A polêmica da tributação dos livros no Brasil

Especialistas questionam eficácia da medida/Pixabay
Especialistas questionam eficácia da medida/Pixabay
Proposta enquadra livros na alíquota de 12% da CBS. LexLatin analisa a questão sob o ponto de vista do direito tributário.
Fecha de publicación: 13/04/2021

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Na semana passada o mercado editorial brasileiro foi surpreendido pela proposta de taxação de livros. Um documento da Receita Federal propôs mudar a alíquota dos livros em todo o país de 0% para 12%. O principal argumento é de que, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2019, as famílias com renda até 2 salários mínimos não consomem livros não didáticos e a maior parte desses livros é consumida pelas famílias com renda superior a 10 salários mínimos. 

O documento, na forma de perguntas e respostas sobre a Contribuição de Bens e Serviços (CBS), analisa a proposta que pretende fundir e substituir a Contribuição para o PIS/Pasep e Cofins em um único tributo cuja alíquota será de 12%. 

A proposta vai na contramão da Constituição brasileira, que desde 1988 garante a isenção de impostos para o papel utilizado na impressão de livros, jornais e revistas. Mas isso se refere apenas a impostos e não a todos os tributos.

No artigo 150 da Constituição Federal é vedada à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios criarem impostos de qualquer natureza sobre o livro e a imprensa escrita. Mas a contribuição para o PIS/Pasep e Cofins, que incidem sobre a receita das empresas, se aplicaria aos livros. No entanto, a Lei nº 10.865 de 30 de abril de 2004 reduziu a zero a alíquota do PIS e da Cofins para vendas de livros.

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Entidades do setor editorial no Brasil, como a Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional (Abrelivros) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livro e a Câmara Brasileira do Livro, através do Manifesto em Defesa do Livro, fazem algumas ponderações sobre o projeto do Ministério da Economia.

“As instituições ligadas ao livro estão plenamente conscientes da necessidade de reforma e simplificação tributárias no Brasil. Mas não será com a elevação do preço dos livros - inevitável diante da tributação inexistente até hoje - que se resolverá a questão. Menos livros em circulação significa mais elitismo no conhecimento e mais desigualdades de oportunidades no país das desigualdades conhecidas, mas pouco combatidas”, afirmam.

Para Lilia Moritz Schwarcz, uma das fundadoras da editora Grupo Companhia das Letras, a medida limitará ainda mais o acesso dos mais pobres à leitura. “O recorte feito pelo governo é também tendencioso ao considerar apenas famílias com renda abaixo de dois salários mínimos e acima de dez salários. Além do mais, o aumento incidirá não apenas sobre livros não didáticos, mas também sobre os didáticos. Por outro lado, por que será que o governo pretende decidir que livros a população deve ler? O que dá ao governo esse direito de escolha num país em que a leitura cresceu tanto durante os anos da redemocratização?”, disse em postagem no Instagram.

Lilia ainda afirma que o efeito será em dominó. “Perdem os editores, os livreiros, os novos leitores de classes menos favorecidas. Leitura não é luxo de ricos. É necessidade básica num país em que o letramento sempre foi um ticket para a liberdade”. 

LexLatin ouviu especialistas em direito tributário para analisar a mudança defendida pelo Ministério da Economia e se realmente ela importa dentro do contexto da tributação brasileira. 

Douglas Mota, sócio na área de tributário do Demarest Advogados, explica que “para as empresas que têm receitas com a venda de livros isso significa que elas irão diminuir suas margens ou repassar isso no preço, encarecendo o produto”. 

O advogado destaca que a premissa que está sendo adotada é que quem consome livros não didáticos faz parte de uma camada da população que não deixará de consumir em razão da tributação da CBS. “Sob o ponto de vista econômico financeiro, aparentemente faz sentido. Contudo, o fato é que a não tributação de livros, assim como as imunidades tributárias previstas na Constituição Federal, no artigo 150, inciso VI, tem como objetivo não criar entraves para a universalização da educação, já que a leitura está diretamente ligada a isso. Então soa incongruente com esta premissa”, disse. 

A Receita Federal alega que o dinheiro arrecadado com a tributação de livros poderá ser utilizado em políticas focalizadas, como ocorre com medicamentos, saúde e educação. Além disso, o documento afirma que não há evidências de que os preços dos livros foram reduzidos após a concessão da isenção da Contribuição para o PIS/Pasep e Cofins. 

André Alves de Melo, sócio na área tributária do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados, critica a escolha de um setor para essa tributação que tem uma primazia constitucional maior. Ele destaca que, desde a Constituição Federal, passando pelo julgamento do Supremo e pela legislação infraconstitucional que veio pela Lei nº 10.865, há a intenção de ter uma carga tributária reduzida - ou anulada - sobre atividades de livros. 

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“Então, acho que, de certa forma, é um cenário onde a taxação desses livros talvez não tenha uma representatividade tão grande para fins de equilíbrio de finanças e de trazer o melhor ambiente tributário. Por outro lado, a eleição do livro, de revogação dessa alíquota zero para PIS e Cofins, trazendo a tributação da CBS ainda que a 12%, representa um aumento. Aumento esse que necessariamente representa aumento dos preços. Portanto, pode sim afetar a maior divulgação e propagação do acesso à educação e violar uma cláusula maior”, afirma André.

A proposta ainda está em discussão, mas para os especialistas ouvidos pela reportagem é preciso avaliar o real impacto dessa medida. E aí, nesse momento, ficam alguns questionamentos importantes. 

“Até que ponto se faz necessário, para o equilíbrio financeiro das contas públicas, para ter um melhor ambiente tributário que essa reforma se propõe, atacar esse setor? O quanto isso gera de arrecadação, de benesses, de melhor ambiente de tributação, ao revogar essa lei para livros, jornais e periódicos? Qual é a contrapartida que se faz, não de uma violação direta à imunidade porque a imunidade abarca os impostos e aqui estamos falando de contribuição, mas uma violação talvez indireta aos princípios constitucionais maiores, de acesso à educação, informações, todos aqueles direitos maiores da nossa Constituição?”, avalia André Alves de Melo.

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