As alternativas que surgem diante de financiamentos cada vez mais caros

O custo do dinheiro disparou em todo o mundo devido ao aumento das taxas de juros / Unsplash
O custo do dinheiro disparou em todo o mundo devido ao aumento das taxas de juros / Unsplash
A alta das taxas de juros trouxe consigo custos mais altos e escassez de recursos financeiros
Fecha de publicación: 16/11/2022

Quando os ânimos ainda estavam em alta devido ao bom ritmo de crescimento após a crise da COVID-19, a invasão russa da Ucrânia trouxe consigo novos sinais de preocupação, revivendo o velho espectro da inflação e o consequente aumento do custo do crédito, situação que terá um impacto maior em 2023 e que já começa a ser visto no desempenho da economia global.

Em relatório recente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta que o aumento das taxas de juros, como estratégia dos bancos centrais para controlar a inflação, desacelerou o ritmo de crescimento visto no primeiro semestre de 2022 e a tendência é continuar nos próximos meses, a ponto de as projeções para 2023 apontarem para um crescimento inferior ao deste ano.

A América Latina não ficará imune a esta realidade e o aumento do custo de financiamento devido ao aumento das taxas de juros é agravado pela crescente escassez de recursos, anteriormente disponíveis, devido ao fato de muitos desses capitais terem optado por aproveitar a segurança de investir em dívidas de países desenvolvidos, sem mencionar a alta vulnerabilidade da região diante dos altos e baixos da política econômica dos Estados Unidos.

No Chile, por exemplo, o Banco Central elevou no mês passado as taxas de juros em 50 pontos base para atingir 11,25%. Os analistas esperam que permaneçam nesses níveis até meados de 2023. Enquanto isso, desde 2021, o Banco do México tem aumentado as taxas até chegar a 7,75%, em linha com a subida nos EUA, dada a estreita relação com a economia desse país.

Algo semelhante é visto no restante da região e a perspectiva é que eles continuem subindo como alternativa para controlar a inflação, que fechará o ano em torno de 8%, segundo projeções do FMI, e se manterá em níveis mais ou menos elevados no primeiro semestre de 2023.


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Em primeiro lugar, acalme-se

O que significa tudo isso? As empresas deverão buscar alternativas de financiamento que viabilizem seus processos, algo que não necessariamente deve ser considerado uma desvantagem, pois testará a capacidade de resiliência e adaptação que, no final do caminho, se traduz em inovação. Esta é a opinião de especialistas consultados pela LexLatin por ocasião de seu sétimo aniversário; eles acreditam que, por mais duras que sejam as perspectivas, as empresas da região poderão enfrentar esse novo choque sem consequências graves.

Rodrigo Sepúlveda, sócio-diretor da firma chilena Cariola, Díez, Pérez-Cotapos, atua nessa perspectiva: sem ignorar as adversidades que estão surgindo, acredita que a capacidade de se ajustar às exigências dos financiadores, de acordo com as urgências da empresa, marcará o sucesso no momento de encontrar os recursos necessários.

“As condições atuais do mercado financeiro tendem a melhorar no segundo semestre de 2023 e, em um novo cenário mais benevolente, as possibilidades de refinanciamento ou renegociação da dívida obtida nas atuais condições menos favoráveis ​​também devem melhorar”, diz Sepúlveda, convencido de que aqueles que souberem resistir ao temporal sairão ilesos de uma nova tempestade.

Porque se algo parece certo, é que os tempos convulsivos continuarão por algum tempo. De fato, dada a subida global das taxas e a consequente diminuição da procura de crédito, não são poucos os analistas que consideram que a economia mundial está entrando  num ciclo de crescimento moderado com inflação elevada que poderá durar dois ou três anos, período em que, no entanto, se fortalecerá a capacidade das empresas e economias em geral de resistir às pressões inflacionárias.

Outros meios

Nesse sentido, Ángel Escalante Carpio, sócio-fundador da firma mexicana Escalante & Asociados, destaca que, em tempos de turbulência, é fundamental que as empresas acompanhem com mais atenção a questão da depreciação “que pode ser insuficiente”, a valorização e rotação de estoques e custo real de vendas.

“A revisão oportuna desses conceitos permite mitigar os riscos de que a informação financeira tenha um efeito inflacionário acentuado, que a distorça e não permita a tomada de decisões”, recomendações mais que válidas quando as opções de financiamento são remotas ou onerosas.

No entanto, enquanto as águas se acalmam, é preciso encontrar uma opção aqueles que permitem o funcionamento das empresas e da economia em geral. Pedro Said, sócio da área bancária e financeira da firma mexicana Basham, Ringe y Correa, aponta que diante da subida do crédito, existem outras alternativas, como recorrer à venda de bens, ao financiamento coletivo através da Bolsa (emissão de obrigações, papel comercial, ações, etc.) ou com algum mecanismo de crowdfunding.

"São processos mais complexos e às vezes a governança das empresas não é sólida o suficiente para dar conta dessas alternativas, porque no final das contas o financiamento sempre vai ser a preferência", diz o especialista, que lembra que a turbulência que abalou o mundo nos últimos anos — especialmente a pandemia — levou a novos canais para o setor financeiro e bancário, como a transformação para o mundo digital, que apresenta outras perspectivas na forma de concessão e obtenção de financiamento.

Com essa afirmação, Said traz à tona um tema que ainda tem pouco alcance na região latino-americana: tecnologia financeira ou fintech, estratégia que maximiza o alcance do financiamento ao mesmo tempo em que reduz seus custos, o que permite que mais empresas e pessoas possam acessar os serviços que possivelmente eram inatingíveis para eles, uma vez que utilizam outros canais diferentes dos  tradicionais bancários, como o PayPal, por exemplo.

Escalante Carpio aponta que uma alternativa inovadora e que abre uma janela se apresenta quando as empresas aplicam critérios ESG em seus processos, pois ficou comprovado que isso repercute não só na melhor valorização da empresa perante a comunidade local, nacional ou global, mas em muitas outras áreas importantes do negócio.


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A alternativa verde

As empresas estão cada vez mais conscientes de que a sustentabilidade não é apenas um objetivo dos Estados em relação ao meio ambiente, e assumem, do ponto de vista da responsabilidade social, a prevenção de riscos ou potenciais impactos adversos de suas operações sobre o meio ambiente. Atualmente, o foco de muitas empresas está no desenvolvimento de sistemas socioecológicos que transfiram um impacto positivo para as pessoas, comunidades e meio ambiente, e que sejam sustentáveis ​​no longo prazo.

Como bem aponta Rodrigo Sepúlveda, em seu sentido mais amplo, a sustentabilidade engloba políticas e padrões de gestão de riscos e efeitos ambientais, condições de trabalho, políticas de igualdade de gênero, diversidade, uso de recursos, conservação da biodiversidade, patrimônio cultural, incluindo até questões de governança, ética nos negócios e transparência tributária.

“É cada vez mais frequente que o ESG seja parte relevante nos processos de avaliação e conhecimento dos prestadores de serviço (conheça o seu cliente ou KYC), no acesso ao financiamento, definindo os seus termos e condições (covenants ou obrigações de fazer e não fazer), e seu preço”, esclarece o especialista da Cariola, Díez.

Um estudo recente da consultoria norte-americana Dun & Bradstreet revela que as empresas viram os benefícios transformadores da implementação de estratégias ESG levando a uma ampla gama de resultados positivos de negócios em toda a organização, com 75% dos entrevistados citando uma redução significativa de custos, enquanto 72% dizem que melhorou o desempenho de sua carteira de investimentos e 79% dizem que conseguem identificar novas oportunidades de crescimento mais rapidamente.

Isso significa que as empresas estão cada vez mais atentas não apenas aos negócios e à lucratividade, mas também aos riscos ambientais, sociais e de governança interna na tomada de decisões.

“E por que isso?  Porque já faz alguns anos que os maiores fundos e carteiras de investimentos do mundo começaram a adotar essas medidas para analisar, e não apenas o sucesso financeiro de um projeto”, destaca Gerson Vaca, especialista na área corporativa e de ESG na Basham, Ringe e Correia.

Ele também garante que a relação entre ESG e finanças é mais próxima do que se imagina, já que o setor financeiro global está dando um grande impulso à aplicação dessas práticas, oferecendo benefícios às empresas que decidem realizar alguma transformação para uma prática “verde”, não necessariamente relacionada ao seu core business, como a substituição de uma frota de veículos menos poluentes, por exemplo.

São abundantes os exemplos recentes de incentivos financeiros obtidos pela aplicação desses critérios. No Chile, o financiamento bancário concedido com base nos princípios do Sustainability Linked Loan Principles, publicado em maio de 2021 pela Loan Syndications and Trading Association (LSTA), composto pelo pelas principais entidades financeiras e investidores institucionais do mundo, tem permitido a importantes companhias acessar financiamentos em condições favoráveis, créditos com taxas de juros vinculadas aos indicadores ESG, ou a redução da taxa de juros do crédito, compensando e atribuindo um preço antecipado às emissões de carbono que serão evitadas mediante a substituição de fábricas de carbono por outras de energias renováveis. 

“É cada vez mais comum ver empresas chilenas que cumprem os parâmetros ESG, o que lhes permite obter financiamentos bancários no mercado financeiro, local e internacional, em condições mais favoráveis, e é cada vez mais comum que investidores institucionais participem de financiamentos ou subscrição de emissões de dívida somente de devedores ou emissores que cumprem os requisitos de integridade, meio ambiente e desenvolvimento”, aponta Rodrigo Sepúlveda.

Contudo, ainda que o grosso da implementação dessas práticas seja algo que até agora envolve majoritariamente grandes corporações, Ángel Escalante destaca que, sem dúvida, sua adoção constitui uma grande oportunidade para as pequenas e médias empresas, inclusive aquelas que pareciam estar à margem de sua área de influência, porque vê ali um nicho de oportunidade para que as empresas de consultoria ampliem seu raio de ação. Afinal de contas, é a saúde do planeta que está em jogo.

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