As mudanças tecnológicas do mundo jurídico em meio à pandemia

O novo normal para advogados e especialistas do Judiciário será o uso da tecnologia/Pixabay
O novo normal para advogados e especialistas do Judiciário será o uso da tecnologia/Pixabay
Especialistas apontam evolução de práticas que vão modernizar o julgamento de processos, desburocratizar o sistema e agilizar decisões.
Fecha de publicación: 23/06/2020
Etiquetas: tecnología

Para o setor jurídico, o ano de 2020 vai ser marcado não só pela pandemia do coronavírus. O momento de crise econômica e paralisação de muitas atividades serviram também para mostrar que as inovações tecnológicas vieram para ficar. Algumas dessas mudanças estão despontando nesse horizonte.

O uso da inteligência artificial é um dos principais caminhos na busca pela resolução do aumento das demandas da sociedade brasileira. Assim como a telemedicina, a “teleadvocacia” deve vai ganhar um bom espaço no meio legal, inclusive com escritórios somente virtuais. Com o período de isolamento, as reuniões entre clientes e advogados, além da presença em julgamentos e audiências pode ser coisa do passado. Acompanhe algumas das principais mudanças.

Inteligência Artificial (IA)

Alguns tipos de inteligência artificial já estão realizando trabalhos jurídicos aqui e em várias partes do mundo. Robôs fazem a análise documentos e pesquisas de jurisprudência, por exemplo. A intenção é agilizar o andamento de processos, diminuir ações repetitivas no sistema de Justiça e economizar recursos e insumos que seriam usados, como folhas de papel e gastos com deslocamentos.

Em todo o país, vários tribunais já contam com sistemas de IA desenvolvidos em parcerias com universidades e centros de ensino locais, como o Sinapse de Rondônia, os robôs Poti, Clara e Jerimum no Rio Grande do Norte, Elis em Pernambuco e a plataforma Radar em Minas Gerais. Ferramentas que reduzem o retrabalho e aceleram a tramitação das ações, o que melhora todo o sistema.

O Supremo Tribunal Federal (STF) também tem a ferramenta Victor, que usa IA para elevar a eficiência e a velocidade da avaliação judicial que chega à Corte. Desenvolvido em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), Victor – nome dado em homenagem ao ministro Victor Nunes Leal – converte imagens em textos no processo digital, localiza documentos (peça processual, decisão etc.) no acervo do Tribunal, separa e classifica peças processuais mais utilizadas nas atividades do STF e identifica temas de repercussão geral de maior incidência na Corte.

Para os escritórios de advocacia, além da localização mais rápida das jurisprudências é possível usar a IA para entender o comportamento dos magistrados.  “Dá pra analisar a tendência de um juiz para uma matéria ou outra. O advogado vai ter uma vantagem, porque vai saber o que o juiz pensa, qual caminho e os acertos em determinados casos”, afirma Coriolano Camargo, especialista em direito digital e compliance do Damásio Educacional.

“Teleadvocacia”

Assim como a telemedicina, o atendimento online tem crescido durante a pandemia. Alguns escritórios já ofereciam a modalidade mesmo antes do período de isolamento social. Mas com a diminuição do contato social, os poucos escritórios que prestavam serviços apenas pela internet tendem a se multiplicar e crescer nos próximos meses.

Nessas firmas, os clientes são captados através da própria rede, através de sites especializados. A tendência é de que estes serviços tenham valores um pouco menores, por causa do custo que é reduzido. Como o profissional pode realizar a maior parte do trabalho em casa, não há gastos com espaços físicos, transporte e serviços complementares.

Aquela reunião que antes exigia a presença do cliente ou advogado também caiu por terra. Agora, através de dispositivos móveis, é possível agendar um encontro virtual entre advogados e clientes e também entre as partes envolvidas no processo.

“A pandemia serviu como um catalisador. Muitas coisas que discutíamos e ponderávamos se tornaram imposições nesse período. Um exemplo são as reuniões presenciais, que sempre tivemos preferência no escritório, para demonstrar atenção, cuidado e envolvimento. Agora as reuniões, eventos e situações estão acontecendo de forma virtual”, explica José Mauro Decoussau Machado, sócio de tecnologia do escritório Pinheiro Neto.

Informatização de processos e videoconferências no Judiciário

A pandemia tem ajudado a desburocratizar e acelerado a modernização na Justiça, que sofre com acúmulo de processos. Uma das iniciativas mais importantes é a digitalização do acervo, algo que tem evoluído nestes tempos de quarentena. As ferramentas de comunicação também são importantes, porque melhoram os processos de averiguação e investigação.

Um exemplo é o sistema de comunicação entre o Poder Judiciário e as instituições financeiras, chamado de Bacenjud. Por meio do Banco Central, é possível otimizar a cobrança de créditos e recebimentos.

A tecnologia também tem agilizado despachos e decisões, como as audiências por videoconferência entre advogados e juízes, algo que já está sendo visto por muitos especialistas como algo que veio para ficar. Esta ferramenta, que já existia antes do coronavírus, tende a ser mais utilizada pela sua racionalidade. 

Para Ana Tereza Basílio, sócia do Basílio Advogados, o julgamento por videoconferência é um excelente modelo, embora muitos tribunais necessitem de aperfeiçoamento. “O julgamento ocorre normalmente, assim como é no plenário físico de uma corte, com as sustentações orais, pronunciamento dos envolvidos, votos dos magistrados, e toda a liturgia que um julgamento abrange”, afirma.

Flávio Pereira Lima, sócio de contencioso e arbitragem do Mattos Filho, explica que a pandemia fez com que o Judiciário incorporasse rapidamente as mudanças. “Num primeiro momento eles suspenderam os prazos e logo em seguida se adaptaram com julgamentos virtuais, com uso de ferramentas como Microsoft Teams e Zoom. Os advogados puderam exercer seus direitos de defesa. É uma técnica diferente, mas funciona bem. Nos tribunais estaduais os desembargadores também se adaptaram”, analisa.

“Hoje temos a possibilidade de divórcio online e as pequenas causas têm conciliação virtual. O Conselho Nacional de Justiça abriu a possibilidade de que as sustentações possam ser feitas pelo sistema de conferencia e vídeo disponibilizado pelos tribunais”, explica Coriolano Camargo.

Assim como o home office, o novo normal para advogados e técnicos do Judiciário nunca mais voltará a ser o mesmo após a pandemia. Os advogados que já se adaptaram a essa realidade explicam que aumentou a autonomia dos profissionais. “Nesse momento que estamos atravessando vejo que a tecnologia será ainda mais importante e essencial”, afirma Leonardo Brandileone, diretor de tecnologia e conhecimento do escritório Mattos Filho.

Para Ana Tereza Basílio, o lado negativo é que a tecnologia no Brasil não está em seu estágio perfeito, ainda não chega nos quatro cantos do país. Além disso, a realidade financeira e econômica dos profissionais não é igual. “Muitos advogados não têm acesso a uma internet de qualidade, com computador e equipamentos adequados. Também muitos juizados, fóruns e varas do país não possuem tecnologia adequada para esse tipo de comunicação e julgamento”, afirma.

“Além disso, audiências de instrução e julgamento podem ser prejudicadas quando temos, por exemplo, que ouvir testemunhas. A impossibilidade de o juiz verificar se a testemunha não está sendo instruída compromete todo o processo”, diz.

Para Erika Siqueira, advogada especializada em gestão de escritórios e presidente da Comissão de Gestão de Escritórios de Advocacia da OAB/DF, na fase pós-pandemia todo o Judiciário, bem como os escritórios de advocacia, incluindo os envolvidos nas demandas jurídicas (clientes, advogados, magistrados, serventuários da Justiça), terão que se ajustar. “Houve um avanço muito grande da utilidade dos processos tecnológicos. Antes a forma de se comunicar com a ajuda da tecnologia já estava evidente, mas a utilização foi acelerada, tanto nos escritórios de advocacia, quanto nas instituições do judiciário”.

Ela explica que os processos de trabalho podem ficar mais acelerados. “Todos aprenderam a trabalhar de forma virtual e intensa! Contudo, deve-se observar que a parte técnica e a excelência deve permanecer à altura da velocidade proporcionada pela tecnologia, bem como a comunicação efetiva entre os agentes jurídicos envolvidos”, diz.

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