias Toffoli apontou que, mais do que definir sobre possíveis encaminhamentos sobre o futuro do preso, o juiz pode se valer da audiência presencial para avergiuar outras questões. "Conclui-se, com efeito, que sistema de videoconferência vai de encontro à essência do instituto da audiência de custódia, que tem por objetivo não apenas aferir a legalidade da prisão e a necessidade de sua manutenção, mas também verificar a ocorrência de tortura e maus-tratos", justificou em seu voto.

Com isso, entendeu o autor da proposta, a videoconferência não poderia alcançar o mesmo efeito da reunião presencial. "Em outras palavras, audiência de custódia por videoconferência não é audiência de custódia e não se equiparará ao padrão de apresentação imediata de um preso a um juiz, em momento consecutivo a sua prisão", escreveu o ministro. A audiência de custódia já havia sido suspensa no início da pandemia, por meio da Resolução nº 62 do CNJ.

Outros sete conselheiros acompanharam o relator – a casa possui quinze conselheiros aptos a votar. "A audiência de custódia, declarada compatível com a Constituição da República pelo Supremo Tribunal Federal (ADPF 347), tem o propósito de aferir determinadas condições físicas e anímicas da pessoa presa que não se mostram acessíveis por meio da videoconferência", analisou a conselheira Ivana Farina Navarrete Pena. 

Houve também discordâncias – mesmo que parciais – dentro do acórdão. "Volto a destacar: entendo imprescindível a realização das audiências de custódia – ainda que por meio excepcional virtual – neste momento que estamos vivendo", divergiu parcialmente o conselheiro Luis Fernando Tomasi Keppen."A audiência de custódia, ainda que virtual, tem grande potencial para inibir esse tipo de evento e permite, acaso ocorrente, providências para bem os documentar, com provável punição dos culpados."

A conselheira Maria Tereza Uille Gomes concorda com a impossibilidade do encontro, mas propôs a realização de audiências de custódia mediante três condicionantes: garantia da presença do advogado ou defensor público na sala de videoconferência do presídio para prevenir qualquer tipo de abuso ou constrangimento ilegal em relação a pessoa do encarcerado; caso o advogado ou defensor não possa estar presente por alguma razão na sala de videoconferência, que manifeste ter contatado o cliente ou assistido e que não existe objeção na realização do ato por videoconferência no período de pandemia; e intimação prévia e obrigatória do representante do Ministério Público para comparecimento e participação da audiência de custódia. 

Apenas dois conselheiros divergiram do entendimento do relator. Ambos, porém, não se mostraram contrários ao ponto apresentado pelo presidente.

Convergência positiva 

Apesar da indisponibilidade da audiência, há elogios ao veto pela classe advocatícia. "A fala do ministro Dias Toffoli é irretocável", argumentou o criminalista Bernardo Fenelon. "Infelizmente, sabemos que a violência e o arbítrio, principalmente em regiões mais desprovidas do país, existem regularmente. Para combater esse cenário, a audiência de custódia presencial é extremamente importante, pois só o contato direto entre o réu e a autoridade judicial suprem a necessidade incontestável dessas audiências, para avaliar se a prisão é legal."

O advogado e sócio do Carvalho e Oliveira Advogados Associados, Daniel Oliveira, ressalta que a necessidade de modernização tecnológica, aliada aos tempos de pandemia. O CNJ tomou, em sua visão, um passo em sintonia com textos nacionais e internacionais.  "A decisão é importante e vem salvaguardar e manter a coerência do Brasil no que tange ao cumprimento de tratados internacionais e cumprimentos de protocolos de direitos humanos", afirmou o advogado, que também foi secretário de Justiça do Piauí.

O sócio do Guimarães Parente Advogados, Fernando Parente, também entendeu como bem-vindo o veto. O criminalista, que atua no Distrito Federal, apontou que a maioria das audiências vinha ocorrendo até então de maneira virtual, o que segundo ele diminuiria a efetividade do dispositivo. "Isto afeta a qualidade do trabalho, a possibilidade de trabalho e mesmo os honorários de quem trabalha com isso", disse. 

Parente aponta que há sim um cerceamento de defesa na decisão. "Direta ou indiretamente, este isolamento maculou com certeza o dispositivo. Ela [a indisponibilidade presencial] tirou o mais essencial da audiência de custódia, que é a humanidade, que é o estar frente a frente com o outro", afirmou.

"A audiência de custódia é fundamental para que o magistrado tenha contato com o acusado", aponta o criminalista Brian Alves Prado. O sócio do Escritório de Advocacia Donati Barbosa reitera que é importante que a audiência de custódia seja uma oportunidade onde o acusado tenha a oportunidade de dizer a sua versão dos fatos, incluindo eventuais torturas e maus-tratos, sem a interferência externa. 

"E é só o contato pessoal que vai aproximar um pouco mais da realidade que está acontecendo", disse.

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