Para juristas, não cabe acusação de abuso de autoridade contra decano do STF 

A queixa presidencial, apontam criminalistas e constitucionalistas ouvidos pela LexLatin, não se sustenta/Carlos Moura/SCO/STF
A queixa presidencial, apontam criminalistas e constitucionalistas ouvidos pela LexLatin, não se sustenta/Carlos Moura/SCO/STF
Após divulgação de vídeo com reunião ministerial, presidente insinuou possível crime de Celso de Mello.
Fecha de publicación: 27/05/2020
Etiquetas: Brasil

Enquanto o presidente da República saía novamente para encontrar manifestantes favoráveis ao seu governo em frente ao palácio do Planalto, no último domingo, uma postagem sem nenhuma palavra sua era publicada em seu perfil no Twitter. Na mensagem, o principal é uma imagem, onde-se lê um trecho da Lei de Abuso de Autoridade, tratando-se do crime de "divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado".

A mensagem segue sem ter um destinatário explícito 48 horas depois. Nesse tempo, ela já havia sido curtida 85 mil vezes e republicada mais de 18 mil vezes, mas parece claro que a intenção era um ataque ao decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello. Relator de um processo onde se apuram denúncias feitas pelo ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, a respeito de interferências na Polícia Federal, o ministro determinou que o vídeo de uma reunião ministerial de abril fosse tornada pública. 

Instantes depois da ordem pela publicação, na tarde da última sexta-feira (22), veículos de imprensa apontavam o que acontecia na reunião – entre outros fatos, alvos de generalizada crítica nacional e internacional, estava o fato do ministro da Educação, Abraham Weintraub, pedir a prisão dos ministros do próprio STF, sem distinção.

A queixa presidencial, apontam criminalistas e constitucionalistas ouvidos pela LexLatin, não se sustenta. "A publicação, possivelmente para criticar a decisão correta do Ministro Celso de Mello, que deu publicidade ao vídeo da reunião, é completamente fora de contexto", argumentou o sócio-fundador do Corrêa Gontijo Advogados, Conrado Almeida Corrêa Gontijo. 

Para o criminalista, Celso de Mello deu cumprimento a uma regra constitucional: ao dar visão a atos consideradas graves e até ilegais na visão do advogado, cumpriu o preceito de que a atuação do poder público há de ser transparente e pública. "Não há crime na divulgação do vídeo, mas cumprimento da lei", afirmou. 

O constitucionalista Adib Abdouni não enxerga que há uma exposição indevida da intimidade ou da vida privada de seus participantes – afinal, tratava-se ali de uma reunião ministerial de trabalho, não tarjada como reservada, secreta ou ultrassecreta. "Sua disponibilização não se amolda ao figurino protetivo à honra e à imagem, tipificado na lei de abuso de autoridade", apontou o advogado, sócio-fundador do Adib Abdouni Advogados.

"Vale registrar, por fim, que o próprio presidente da República, por meio da Advocacia-geral da União (AGU), manifestou-se favoravelmente à publicidade do vídeo", lembrou o sócio do Boaventura Turbay Advogados, João Paulo Boaventura. Dias antes da publicação do vídeo, a AGU se mostrou favorável a que o vídeo fosse apresentado apenas em parte ao público. A postagem no Twitter presidencial, para Boaventura, não passaria de "mais um fato político criado pelo presidente da República, sem qualquer repercussão nas esferas de poder."

Mas a atitude do Judiciário também não é unânime entre quem acompanha a questão. O sócio do Bayma e Fernandes Advogados, Andrew Fernandes, afirma que a reclamação presidencial encontra base, sob o argumento de que grande parte da reunião divulgada pela suprema corte não tem ligação com o objeto da denúncia. 

"Qual a necessidade de divulgar a censura enérgica que o presidente da República realizou em relação aos governadores de São Paulo e Rio de Janeiro?", argumentou. Na ocasião, Bolsonaro chamou o governador de São Paulo, João Dória (PSDB), de "bosta" e o seu par fluminense, Wilson Witzel (PSC), de "estrume". "Foi um equívoco jurídico divulgar a reunião ministerial, pois para além de não guardar nenhuma relação com a prova, a divulgação ainda contribui para acirrar os conflitos internos e externos de nosso país", completou o advogado. 

Mesmo assim, aponta Fernandes, não restaria dúvida que Celso de Mello decidiu divulgar o vídeo atendendo a finalidades nobres, democráticas e constitucionais, "e não com o objetivo específico de prejudicar ou beneficiar quem quer que seja."  Com isso, argumentou, não seria possível vislumbrar nenhum crime.

E se o presidente resolvesse levar a questão à frente, quem seria o responsável por julgá-la? A resposta seria o próprio Supremo, aponta Adib Abdouni. O artigo102 da  Constituição aponta que é dever da corte analisar a denúncia contra próprio membro da corte nas chamadas "infrações penais comuns", assim como em denúncias envolvendo o presidente, seu vice, membros do Congresso Nacional, e o procurador-geral da República. 

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