Política energética: a disputa entre México e EUA

Segundo o México, reservou-se o direito de legislar em matéria de energia. / Unsplash, Greg Rosenke.
Segundo o México, reservou-se o direito de legislar em matéria de energia. / Unsplash, Greg Rosenke.
Discussão trata da soberania das reservas de petróleo mexicanas e direito de alterar legislação na área de energia.
Fecha de publicación: 16/08/2022

O México enfrenta reivindicações comerciais de investidores em empresas de energia dos EUA. O argumento é de que as regras do Tratado do México, Estados Unidos e Canadá (T-MEC) foram violadas, uma vez que o governo do presidente Andrés Manuel López Obrador privilegiou as empresas locais de hidrocarbonetos e eletricidade, quebrando o atual acordo comercial.

O descontentamento se espalhou para o governo canadense. Representantes do país anunciaram que apoiarão o governo de Joe Biden na revisão das políticas mexicanas que afetam, segundo sua perspectiva, algumas das regras do T-MEC sobre energia.

Antecedentes

A origem da disputa, explica Juan Carlos Machorro, sócio responsável pela área transacional do escritório jurídico Santamarina y Steta, está no capítulo 8 do Tratado que, desde sua redação não foi para a autorização do México. Antes mesmo de sua aprovação foi até mesmo removido.

A renegociação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, sigla em inglês) começou em agosto de 2017 e foi promovida pelo então presidente americano Donald Trump; Enrique Peña Nieto, do México; e Justin Trudeau, do Canadá. Embora alguns meses depois Trump tenha ameaçado dissolver o acordo comercial, os países, através de sua diplomacia, conseguiram consolidar o acordo que inclui mudanças fundamentais nas relações comerciais entre os três países.


Leia a entrevista, em espanhol, que fizemos com Álvaro Santos, que participou das negociações do tratado


A discussão, elaboração e aprovação do T-MEC ocorreu em 2018, ano eleitoral no México em que foi eleito Andrés Manuel López Obrador com a sua proposta social-democrata.

Para levar a cabo um processo de transição ordenado nos termos do acordo comercial, o então presidente eleito acrescentou à equipe negociadora o economista Jesús Seade —hoje embaixador do México na China—, que teve a tarefa de refinar alguns pontos que o novo governo não aceitou.

Capítulo 8 e argumentos contra o México

O capítulo 8, explica Machorro, era um documento que buscava a integração energética, bem como a implementação de um corredor de troca de eletricidade e hidrocarbonetos, mas o governo López Obrador pediu para eliminá-lo.

Por outro lado, Seade solicitou acrescentar nesse mesmo segmento a mensagem de que o México tinha soberania sobre suas reservas de petróleo e que o país se reservava o direito de alterar sua legislação em matéria energética de acordo com seus interesses.

“Aqui começa a primeira grande confusão porque na narrativa, até hoje, o governo assegura que não há violação do tratado, pois segundo suas ações não foi contemplado pelo T-MEC. É uma grande confusão porque uma coisa é que o país se reserve o direito de reformar suas regras e outra é que as regras do jogo acordadas sejam violadas”, detalha o líder da área transacional.

De acordo com uma declaração do escritório Mijares, Angoitia, Cortés e Fuentes, os Estados Unidos solicitaram uma revisão por pares —mecanismo de resolução de disputas estipulado no T-MEC, que não estava no antigo tratado— porque considera que o México tem sido inconsistente com os princípios de: 

  • Tratamento nacional das mercadorias. 
  • Nenhum tratamento menos favorável para os investimentos. 
  • Obrigação de não impor restrições à importação. 
  • Imparcialidade dos órgãos administrativos estaduais que regulam as empresas estatais e razoabilidade. 
  • Oportunidade e legalidade nos procedimentos administrativos que são aplicados por uma parte, a uma pessoa, bem ou serviço, de outra parte.

Isso à luz de uma série de ações legislativas que López Obrador promoveu, como a reforma da Lei de Eletricidade de março de 2021, que prioriza o envio de usinas para a Comissão Federal de Eletricidade (CFE), uma paraestatal que tem sido amplamente apoiada pelo presidente.


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Objetivo dos EUA e Canadá: reformas energéticas

Para Horacio M. De Uriarte, sócio de Mijares, Angoitia, Cortés e Fuentes, é pouco provável que a polêmica contra o México seja resolvida nas mesas de discussão que antecedem os painéis, já que para isso o governo López Obrador teria que reverter uma série de reformas em questões elétricas que estão até suspensas pela Justiça.

“Na realidade, o que os Estados Unidos e o Canadá estão desafiando são medidas que não entraram em vigor, como as reformas da Lei do Setor Elétrico. Na verdade, o que vai acontecer é que o período de consulta vai se arrastar e não vai dar em nada. Pode ser que o próximo governo resolva”, expõe De Uriarte.

O especialista em práticas de energia e infraestrutura acrescenta que o capítulo 8 estabelece que, embora o México possa reformar suas leis e sua Constituição de acordo com seus interesses, as modificações devem resguardar os acordos contidos no Tratado.

Além disso, o governo dos Estados Unidos considera que as regras do T-MEC foram descumpridas porque foi concedida uma prorrogação exclusivamente à Pemex, empresa petrolífera mexicana, em relação à obrigação de atender às especificações de teores máximos de enxofre no diesel automotivo, além de ter privilegiado as transportadoras que adquirem insumos da Pemex e CFE.

Ações de investidores e possíveis sanções contra o México

Nos últimos meses, o presidente recebeu cartas do Congresso dos Estados Unidos, além de visitas de altos funcionários do governo norte-americano para conciliar as reivindicações dos empresários de energia da União Americana.

As conversas não deram resultados e, por isso, está previsto iniciar uma fase de consultas entre os países que durará 75 dias e se estenderá até outubro. Machorro explica que esse mecanismo foi utilizado em três ocasiões: os Estados Unidos solicitaram ao Canadá consultas sobre a distribuição de cotas no setor de laticínios, enquanto o Canadá o fez perante a União Americana uma medida de salvaguarda em relação às células fotovoltaicas. Por sua vez, México e Canadá estabeleceram esse mesmo processo perante os Estados Unidos para a interpretação e aplicação das regras de origem no setor automotivo.

No caso do setor de energia, indica o sócio de Santamarina e Steta, os acordos podem não ser bem sucedidos, já que o governo mexicano sustenta que não há violação do Tratado nessa matéria, pois nem sequer foi incluído.


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Se não houver acordos nas consultas, será realizado um painel de resolução de disputas, no qual o México poderá receber uma série de sanções tarifárias dos governos dos Estados Unidos e do Canadá. Os impostos, acrescenta Machorro, podem ser colocados a pedido dos países afetados.

“Serão impostas tarifas às exportações mexicanas, nos setores em que os americanos decidirem. Eles fazem onde 'doer politicamente', ou seja, vamos ver tarifas na agricultura, assim como no setor manufatureiro, isso é perigoso, essa é a sanção que pode ocorrer”, aponta o sócio de Santamarina y Steta.

Mas isso seria apenas o começo de uma série de repercussões contra o México. Embora a possibilidade de ir a um painel de resolução de disputas traria sanções de Estado para Estado, há outra janela de efeitos que teria impacto no governo de López Obrador e até mesmo no próximo presidente mexicano.

O T-MEC também contempla instrumentos de “reivindicação” entre empresas ou pessoas físicas e os Estados. Em outras palavras, empresas e investidores norte-americanos ou canadenses poderiam entrar na justiça contra o governo mexicano, argumentando que as regras para garantir seus investimentos não foram cumpridas e, assim, solicitar o pagamento de uma indenização.

Esse processo, narra Machorro, levaria entre 3 ou 4 anos, então seria discutido no próximo governo.

Para De Uriarte, é difícil para as empresas entrarem com esse tipo de ação contra o Estado mexicano porque, além de extensas, as empresas estrangeiras tiveram sentenças favoráveis ​​recorrendo aos órgãos de justiça locais, sem precisar recorrer aos instrumentos do tratado entre os três países.

No entanto, o sócio de Mijares explica que a violação do T-MEC pelas mãos do governo mexicano dificultará a negociação de outros acordos comerciais que estão sendo realizados, como o de cooperação com o Reino Unido, que, com sua saída da União Europeia, deve ser reformulado.

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