Desafios na cobertura do mercado jurídico brasileiro

Assim como o jornalismo, mercado jurídico enfrenta mudanças profundas nos últimos anos/ Jane de Araújo/Agência Senado
Assim como o jornalismo, mercado jurídico enfrenta mudanças profundas nos últimos anos/ Jane de Araújo/Agência Senado
Como as decisões políticas e econômicas do país fizeram crescer o interesse da população por notícias da área.
Fecha de publicación: 31/08/2020

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O mundo jurídico é um universo cada vez mais próximo da cobertura jornalística e da pauta dos grandes meios do país. A mudança, que foi acelerada na última década, segundo os especialistas ouvidos por LexLatin, tem uma profunda relação com o enorme interesse da população por temas relacionados ao setor: as decisões do Judiciário nacional, principalmente as das principais cortes como Supremo Tribunal Federal (STF), encontram nos últimos tempos enorme ressonância no mundo político e econômico, além de outras questões que afetam o dia a dia de mais de 211 milhões de brasileiros.

Tem sido assim, por exemplo, com as questões relacionadas ao direito do consumidor e com o aumento do número de processos na Justiça. “Essa é uma tendência que a gente assistiu crescer a partir da Constituição de 1988, porque ela constitucionaliza os direitos fundamentais e liberdades públicas. As pessoas passaram a correr mais ao Judiciário. Então, num primeiro momento, essa judicialização de conflitos foi muito grande, isso abarrotou muita a Justiça já no final da década de 1990”, afirma Gustavo Justino de Oliveira, professor de direito administrativo na Universidade de São Paulo e do Instituto Brasiliense de Direito Público, o IDP.  

Mas o divisor de águas desse interesse da população atende pelo nome de Operação Lava Jato. A  maior iniciativa de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da história do país começou em março de 2014 e resultou na prisão e a responsabilização de pessoas de grande expressividade política e econômica, como o ex-presidente Lula, e recuperação de bilhões de reais para os cofres públicos.

Hoje, além de desvios apurados em contratos com a Petrobras, a Lava-Jato avança em diversas frentes tanto em outros órgãos federais, quanto em contratos irregulares celebrados com governos estaduais. E os resultados extrapolaram as fronteiras nacionais: pelo menos 12 países iniciaram suas próprias investigações a partir de informações compartilhadas por meio de acordos de cooperação internacional.

 

Para os especialistas, a Lava Jato fez crescer o interesse da população por notícias da área. André Santoro, coordenador do curso de jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, explica que a corrupção é hoje o principal tema do Judiciário que encontra ressonância na mídia. “Minha visão é que a curiosidade jurídica que existia nas pessoas há dez anos, no período pré Lava-Jato, era muito menor do que hoje falando de temas políticos e macroeconômicos. A população tem muito mais vontade de conhecer e isso acontece por conta da Lava Jato e de tudo que ela trouxe de cenário político para o nosso país”, afirma.

Além da Lava-Jato, tribunais como o STF passaram a televisionar e transmitir os julgamentos, algo que também foi importante nesse aumento de interesse. “As pessoas passaram a conhecer os nomes dos ministros do Supremo, acompanhar os principais julgamentos, e sem dúvida, querem entender melhor até para saber os termos técnicos do que está acontecendo”, avalia Justino.

“O Judiciário se desnuda e também passa a receber mais críticas. Antes era só o Legislativo e o Executivo, porque esses poderes estavam muito na linha de frente com a população. Nos últimos anos, a imprensa passou também a ter pautas mais jurídicas”, explica o jurista.

Segundo os especialistas, as decisões do Judiciário que tiveram relação com o afastamento de políticos também ajudaram a popularizar os temas jurídicos. “Tivemos o impeachment de Dilma e agora estamos começando a vivenciar impeachment nos governos estaduais. Essa judicialização da política também contribui para que a população se interesse mais pelo que o direito e pelo que os tribunais decidem”, diz Justino.

“Um exemplo bem atual é o afastamento de Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro por um ministro do STJ. Uma das coisas que percebi nesse noticiário e também nas redes sociais - acompanho muito pelo Twitter - é que as pessoas têm muita curiosidade de entender como isso aconteceu, de que forma é possível que o juiz do STJ monocraticamente afaste um governador e quais são os fundamentos legais para isso”, analisa Santoro.

Outro ponto de interesse em 2020 são as questões jurídicas relacionadas à pandemia, como as recentes portarias do governo que alteraram questões do direito trabalhista e do consumidor e principalmente na área de saúde. Os casos do direito penal também sempre têm espaço na mídia, como a prisão da cantora, pastora e deputada federal Flordelis, acusada de planejar a morte do marido, e o caso da menina de dez anos estuprada pelo tio no Espírito Santo. “Isso gerou discussões jurídicas ligadas ao aborto na imprensa nos últimos dias”, afirma Santoro.

Também serão destaque nos próximos meses a reforma tributária, em análise no Congresso Nacional, o direito eleitoral, com as eleições municipais do fim do ano. A popularização da internet também trouxe para o centro das discussões o direito e as redes sociais. “A polarização levou a um maior número de ações judiciais relacionadas, por exemplo, a indenizações por direitos morais e agressão ao direito de imagem na internet”, avalia Justino.

Direito econômico

Roberto Dumas, economista especializado em mercados asiáticos, explica que também é importante que a cobertura da mídia avalie a situação econômico e financeira do país e a receptividade das instituições locais frente à investimentos privados, domésticos, estrangeiros e as questões legais relacionadas a isso.

Para o especialista, não apenas o Brasil, mas vários países da América Latina estão sedentos por investimentos em infraestrutura, como forma de melhorar a produtividade dessas nações.

“Mostrar de forma clara e direta quais são os desafios legais e os riscos jurídicos que um investidor corre ao investir em projetos de longo prazo na nossa região seria crucial como vetor de decisões financeiras”, diz.

Todas essas e muitas outras questões jurídicas são fundamentais na cobertura jornalística nos dias de hoje. Temas que são importantes para toda a imprensa, mas principalmente para veículos especializados no mercado jurídico como LexLatin.

“Temos hoje uma sociedade muito curiosa em relação a questões do direito do que tínhamos há dez anos. Acho que a sociedade está muito mais alfabetizada em temas relacionados ao universo jurídico, por conta dessa profusão grande sobre situações jurídicas em geral na mídia”, analisa André Santoro.

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