O STF e a discussão da legalidade de empresas de transporte coletivo de passageiros

Duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade analisam funcionamento de aplicativos como a Buser/Buser
Duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade analisam funcionamento de aplicativos como a Buser/Buser
Lei de 2014, que permitiu a entrada em operação de novas companhias como a startup Buser, está sendo questionada no Supremo.
Fecha de publicación: 21/02/2021

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O Supremo Tribunal Federal (STF) incluiu em sua pauta de julgamentos para o primeiro semestre de 2021 duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) que podem fixar a necessidade  ou não de licitação para o transporte terrestre coletivo de passageiros interestaduais e internacionais. A decisão a ser tomada pode definir o destino de empresas que têm explorado o setor desde então e apontar como ministros da corte tratam o tema da inovação.

As duas ADI, a 5.549 e a 6.270, foram abertas em momentos distintos, mas tratam do mesmo tema – o artigo 3º da Lei 12.996, de 2014. Sancionada pela então presidenta Dilma Rousseff, o texto fazia alterações na Lei de 2001 que regulamenta o papel da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), passando ao modelo de "autorização" de prestação de serviços regulares de passageiros. 

A medida modificou o funcionamento do setor – antes definido por processos licitatórios e rotas definidas, operadas pelas empresas vencedoras. O novo modelo também permitiu a entrada em operação de novas empresas, como o caso da startup Buser, que opera fora de rodoviárias e libera horários de rotas de acordo com a demanda.

Para a Procuradoria-Geral da República, que assinou a ADI 5.549 em 2016, a medida fere o princípio da licitação, previsto no artigo 175 da Constituição Federal. "A exigência de licitação prévia garante a todos a possibilidade de acesso à prestação do serviço público, quando este for passível de exploração por particulares", escreveu o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em sua petição. "Concretiza, assim, o princípio da isonomia e prestigia os princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor, uma vez que propicia ao usuário serviços públicos de melhor qualidade e com tarifas mais econômicas."

O então PGR também entendeu haver ferimento ao artigo 37 da Constituição, uma vez que serviços públicos prestados por particulares devem ser contratados mediante processo de licitação, capaz de garantir igualdade de condições a todos os concorrentes.


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A segunda foi apresentada no final de 2019 pela Anatrip (Associação Nacional das Empresas de Transporte Rodoviário de Passageiro), que representa as companhias tradicionais do setor. Além dos artigos da Constituição apontados pela PGR, a Associação inclui em sua petição um terceiro que seria violado – o artigo quinto.

"Ocorre que tal modelo de exploração, além de restringir benefícios dos usuários, pois reflete diretamente na qualidade dos serviços prestados, também limita o direito de locomoção da população, porquanto retira o caráter de regularidade do serviço de transporte de passageiros, em afronta ao direito à liberdade de locomoção", salientam os autores da ADI.

O Secretário-Geral da Anatrip, Luiz Claudio Varejão, considera que o modelo deve ser regido por concessão ou permissão por meio de processo licitatório. A autorização não poderia, em sua visão, ser conduzida da forma como a ANTT vem praticando e por isso as ações. 

Varejão também alegou que aplicativos que tratam de viagens sob demanda operam à margem do que decide a ANTT. "Quanto aos aplicativos tipo Buser, é preciso entender que  o transporte coletivo de passageiros é um serviço público essencial à sociedade e um direito social, está na Constituição", disse. "Esses aplicativos não têm qualquer autorização por parte da agência reguladora para executar serviços, portanto são ilegais, desrespeitando seus limites". Uma das vantagens competitivas que tais empresas têm, apontou o secretário-geral, é não ter inscrição estadual para venda individual, o que evitaria recolhimento do ICMS para os estados.

A Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), que tem a Buser em seu conselho diretor, atuará como amicus curiae da ADI. A associação defende a improcedência das ações e argumenta que o transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros deve se expandir com novos atores – sob risco de não continuar a ser economicamente sustentável.

"Aproximadamente 66% dos pares de origem e destino interestadual são operados por apenas uma empresa", apontou Beto Vasconcelos, sócio do Xavier Vasconcelos Valerim Corrêa De Paula Advogados e procurador da Amobitec na corte. "De 2013 a 2018, embora a renda per capita tenha enfrentado uma queda de 8%, o setor aéreo ainda assim cresceu cerca de 9%. No entanto, nesse mesmo período, o transporte viu seu número de passageiros cair 35%, de 56 milhões para 37 milhões."

Com uma decisão favorável à competição, avalia o advogado, "cria-se um ambiente mais competitivo que gerará impacto positivo no setor de transporte rodoviário de passageiros e também em modelos de negócio que sejam pautados em tecnologia, inovação, eficiência, qualidade e preços justos."

Ambas as ADIs têm a relatoria do presidente da corte, Luiz Fux. Há, no Congresso Nacional, movimentações para reverter o entendimento atual e restaurar a obrigatoriedade de licitação: o projeto de Lei 3819/2020, que determina o retorno ao modelo de permissão, foi aprovado pelo Senado em 15 de dezembro do ano passado. O PL, de autoria do senador Marcos Rogério (DEM/RO),  agora está na Câmara para apreciação.


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