2ª Turma do STF julga Moro parcial em caso sobre Lula

"Os indícios adquiriram a combinação de atores processuais, de acusação e de julgamento, que conduziram o paciente, na forma de investigação e processamento, o que na minha visão pode significar a quebra de parcialidade do juiz"/STF
"Os indícios adquiriram a combinação de atores processuais, de acusação e de julgamento, que conduziram o paciente, na forma de investigação e processamento, o que na minha visão pode significar a quebra de parcialidade do juiz"/STF
Ministra Cármen Lúcia revê voto e decisão é a maior derrota da Lava Jato. Nunes Marques apresentou voto-vista contra suspeição.
Fecha de publicación: 23/03/2021

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Uma mudança de voto da ministra Cármen Lúcia, na 2ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), consolidou a tese de suspeição (questionamento da imparcialidade) do ex-juiz federal Sergio Moro no caso do triplex do Guarujá – envolvendo o ex-presidente Lula. A ministra, que havia votado em 2018 contra a suspeição, reviu seu voto três anos depois e garantiu uma maioria de 3x2 para a anulação.

"Os indícios adquiriram a combinação de atores processuais, de acusação e de julgamento, que conduziram o paciente, na forma de investigação e processamento, o que na minha visão pode significar a quebra de parcialidade do juiz", disse a ministra, em novo voto. "Juiz que é favorável a um, é desfavorável a outro." 


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Cármen Lúcia disse que todos têm o direito e "imaginar-se e acreditar-se julgado, processado e investigado por uma contingência do Estado e não por um voluntarismo de determinado juiz ou tribunal". A ministra – que foi indicada por Lula, em 2006, mas votou contra ele durante a prisão em segunda instância – disse que levou em conta "peculiar e exclusiva situação deste paciente".   

Antes, em um voto-vista apresentado na sessão, Nunes Marques negou o pedido feito pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que alega que Moro agiu de maneira parcial ao julgar o ex-presidente. 

Ao tratar da questão genérica, o ministro argumentou que ideias que Moro possui não são prova de suspeição. "Não basta que o juiz seja simpatizante de certas ideias casualmente controvertidas em certo processo para que ele seja tido como suspeito", escreveu Nunes Marques em seu voto. "É preciso que ele tenha alguma apetência especial pelo resultado do processo que está em suas mãos, a ponto de suscitar desconfiança sobre a honestidade do seu proceder".

Sobre as provas apresentadas em veículos de imprensa que poderiam comprovar a suspeição do juiz, Nunes Marques alegou que estas não seriam passíveis de utilização. "Notícias veiculadas em matérias jornalísticas não são provas incontestes, não estão nos autos e não se tem como verificar sua veracidade com base nelas mesmas", disse. O ministro ainda destacou que considera as provas como ilícitas, já que foram obtidas por hackers – e que estas seriam inaceitáveis ao processo, mesmo que para beneficiar o réu.

Ministro mais novo da Corte, Nunes Marques – indicado por Jair Bolsonaro em outubro do ano passado – pediu vistas ao caso, considerando que não teve tempo hábil para analisar a questão, retornando apenas hoje. 

Gilmar Mendes – que lidera o movimento a favor da suspeição de Moro na Corte – fez nova peroração sobre o caso, lembrando o que considerou como excessos da Vara Federal de Curitiba e do Ministério Público do Paraná. Em diversos momentos, o ministro se mostrou contra o voto de Nunes Marques e se exaltou contra alguns de seus argumentos.  

Para Mendes, as ações tomadas supostamente em conluio ferem garantias constitucionais e "pertencem ao código penal da Rússia, mas da Rússia soviética". O ministro, que passará a ser o decano da Corte ainda este ano, questionou: "Os senhores comprariam um carro do Dallagnol? Do Moro?" 

O caso estava empatado em 2x2, em uma turma de cinco ministros. Em 2018, no início do julgamento, o relator do caso, ministro Edson Fachin, votou contra a defesa do ex-presidente, sendo seguido pela ministra Cármen Lúcia. 


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Em voto-vista que só foi apresentado no início deste mês de março, Gilmar Mendes votou pela suspeição, em uma mudança de postura baseada, em grande parte, aos vazamentos de conversas privadas de procuradores da Lava Jato, que indicam um conluio para retirar Lula do jogo político. O voto de Lewandowski pela suspeição empatou o caso.

Durante a última sessão de julgamento sobre o caso, no início do mês, Cármen disse que tinha novo voto preparado, mas que o leria apenas após o voto de Nunes Marques. A ministra, antes muito alinhada à Lava Jato, chegou a mostrar desacordo com algumas das ações da operação citadas por Gilmar Mendes em seu voto.

A decisão de mudança do voto de Cármen Lúcia foi considerada acertada pelo  sócio do Marcilio e Zardi Advogados, Carlos Flavio Venâncio Marcilio. "Me parece, induvidosamente, uma decisão acertada diante dos elementos dos autos, sobretudo a espetacularização da condução coercitiva em março de 2016, a interceptação telefônica de familiares e advogados, a seletividade de revelação nos dados obtidos na intercepção telefônica do ex-presidente Lula", disse o advogado. "Em suma, a ministra entendeu que houve uma violação dos direitos fundamentais do ex-presidente, dando ênfase na necessidade de um julgamento justo por um juiz imparcial."

Para a advogada Fernanda Tórtima, sócia do Bidino & Tórtima Advogados a tese definitivamente não é nova. “E também não me parece que seja extrema. Independentemente desse caso concreto, o que não se pode é permitir uma condenação injusta, seja quanto ao mérito, seja quanto a questões processuais, quando há alguma prova que possa evitar a condenação de réu inocente ou condenado com base em processo ilegal."

O criminalista e constitucionalista Adib Abdouni também concorda. "No direito penal se busca a verdade real. Não há prova ilícita neste caso, haja vista que os agentes do Estado atuaram com parcialidade e violaram o princípio da impessoalidade, que norteia o Direito Administrativo."

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