Estamos próximos de um golpe militar no Brasil?

Tanques nas ruas do Rio de Janeiro durante o golpe militar de 1964/Agência Brasil
Tanques nas ruas do Rio de Janeiro durante o golpe militar de 1964/Agência Brasil
Advogados constitucionalistas e cientistas políticos analisam quais os impactos jurídicos, políticos e sociais de uma volta da ditadura e interrupção da democracia brasileira.
Fecha de publicación: 31/05/2020

Os sinais já foram dados pelo atual governo. Bolsonaro é o primeiro presidente de origem militar desde que acabou a ditadura, em 15 de março de 1985. Ele é o primeiro que defende o regime abertamente. Hoje, militares da ativa e da reserva ocupam nove dos 22 ministérios, em cargos chave da administração, como os generais Braga Netto (Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). O mais recente é o ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello. Cargos que, em outras administrações, foram ocupados por técnicos ou políticos de carreira.

Desde o início do ano Jair Bolsonaro também já participou de várias manifestações, pedindo a intervenção militar no país, o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), além de tentar interferir na Polícia Federal para proteger familiares, especialmente seus filhos. 


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No domingo passado (31), o presidente participou de manifestação em apoio a seu governo em Brasília. Nas faixas, apoiadores fazem críticas ao STF e pedem "intervenção militar". Bolsonaro fez um sobrevoo de helicóptero e, em seguida, pousou para falar com apoiadores e andou no cavalo da Polícia Militar. Em São Paulo, manifestantes pró-democracia e os a favor de Bolsonaro se enfrentaram na avenida Paulista. Segundo testemunhas, a polícia teria jogado bombas só em direção ao grupo que criticava o presidente, que se dispersou logo depois. Os apoiadores de Bolsonaro permaneceram no local. 

No fim de maio, por meio de suas redes sociais, Bolsonaro conclamou uma “intervenção militar pontual”. Em suas contas no Twitter e Facebook, o presidente compartilhou a entrevista do advogado constitucionalista Ives Gandra, que defende o artigo 142 da Constituição, que fala sobre a possibilidade de uma intervenção das Forças Armadas em nome da garantia da lei e da ordem.

O motivo são os recentes atritos entre Executivo e STF (especialmente com o ministro Alexandre de Moraes) por conta do inquérito das fake news, que investiga uma rede de disseminação de notícias falsas durante e depois da campanha eleitoral de 2018. Entre os investigados, estão deputados federais e estaduais, aliados políticos, blogueiros e amigos de Bolsonaro. A investigação também liga o esquema aos filhos do presidente.

Por falar em filhos, nos últimos dias Eduardo Bolsonaro foi às redes sociais e deu entrevistas falando em “momento da ruptura”. Ele disse que a questão não é “se”, mas sim de “quando” isto vai ocorrer. O filho do presidente disse que já participa de encontros para analisar quando e como haverá o momento da ruptura.

Ele afirmou ainda que será natural se a população recorrer às Forças Armadas, caso esteja insatisfeita com o Congresso Nacional e o STF. Ele disse em seu Twitter que “não se dorme em uma democracia e se acorda numa ditadura”, afirmando que a “perda de liberdades é gradual”.

A declarações e manifestações ganharam força depois que um grupo de 90 oficiais da reserva do Exército divulgou uma nota de apoio ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, que, em tom de ameaça, ataca o STF, a imprensa e fala em "guerra civil".

"Faltam a ministros, não todos, do STF, nobreza, decência, dignidade, honra, patriotismo e senso de justiça. Assim, trazem ao país insegurança e instabilidade, com grave risco de crise institucional com desfecho imprevisível, quiçá, na pior hipótese, guerra civil", diz o texto assinado por Heleno.

Diante desses sinais, que são apenas uma parte do universo de declarações de vários políticos que defendem a volta de um regime ditatorial, LexLatin foi ouvir cientistas políticos e advogados constitucionalistas, para analisar se realmente há a possibilidade de um golpe militar no país e os impactos jurídicos, políticos e sociais de uma possível interrupção da democracia brasileira.  De maneira geral, os especialistas consideram que existe essa possibilidade, mas que, num primeiro momento, a instalação de um regime antidemocrático é pouco provável.


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Para Marco Antônio Teixeira, cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo,  a sociedade brasileira é mais complexa do que em 1964. Ele explica que, na época, existia um consenso em torno de um inimigo comum, o comunismo, que mobilizava muita gente, além do apoio da igreja, dos movimentos religiosos e até lideranças políticas democratas. Em sua análise, hoje falta consenso da sociedade brasileira - algo necessário para a instalação de um golpe - e as implicações seriam bem negativas.

“Hoje a hipótese do golpe de estado só se justifica para manter o governo no poder. Isso teria uma implicação internacional muito grande, o que pode resultar em sanções econômicas. O Brasil está em vias de ter isso, por conta de toda a confusão econômica que criou com a China, nosso principal parceiro comercial. E não temos consenso entre os generais. Eu diria que isto está incomodando mais o exército do que mobilizando”, afirma.

Ricardo Macau, professor de direito constitucional do Damásio Educacional em São Paulo,  acredita que o risco de um golpe militar é pequeno pelo cenário de 2020 ser bem diferente do de 1964.

“Um golpe militar poderá ser dado numa situação em que as instituições não terão força para revidar e responder à altura. Se o exército declarar que não vai considerar o Supremo como corte constitucional e dissolver o STF e Congresso, acredito que vamos ter um contraponto muito forte no governo de estados e municípios”, explica.

“Embora a discussão nesse momento se concentre muito no Congresso, STF e Executivo, para analisar a possibilidade de um golpe militar é bom lembrar que a União sozinha não consegue hoje governar o país. Seria preciso uma mudança estrutural muito radical. Um grupo de militares que ocupam o Executivo não conseguiria fazer isso da noite para o dia”, afirma.

Para o jurista, existe a possibilidade de o STF sair fortalecido ao final desse processo, assim como o Judiciário. “As questões hoje giram em torno de se vai ou não haver um processo penal contra o presidente ao interferir na Polícia Federal ou impeachment, se a Câmara entender que há crime de responsabilidade. Esse inquérito das fake news do STF pode conseguir provas que vão municiar três ações que estão em curso no TSE, que questionam a candidatura da chapa de Bolsonaro. Então existe uma articulação grande do Judiciário, que vai além do Supremo, que passa pela Justiça Federal de 1º grau e pela Justiça Eleitoral”, diz.

As ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) investigam o uso de compartilhamento em massa de fake news por WhatsApp na campanha de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. A principal delas é das coligações "O Povo Feliz de Novo" (PT/PCdoB/PROS) e "Brasil Soberano" (PDT/AVANTE) que pediram a reabertura da investigação em outubro do ano passado. A motivação foi uma reportagem da Folha de S.Paulo, onde o aplicativo de mensagens confirmou que a eleição brasileira de 2018 teve uso de envios maciços de mensagens

Presidencialismo de "alta combustão"

Carlos Roberto Siqueira Castro, sócio sênior do escritório Siqueira Castro, considera Bolsonaro como um fator de perturbação social no país. “Cada entrevista que ele dá é uma provocação e o que eu percebo é que o chefe da nação não sabe se expressar. A meu ver o que ele diz significa exatamente o que quer dizer, por exemplo, quando ele proclama que chegou ao limite da paciência, que não tolerará mais interferência e que tem as forças armadas do seu lado, isto a meu ver é um recado claro ao STF e Congresso”, diz.


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O especialista em direito público, que foi um dos assessores da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, chama o presidencialismo de Bolsonaro de “alta combustão”. “O discurso dele não deixa de ser um anúncio do golpe e da ruptura democrática. Quando ele diz que é preciso armar a população para evitar a ditadura comunista, isto é típico de um golpe preventista, sobretudo quando a guerra fria já terminou há várias décadas e nós não temos ameaça de comunismo no mundo e muito menos no Brasil”, afirma.

Ele cita erros de condução que são graves no meio de uma pandemia que já matou milhares de brasileiros. “Nós temos um ministro da saúde que não pode exercer a medicina e dá palpite em termos de saúde pública, isso é um absurdo. O problema que o discurso do governo é monolítico, e esse populismo de ultra direita não é matemático. Os 30% que apoiam Bolsonaro pesam mais que as oposições fragmentadas”, explica.

Alessandro Soares, professor de direito constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie, não vê condições objetivas e subjetivas para um golpe, que em sua análise seriam anomia social, grave desordem, crise econômica aprofundada, aumento expressivo da violência, o mal funcionamento e crise institucional aguda, além de lideranças capazes de vocalizar e levar à frente um golpe. 

"As grandes democracias têm sido destruídas por dentro. O Brasil tem uma sociedade civil ainda ativa, uma imprensa livre e instituições que funcionam. O Congresso tem conseguido barrar os interesses do Poder Executivo. Mas se as forças armadas se colocarem a serviço desse governo e acreditarem em desejos autocráticos, aí podemos ter chance, mas não vejo este movimento", explica.

Diferente de outras análises, o cientista político Rodrigo Prando acredita que existe a probabilidade de um golpe, mas diferente do que aconteceu no passado. “Acho que esse processo possa ser mais longo, não dá para saber se seria igual a um da década de 1960 e 1970, talvez não seja esse o modelo. É possível um em que vão se criando zonas de exceções”, afirma. “Mas esses golpes mais leves estão com tendência a se tornar mais autoritários do que se imaginava", explica.

Para ele, a possibilidade de os militares assumirem o poder dependerá das reações populares e de como uma parcela da classe média, que ele chama de lavajista [em referência aos que apoiaram a Operação Lava Jato de combate à corrupção], reage a esse tipo de situação.

“Viemos de um processo no qual as pessoas achavam que a eleição de um candidato como Bolsonaro seria impossível. Depois da eleição, se acreditou que as instituições poderiam limitá-lo, enquadrá-lo de alguma forma. Depois veio a pergunta se ele seria capaz de um golpe. Nós não acreditávamos nessas situações num primeiro momento, mas elas vão acontecendo e se sucedendo”, diz.


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