Houve conflito de interesses na conduta de Sérgio Moro depois da saída do governo?

Sergio Moro, pré-candidato à presidência, tem sua carreira na Alvarez & Marsal devassada pelo Tribunal de Contas/ Anderson Riedel/PR
Sergio Moro, pré-candidato à presidência, tem sua carreira na Alvarez & Marsal devassada pelo Tribunal de Contas/ Anderson Riedel/PR
Especialistas analisam conduta de ex-juiz e ex-ministro, que está na mira do TCU e pode ser condenado.
Fecha de publicación: 25/01/2022

Os anos como juiz federal a ministro da Justiça tornaram Sergio Moro uma das figuras mais reconhecidas - para parte da população - no combate à corrupção no país. Suas ações midiáticas que resultaram na prisão de empresários influentes e mesmo do ex-presidente Lula o capitalizaram como um dos “superministros” de Bolsonaro, ao mesmo tempo que levantavam suspeitas, hoje confirmadas, da sua parcialidade, voltada a prender suspeitos a qualquer custo. Este histórico o catapultou para, em 2022, ser o pré-candidato do Podemos à presidência - em uma curiosa disputa com seu ex-chefe (Bolsonaro) e um dos réus de seus julgamentos anulados (Lula).

A esse histórico, Sergio Moro tem contra si agora uma acusação mais grave: a de conflito de interesses após sua saída do governo, em abril de 2020. Moro atuou, durante cerca de um ano, como diretor na Alvarez & Marsal, uma das maiores consultorias em recuperação judicial do planeta. A empresa, no entanto, tem como maior parte da sua carteira de clientes as construtoras debilitadas pela Operação Lava Jato - que Sergio Moro participou como uma das principais estrelas.


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O caso está no TCU (Tribunal de Contas da União), onde um pedido do Ministério Público de Contas trouxe luz aos contratos da empresa. Na última sexta-feira (21), o ministro Bruno Dantas ordenou que o sigilo dos documentos enviados pela empresa fossem levantados e a partir disso descobriu-se que 78% de todos os rendimentos da empresa vinham de empresas diretamente afetadas por ações anteriores de Sergio Moro.

Algo que, aliás, tem relação com um eventual conflito de interesses. Após uma semana de isolamento por conta da Covid-19, Moro foi a São Paulo participar da gravação de um podcast no estilo talk show. Na primeira pergunta foi questionado sobre o eventual conflito de interesses e alegou estar sendo perseguido. 

“O recado não é para mim, mas para tudo que é juiz, procurador e policial do país”, disse o ex-juiz. “Se você vem atrás de mim por corrupção, você vai enfrentar depois as consequências, porque eu vou atrás de você”. Ele - que cometeu um suposto ato falho ao dizer que “comandou a operação Lava Jato”, mesmo na condição de juiz - disse que o objetivo da classe política é o retorno a um status pré-Lava Jato.

Em uma conversa com James Walker Jr., sócio da Walker Advogados Associados e conselheiro da OAB do Rio de Janeiro, ele avalia quais seriam as principais lições, em termos de compliance, para este episódio. O primeiro erro, indica, seria do lado privado.

“Parece ter faltado critério de avaliação da empresa para entender que o capital reputacional poderia ser muito abalado, uma vez que viesse um escândalo dessa natureza como está se enfrentando agora”, diz o advogado.

Sobre Moro, as críticas são mais duras. “Do ponto de vista de combate à corrupção, precisamos todos entender que o combate à corrupção não significa apenas dar e receber valores, mas receber qualquer tipo de vantagem indevida”, argumenta. “Portanto, se alguém se locupleta de uma posição estratégica e altamente bem remunerada dentro de uma empresa, a partir da vantagem que obteve num momento anterior que era juiz, isso não deixa de ser uma forma de corrupção.”

Bárbara Mácola, diretora jurídica da Mácola Advogados e integrante da comissão de compliance da OAB do Distrito Federal, diz que a contratação do ex-agente público pela iniciativa privada pode ocorrer tranquilamente, desde que a operação de compliance do agente privado seja bem estruturada, seguindo-se a legislação pertinente. “No Brasil, em comparação a outros países, ainda temos muito a evoluir nas discussões sobre esta temática, o que não deve ser impeditivo para que a contratação ocorra”, ressalta. 

A advogada indica que casos de conflitos como este estariam, em tese, sob julgamento da CEP (Comissão de Ética Pública) do Palácio do Planalto, como manda a lei de 2013 que trata sobre o tema.

”Não há óbices na atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) no exercício do controle externo”, aponta Barbara. “Aqui é importante frisar que o conflito de interesse se materializa no caso concreto, por isso é sempre prudente uma análise aprofundada e o constante acompanhamento da construção do entendimento jurisprudencial da Corte de Contas.”


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James Walker diz que pode caber sim ao TCU esta análise e que, infelizmente, ela é rara. “Deveria ser corriqueiro que órgãos governamentais se dessem a este tipo de avaliação, que chamamos de background check, das pessoas que estamos colocando em posições estratégicas, que possam estar se privilegiando de situações anteriores”, argumenta. “Deveria ser uma constante, mas não é”.

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