O projeto do novo Código de Processo Penal e as questões dos direitos e garantias fundamentais

Texto, há 11 anos em discussão, já foi aprovado pelo Senado Federal/Marcos Oliveira/Ag. Senado
Texto, há 11 anos em discussão, já foi aprovado pelo Senado Federal/Marcos Oliveira/Ag. Senado
Proposta, que recebeu novo parecer na Câmara, precisa discutir os avanços tecnológicos e as mudanças que estão sendo implementadas no Judiciário.
Fecha de publicación: 27/04/2021

Desde outubro de 1941, o Decreto-Lei 3.689 é a principal estrutura legal por onde se sustenta o processo penal no Brasil. Apesar de inúmeras mudanças e adequações nos seus quase 80 anos de vigência, o texto principal se mantém vivo e constitucional – mesmo tendo nascido no auge da ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945). Tal cenário pode mudar em breve: em um esforço que já dura 11 anos, deputados e senadores se uniram por  um novo Código de Processo Penal (CPP) brasileiro.

Na semana passada o relator do texto na Câmara, João Campos (Republicanos/GO), apresentou um novo parecer na Comissão Especial que discute o texto. Com as autorizações devidas do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a comissão tem mais doze sessões para aprovar o texto. 


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João Campos trouxe novidades ao projeto, que começou a ser discutido no Senado em 2010, por iniciativa do então senador José Sarney (PMDB/AP). O texto firma alguns compromissos, entre eles a inclusão no ordenamento da figura do juiz de garantias – magistrado responsável pela fase de investigação, orientando o processo para o julgamento por um segundo juiz. A proposta já poderia ter eficácia – o Congresso aprovou a instalação desta figura no ordenamento ainda em 2019 – mas o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, barrou a proposta.

"Fornece-se, assim, solução de compromisso, à luz das regras de competência legislativa, orçamentária e de razoabilidade, para a implementação de figura tão importante para a cristalização dos direitos fundamentais", escreveu o deputado, em seu parecer. 

Há questões, no entanto, muito mais atuais que são abarcadas na nova proposta – como, por exemplo, a utilização de provas virtuais no processo penal. Apesar de considerar "imperiosa e urgente" a regulamentação sobre o tema, João Campos demonstrou cautela com o tema. "Embora os mecanismos tecnológicos possam ser úteis para a pesquisa da autoria e da materialidade, igualmente podem representar irrazoável afronta a direitos e garantias fundamentais", escreveu.

Há também uma série de 10 artigos, entre o 114 e o 123, que instituem a chamada "Justiça Restaurativa Penal", que pretende ser uma "política pública destinada à reintegração social, com a participação da vítima, do autor do fato e da comunidade". O texto passaria a prever sessões coordenadas, realizadas com a participação dos envolvidos de forma voluntária, das famílias e com a participação da comunidade para evitar a reincidência da infração penal.

O novo CPP também busca racionalizar o instituto do habeas corpus. Se aprovado como está na comissão, hoje, o artigo 740 passaria a impedir o uso do recurso para decretar nulidade ou trancar investigação ou processo criminal ou como sucedâneo recursal ou substitutivo de revisão criminal. O artigo 739 determina que o HC só valerá a quem "se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder", exceto em casos da Justiça Militar.

Os sócios do Malta Advogados Natalie Alves Lima e Tharlen Nascimento entendem que a proposta pode ser aprimorada, mas que trazem avanços importantes. "É muito bem-vinda a iniciativa de tratar sobre as provas digitais, ainda mais considerando que, na atualidade, esses meios são ferramentas decisivas para a solução de crimes", destacam. A possibilidade de as audiências de custódia serem excepcionalmente feitas por videoconferência também foi destacada por ambos como um avanço do novo texto.

Ambos, no entanto, entendem que o momento não é o adequado para a discussão. "A conjuntura em que vivemos em muito impossibilita o diálogo da sociedade civil e das entidades representativas com o Parlamento" argumentam. "Pautar essa matéria de maneira açodada, sem franquear um amplo debate, é, não só desaconselhável, como um risco a toda sociedade."

O criminalista Thiago Turbay, sócio do Boaventura Turbay Advogados, também entende que pautar a discussão do CPP em um momento de instabilidade institucional deveria colocar em alerta o mundo jurídico. "No período em que se entabulam diuturnamente perseguições por meio do processo penal, não é suficiente estabelecer um sistema pretensamente acusatório, que prioriza garantias e liberdades constitucionais", argumenta o advogado. "É necessária uma audaz e minuciosa análise sobre o desenho institucional que deixaremos às próximas gerações, de quais exigências faremos para a aplicação de direitos fundamentais e quais dispositivos contra arbítrios conseguiremos estabelecer."


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Mecanismos que permitam a paridade de armas e coíbam o abuso de autoridade também estão ausentes, na visão de Thiago. "Notadamente, não me parece ter havido uma preocupação suficiente quanto à elaboração de dispositivos processuais capazes de garantir a paridade de armas, que concedam possibilidade de intervir na colheita de provas e de propiciar o exercício investigativo da defesa e o contraditório frente ao desequilíbrio tecnológico e ferramental percebido entre o Ministério Público, a Polícia Judiciária e as defesas", disse.

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