Ida de Coaf para BC abre espaço para acordos em casos de lavagem de dinheiro

Sede do departamento do Meio Circulante no Rio de Janeiro
Sede do departamento do Meio Circulante no Rio de Janeiro
Mudança também amplia setores econômicos cuja conduta fica sob responsabilidade da autoridade monetária
Fecha de publicación: 21/08/2019
Etiquetas: Lavagem de Dinheiro

O Brasil se tornou o primeiro país a unir em uma mesma estrutura o supervisor e regulador do sistema financeiro com o monitoramento de operações para prevenção e combate à lavagem de dinheiro, depois que o presidente Jair Bolsonaro assinou uma medida provisória transferindo o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o organograma do Banco Central.

A mudança abre espaço para que investigações sobre lavagem de dinheiro sejam resolvidas por meio de acordos, a exemplo do que já ocorre no próprio BC e em outras instâncias administrativas federais e amplia o foco de atuação da autarquia, uma vez que a prevenção à lavagem de dinheiro não envolve apenas bancos e entidades já reguladas pela autoridade monetária.

O governo defende uma blindagem técnica para o conselho depois que o Ministério Público passou a investigar o filho mais velho do presidente, Flávio Bolsonaro, a partir de movimentações atípicas identificadas pelo Coaf. A medida provisória renomeia o órgão para Unidade de Inteligência Financeira (UIF). 

"Cada país tem a sua particularidade e histórico de instituições e regulações", afirmou Alexei Bonamin, sócio e coordenador de Mercado de Capitais do TozziniFreire Advogados. 

"A migração do Coaf para o BC é uma evolução natural da consolidação das instituições reguladoras no Brasil. A estrutura, aparato, credibilidade, quadro técnico e expertise do BC contribuirão muito para o aprimoramento do Coaf, bem como a sua maior efetividade."

Após a publicação da medida provisória, cujo texto tem valor legal imediato e está valendo desde terça-feira (20/08), o Banco Central anunciou o nome de Ricardo Liáo, servidor de carreira da autarquia, para presidir a UIF sucedendo Roberto Leonel, auditor da Receita Federal e próximo do ministro da Justiça, Sérgio Moro, com quem atuou na operação Lava Jato.

O BC também nomeou os integrantes do chamado Conselho Deliberativo, mantendo os mesmos julgadores que atuavam no Coaf sob o Ministério da Economia, embora o texto da medida provisória permita que a escolha recaia sobre pessoas indicadas politicamente, uma brecha que vai na contramão do discurso do Palácio do Planalto para justificar a alteração e gera dúvidas entre advogados sobre como será a condução do Coaf a partir de agora. 

A atividade de julgador no conselho da UIF não é remunerada.

Sócio do Pinheiro Neto, o advogado José Alexandre Buaiz Neto prevê um período de transição, uma certa curva de aprendizagem institucional para o BC absorver o Coaf, a exemplo do que ele viu acontecer como integrante do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (Conselhinho do BC) quando começaram a chegar os primeiros recursos contra decisões do Coaf para o colegiado.

"Pode acabar sendo interessante a mudança, porque o BC recebe um número grande de informações quando há transações estranhas, via sistema financeiro… vai ter report disso mais rápido e pode ganhar eficiência internamente", avaliou. Também "pode ter uma dificuldade maior, pela natureza do tipo de investigação, diferente do que o BC vem fazendo, mas nada que o BC não consiga se adaptar."

Buaiz Neto ressalva que é preciso monitorar o avanço da questão para verificar se haverá interferência política no conselho. Em sua visão, é difícil comparar a situação brasileira com outros países, onde a autoridade de inteligência financeira costuma ter mais mais autonomia e independência do que tem no Brasil. 

"Vai depender de como o carro vai começar a rodar, a imprensa pinta um quadro não muito favorável", salientou. "O país está num momento em que não tem muito como voltar nessas questões de evitar corrupção e lavagem, talvez seja muito otimista mas acho que passamos do ponto em que seria possível ter uma reversão completa do que vem acontecendo nos últimos anos… se [o Coaf] talvez vai ter restrição aqui e ali, vai depender de como vai funcionar." 

Acordo em prevenção à lavagem de dinheiro

Os primeiros passos que devem ser adotados pela diretoria colegiada do BC em relação ao Coaf é atualizar o regimento interno que tem mais de 20 anos, para que ele fique em linha com a nova lei de processo administrativo, afirma Tiago Severo, sócio do Mattos Engelberg e professor de compliance na Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro. 

O BC também deve estabelecer novas faixas de valores que a UIF poderá aplicar de multa em pessoas físicas e jurídicas envolvidas em atividades que hoje não estão sob o guarda-chuva da autarquia. Seria o caso de mercado de obras de arte, comércio de embarcações, imobiliárias,  entre outros usados para lavar dinheiro de crimes. 

“Historicamente, 93% de todas as informações de inteligência que chegam ao Coaf têm origem do sistema financeiro nacional, o que indica um protagonismo do BC na adoção de medidas de prevenção e de combate à lavagem de dinheiro”, afirma Severo. 

"De bate-pronto, a alteração administrativa deverá provocar uma uniformização de procedimentos e de protocolos entre mercados regulados, como o de capitais e o de seguros, e aqueles não regulados, como de bens de luxo, consultorias e compra e venda de jogadores de futebol.”

Essa atualização do regimento interno do Coaf pode, também, abrir espaço para previsão de acordos em processos da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), em prevenção à lavagem de dinheiro, a exemplo do que já acontece nos casos julgados pelo próprio Banco Central, na visão de Severo. 

“A lei 13.506 prevê expressamente a possibilidade de se firmar termo de compromisso envolvendo as obrigações administrativas vinculadas a prevenção a lavagem de dinheiro no âmbito do Coaf", diz Severo. "Mas, para isso, há necessidade de atualizar o regimento, que é de 1998.”

Para Buaiz Neto, a possibilidade de resolver investigações por meio de acordos é uma tendência na administração pública e chegaria ao Coaf eventualmente, embora haja possam surgir dificuldades práticas no caso de prevenção a lavagem de dinheiro.

"Se o Coaf vai conseguir fazer acordo ou não é discussão mais complexa", afirmou. "Em nosso sistema de acordos que envolvem leniência, tem uma série de órgãos envolvidos na situação --MPF, TCU, AGU, CGU-- e lá no Coaf tem uma delicadeza ainda maior, porque certamente envolve o Ministério Público, porque lavagem de dinheiro é crime… tem que pensar a interação, não dá para dizer que vai começar fazendo acordo, mas a tendência é essa."

O primeiro termo de compromisso relativo a prevenção à lavagem de dinheiro foi assinado neste ano pelo BC com o Bank of America/Merril Lynch, conforme noticiado pelo LexLatin.

Congresso

O texto será analisado pelo Congresso, sob relatoria de um deputado indicado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Deputados e senadores têm prazo regimental até o dia 26 de agosto para apresentar emendas ao texto. Nos bastidores, congressistas questionam a previsão de o Ministério da Justiça constar na medida provisória como responsável pelo apoio técnico e administrativo da UIF.

No primeiro semestre, o Congresso impediu a tentativa do governo de transferir o Coaf da Pasta da Economia para o Ministério da Justiça, onde ficaria hierarquicamente subordinado a Moro. Insatisfeito, o presidente da República tentou promover a mudança via uma nova medida provisória, que foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A atuação do Coaf, que há mais de uma década compartilha informações com órgãos de investigação como a força-tarefa da Lava Jato e Comissões Parlamentares de Inquérito, também foi alvo de uma decisão liminar do ministro Dias Toffoli, do STF, que suspendeu investigações que usem dados fornecidos pelo conselho sem autorização judicial até que o plenário do Supremo decida a questão.

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