#25N contra a violência estrutural no trabalho: a promessa do teletrabalho

O teletrabalho não aposta em fechar lacunas: a maioria das mulheres ocupa empregos que não são “teletrabalháveis”. Além disso, o quadro de teletrabalho proposto não tem um desenvolvimento explícito sobre o trabalho de cuidado. / Unsplash.
O teletrabalho não aposta em fechar lacunas: a maioria das mulheres ocupa empregos que não são “teletrabalháveis”. Além disso, o quadro de teletrabalho proposto não tem um desenvolvimento explícito sobre o trabalho de cuidado. / Unsplash.
A região está fazendo esforços para fazer a transição do trabalho de uma modalidade virtual ou híbrida para uma modalidade formal e regulamentada. A abordagem de gênero é a grande ausente.
Fecha de publicación: 24/11/2022

A pandemia fez germinar o teletrabalho como símbolo de modernidade e campo de promessas de cumprimento da abordagem de gênero. Os marcos regulatórios que atualmente estão sendo debatidos na América Latina sobre essa área têm omitido um componente essencial para reverter e atuar com eficiência diante das lacunas que os governos prometem combater. A violência estrutural perpetrada pelo Estado, no que diz respeito a direitos fundamentais, como o acesso ao emprego digno, esbarra na oficialização do teletrabalho como modalidade que veio para ficar.

No México, há um alerta sobre a tendência em relação à modalidade de trabalho virtual, completo ou híbrido: cerca de 13 milhões de pessoas estão aptas a usufruir desse novo regime. A Argentina, por sua vez, projeta quadruplicar o volume de mulheres que participam dessa modalidade. Os números marcam uma tendência, mas não são favoráveis ​​em termos de igualdade. Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero (ONU Mulheres) sobre a Argentina aponta uma verdade que pode ser extrapolada para a região: as mulheres que estão empregadas no mercado de trabalho formalmente lidam com tarefas que não podem ser teletrabalhadas.

Essa hipótese dialoga com os números apresentados pela Cepal, em seu relatório sobre a autonomia econômica da mulher na recuperação sustentável e com igualdade. O texto destaca a sobrerrepresentação das mulheres no mercado de trabalho informal e em ocupações relacionadas com o comércio atacadista e varejista, indústrias manufatureiras, atividades de alojamento e de serviços de alimentação, trabalhos domésticos, educação e saúde. Desses setores, saúde e educação foram identificados pela Organização como espaços de baixo risco no que diz respeito à desempregabilidade surgida durante a pandemia e instalada no pós-pandemia. Até o início deste ano, a OIT estimava mais de 4 milhões de mulheres desempregadas na região, expostas à informalidade e à sobrecarga do trabalho de cuidado.

“A falta de uma abordagem de gênero em termos gerais produz formas de discriminação e exclusão em todos os níveis, porque promovem a manutenção dos impactos negativos da discriminação estrutural e, em muitos casos, também geram hipóteses de discriminação bastante evidentes, bastante recorrentes, de discriminação indireta”, reflete Yanira Zúñiga Añasco, professora da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Austral do Chile.

O Chile é um ponto importante nessa transição. Recentemente, foi rejeitada a proposta daquela que seria a primeira Constituição da América Latina com perspectiva de gênero. Zúñiga avisa que ainda não se esgotou o processo de negociação para um próximo processo. O anterior teria dado uma abertura para retirar o que precisamos quando falamos de esforços que fechem lacunas e facilitem um ambiente de trabalho no qual seja possível desenvolver a vida pessoal e profissional.

Não se trata de reconciliar, mas de transformar

Edith Pacheco Gómez Muñoz, professora e pesquisadora do Centro de Estudos Demográficos, Urbanos e Ambientais (Colmex) do México, onde está em curso uma Reforma Trabalhista que afeta várias frentes, vai ao cerne: a abordagem para conciliar vida familiar e trabalho falhou; assim, em vez de propor uma ideia de conciliação, devemos partir de uma transformação.

“As desigualdades de gênero no trabalho não estão apenas ligadas à questão da família e da 'conciliação'. De certa forma, reproduz-se a visão de que a mulher é a responsável pela família e a co-responsabilidade do homem fica apenas de uma forma implícita quanto aos aspectos familiares”, explica.

O Estudo Diagnóstico do Direito ao Trabalho 2021, coordenado por Pacheco, aponta estes outros aspectos que são visíveis na ponta do iceberg da categoria 'família'.

“Devemos levar em consideração o impacto negativo que o teletrabalho massivo após a pandemia trouxe sobre as cargas de trabalho não remunerado para as mulheres. No caso do México, um estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (2021) conclui que as mulheres, devido à expansão do teletrabalho na pandemia, reconfiguraram o trabalho e a vida privada, com excesso de trabalho doméstico e de cuidado, em detrimento do seu desempenho laboral e da sua vida pessoal, bem como agravamento dos riscos para a sua saúde física e mental”, destaca o relatório na seção Disponibilidade, acessibilidade e qualidade.

Do Peru, onde a regulamentação da Lei do Teletrabalho deve sair em dezembro, Alicia Jiménez, advogada trabalhista da Philippi Prietocarrizosa Ferrero DU & Uría, aborda o problema destacando conceitos-chave: esta é uma prática social ainda guiada por estereótipos.

“O papel do cuidado ligado à esfera familiar que recai especialmente sobre as mulheres impacta o trabalho, não por normatização, mas por prática social e por estereótipos que fazem com que as mulheres assumam essencialmente essas questões”, detalha.

Reproduzir e aprofundar as diferenças

A modalidade de teletrabalho inclui a promessa de conceder ao trabalhador a gestão e disposição do seu tempo, facilitando um leque de possibilidades para o seu desenvolvimento. O retorno ao lar ou ao espaço privado, no caso das mulheres, traz consigo efeitos perversos neste ponto, alertados e detectados pela OIT.

“Isolamento, menor interação com outros trabalhadores e a potencial perda do sentimento de pertencimento na empresa podem significar retrocessos nos avanços da inserção e permanência da mulher no mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, essa modalidade de trabalho poderia facilitar o aumento das situações de discriminação contra as mulheres e de discriminação laboral por gênero”.

A pandemia fez com que figuras como o 'trabalho remoto', que, ao contrário do teletrabalho, podem ser impostas em caso de eventual emergência ou situação de risco, permaneçam como mecanismos de atuação. Jiménez, do Peru, ilustra o que foi proposto pela OIT à luz dessas figuras de 'proteção':

“A emergência sanitária ainda hoje está em vigor e o referido regulamento sobre o trabalho remoto não foi modificado. Apesar de existirem disposições regulamentares de natureza infralegal, que permitem avaliação médica para o regresso ao presencial, a verdade é que esta medida de “proteção” acaba por prejudicar as mulheres. Recordemos que, mesmo no período mais complicado da pandemia, não havia evidências de que o coronavírus afeta especialmente grávidas e/ou lactantes, portanto a proibição do exercício de atividades presenciais afeta a empregabilidade e o desenvolvimento profissional das mulheres".

Soma-se ao trabalho de cuidado e à possibilidade de se manter competitivo no local de trabalho a falácia do horário flexível. O Colmex Diagnostic Study descreve-o da seguinte forma:

“O teletrabalho tem efeitos na forma como as pessoas organizam o seu tempo de trabalho, na medida em que os trabalhadores enfrentam jornadas mais longas, uma vez que a flexibilidade proporcionada pelo teletrabalho é utilizada para modificar os seus próprios horários de trabalho. É habitual que os horários de trabalho sejam adaptados às necessidades da família, à realização de tarefas domésticas e de cuidados. Isso, por sua vez, faz com que o trabalho remunerado seja realizado entre 18h e meia-noite e até mesmo em dias de folga obrigatórios, como finais de semana e/ou feriados.”

O avanço do direito à desconexão como um firewall contra figuras de abuso é uma iniciativa importante, mas ainda não beneficia as mulheres.

Diante dos fatores expostos que problematizam essa nova modalidade e dificultam sua assunção como conquista de direitos, cabe questionar: como combater essa manifestação de violência em matéria trabalhista que emana dos Estados? Como fazer com que os escassos e supérfluos esforços para fechar as lacunas se tornem quadros de ação diligentes que abordam os problemas subjacentes?

Os esforços devem ser formulados e formalizados legalmente, sim, mas também na esfera social. Duas pesquisadoras da Universidade Complutense, Raquel Aguilera Izquierdo e Rosario Cristóbal Roncero, apontam um aspecto ainda não admissível: os problemas nessa área “são difíceis de resolver pelo legislador”. As autoras, osmencionadas pelas especialistas do Colmex, defendem a necessidade de promover, de maneira complementar às leis, “regras específicas relativas a pausas, desligamentos, trabalho presencial ou remoto e esta negociação coletiva deve ser incluída”.

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