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Quase nenhuma das aeronaves de transporte de passageiros que percorrem os céus brasileiros todos os dias pertencem às companhias aéreas que estampam seu exterior – nem das três maiores companhias brasileiras, nem das menores, nem de algumas das companhias internacionais. A maioria dos veículos, Boeings e Airbuses que decolam e pousam diariamente no país pertencem, na verdade, a empresas que oferecem leasing às companhias.
Por isso surpreendeu a quem acompanha o setor a decisão de encerrar 23 anos de alíquota zero, do IRRF (Imposto de Renda Retido na Fonte), sobre esta operação de arrendamento. A solução foi apresentada no ano passado: de manter a alíquota zero durante a pandemia com a alíquota sendo gradativamente aumentada nos anos seguintes. No entanto, após um veto presidencial, essa progressão foi abandonada, e a alíquota subiu de 1,5% para 15%, seguindo a regra geral do imposto.
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A medida, como está hoje gerou um aumento instantâneo de 1000% na alíquota do IR-fonte e pressiona uma operação já bastante sensível a outras questões, tais como a volatilidade perante o dólar. "Houve um super aumento e um super ônus das linhas aéreas", afirma Roberta Andreoli, sócia do Fenelon Advogados e especialista em direito aeronáutico. "Sem o custo tributário desta operação, o custo de uma companhia aérea era de 20-22%. Imagine com mais 15%."
A proposta de alteração da política sobre leasing de aeronaves – que vinha desde a Lei 9.491, de 1997 – era de alíquota zero em pagamentos para "a pessoa jurídica domiciliada no exterior, a título de contraprestação de contrato de arrendamento mercantil de aeronave ou de motores destinados a aeronaves celebrado por empresa de transporte aéreo público regular, de passageiros ou cargas".
O objetivo era incentivar a competitividade no setor aéreo no país – mas não apenas isso. "Por exemplo: em 2006, a justificativa foi a crise do setor aéreo. Em 2019 foi o investimento em turismo e incentivo ao transporte aéreo", explicou o sócio da área tributária do Costa Tavares Paes, Richard Edward Dotoli.
A Medida Provisória 907, editada por Jair Bolsonaro em novembro de 2019, previa a possibilidade de cobranças, com um escalonamento das tarifas: contratos com vencimento até o final de 2019 seguiam com alíquota zero; em 2020, a 1,5%; em 2021, a 3%; em 2022, a 4,5%.
Quando a MP foi convertida na Lei 14.002, em maio do ano passado, apenas a previsão de 1,5% em 2020 foi mantida pelo presidente Jair Bolsonaro. Em sua mensagem de veto, o presidente indicou que a possibilidade de alíquota zero até o início de 2021 não poderia continuar por acarretar renúncia de receita, sem apresentar estimativa de impacto financeiro. Quando o ano de 2021 começou veio o aumento de dez vezes na alíquota.
Roberta Andreoli explica que a mudança tributária gera desigualdades com outros tipos de concorrentes. "Comparando os custos entre as linhas internacionais que não sofrem esta tributação e as que voam aqui, as primeiras canibalizam o mercado", diz. "Não é que o Estado está abrindo mão de um imposto para favorecer linhas aéreas – ele já faz isenção deste imposto há mais de 20 anos. Não faz muito sentido este aumento para 15%".
O presidente da Comissão de Direito Aeronáutico da OAB-SP, Felipe Bonsenso, discorda do entendimento de que a mudança prejudica a concorrência entre as poucas companhias que operam no mercado doméstico brasileiro. "Todas as companhias aéreas sofrem ou se beneficiam dessas reformas tributárias", disse. "O único senão é o fato de a suspensão estar eventualmente atrelada à data de assinatura dos contratos de arrendamento. Caso a mudança comporte apenas contratos novos/futuros, as operações das companhias já existentes serão prejudicadas, pois os arrendatários enfrentarão novos (e maiores) custos".
Para o sócio do Dias de Souza Advogados Associados, Douglas Guidini Odorizzi, "a ausência de manutenção do IRRF reduzido levaria ao aumento da pressão de custos das companhias áreas e dificuldades de manutenção dos negócios, já potencializados pelos sucessivos aumentos no valor do petróleo e redução na demanda por conta da pandemia".
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O mesmo pensa o advogado do Nelson Wilians Advogados, Gabriel Lima. "Mesmo antes da pandemia, um aumento de alíquota tão expressivo, de dez vezes o valor anterior, poderia impactar negativamente qualquer setor da economia, ainda que a questão já estivesse prevista na legislação. No entanto, durante a pandemia, aonde a demanda por viagens diminuiu, até mesmo por orientação das autoridades públicas, esse aumento exponencial da tributação do setor pode e será prejudicial para as atividades" explica Gabriel. "É provável que esse custo, inclusive, seja repassado aos passageiros para não inviabilizar a atividade das empresas aéreas nacionais."
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