Zerar o imposto sobre combustíveis: é possível abrir mão de tanto dinheiro?

Jair Bolsonaro e governadores estão no centro da polêmica sobre ICMS, PIS/Cofins e a Cide
Jair Bolsonaro e governadores estão no centro da polêmica sobre ICMS, PIS/Cofins e a Cide
Jair Bolsonaro e governadores estão no centro da polêmica sobre ICMS, PIS/Cofins e a Cide
Fecha de publicación: 12/02/2020
Etiquetas: Brasil

Foram cinco tweets, no final da tarde de um domingo, dia 2 de fevereiro, que iniciaram uma discussão que já dura duas semanas. Nas mensagens, o presidente Jair Bolsonaro questionava a dificuldade de se reduzir o valor do combustível na bomba para o consumidor final, mesmo com o governo operando para diminuir o valor nas refinarias.

A resposta foi dada por ele mesmo: "porque os governadores cobram, em média 30% de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), sobre o valor médio cobrado nas bombas dos postos e atualizam apenas de 15 em 15 dias, prejudicando o consumidor".  Segundo o presidente, isso seria uma praxe entre os líderes estaduais, já que "como regra, os governadores não admitem perder receita, mesmo que o preço do litro nas refinarias caia para R$ 0,50 o litro". 

A proposta feita por Bolsonaro, um dia depois, veio quase em tom de aposta: se os governadores concordassem em baixar a zero o ICMS sobre combustíveis, o governo federal faria o mesmo com o PIS/Cofins e a Cide, impostos sob sua responsabilidade e que também são incidentes. 

Desde então, 24 dos 27 governadores já se posicionaram de maneira crítica ao presidente. O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), se colocou à disposição para discutir o tema - mas não com o presidente, cuja proposta chamou de "irresponsável".

Mas, em termos práticos, seria possível um acordo tão extenso, a ponto de permitir a tributação zero em um item tão essencial quanto combustíveis? A situação permite que se abra mão de um montante tão grande assim?

Dezenas de bilhões

Sobre um litro do combustível incide, segundo a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes (Fecombustíveis), 25 a 34% do valor em ICMS, além de R$ 0,79 em PIS/Cofins por litro, e R$ 0,10 de Cide por litro. Álcool, Diesel e etanol têm alíquotas mais baixas ou isentas destes impostos por cada litro.

Mas isto é o suficiente para um montante significativo: apenas a União arrecadou, em 2019, R$ 27,4 bilhões em tributos sobre combustíveis - dinheiro que amenizou contas públicas sensíveis de um país que se recupera de uma prolongada recessão. São Paulo, o maior estado da federação, recolheu mais de R$ 17 bilhões no mesmo período. 

O sócio do HRD Advogados, Hugo Reis Dias, considera a tributação sobre combustíveis extremamente grave, mas entende que tais reduções podem abalar a saúde financeira das unidades da federação. "Estes recursos de ICMS, querendo ou não, tendem a ser deslocados para áreas como saúde e educação", analisou o tributarista. "Seria mexer na própria fonte de sustento de estados que estão em calamidade financeira". 

Dias também aponta outro aspecto na discussão. Para ele, em termos de tributação, estados e a União já tem um histórico de discussão: "Os estados já têm uma desconfiança para com a União sobre recebimentos de valores", aponta, relembrando a antiga discussão sobre a Lei Kandir. Desde 1996, as unidades da federação discutem a interpretação do texto legal, que regulava o repasse de valores relativos ao ICMS de exportadores desonerados desta cobrança. A discussão central é se e como a União aceitaria um passivo que superaria os R$ 700 bilhões, por conta desta desoneração. O debate deve ser definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 

O sócio do escritório Arrieiro & Dilly Advogados, Eduardo Arrieiro, concorda com o argumento de que a discussão vai além de tweets. "É muito salutar se de fato houvesse uma redução da carga tributária sobre os combustíveis, principalmente porque ele é um dos principais insumos em todas as atividades que geram riqueza no país. Mas uma medida desta só seria viável se em contrapartida houvesse um aumento de receita", argumentou o advogado, que resumiu: "alguém teria de pagar a conta". 

Os dois tributaristas concordam que a medida pode contradizer a Lei de Responsabilidade Fiscal, que tem uma diretriz específica para a renúncia de arrecadação. 

Dentro da Média

Segundo a Fecombustíveis, 44% do valor de um litro de gasolina é de tributos, enquanto 23% do litro do Diesel e 25% do litro do álcool vão para os cofres públicos.

O volume de impostos nos combustíveis brasileiros pode ser alto, mas não chega a ser uma exceção perto dos seus vizinhos na América Latina. Não há muitos dados consolidados que analisam o continente como um todo sob esta ótica: um relatório de 2004 da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal/ONU) mostra que, na Argentina, a tributação sobre a gasolina era de 49%; de 39% na Bolívia e 38% na Colômbia. Já o México tem uma das maiores taxas: 54% de tributos.

O litro da gasolina, no Brasil, também é parecido com seus vizinhos. No início de fevereiro, o litro do combustível no Brasil estava cotado a US$ 1,06. No Paraguai o valor era de US$ 1,02. O Chile vendia o litro a US$ 1,13, o México a US$ 1,10. A Argentina (US$ 0,94) e a Colômbia (US$ 0,74) têm um preço menor. Um dos preços mais baixos do continente é o da Bolívia, que vende a gasolina a US$ 0,54.

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