Quando os ânimos ainda estavam em alta devido ao bom ritmo de crescimento após a crise da COVID-19, a invasão russa da Ucrânia trouxe consigo novos sinais de preocupação, revivendo o velho espectro da inflação e o consequente aumento do custo do crédito, situação que terá um impacto maior em 2023 e que já começa a ser visto no desempenho da economia global.
Em relatório recente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta que o aumento das taxas de juros, como estratégia dos bancos centrais para controlar a inflação, desacelerou o ritmo de crescimento visto no primeiro semestre de 2022 e a tendência é continuar nos próximos meses, a ponto de as projeções para 2023 apontarem para um crescimento inferior ao deste ano.
A América Latina não ficará imune a esta realidade e o aumento do custo de financiamento devido ao aumento das taxas de juros é agravado pela crescente escassez de recursos, anteriormente disponíveis, devido ao fato de muitos desses capitais terem optado por aproveitar a segurança de investir em dívidas de países desenvolvidos, sem mencionar a alta vulnerabilidade da região diante dos altos e baixos da política econômica dos Estados Unidos.
No Chile, por exemplo, o Banco Central elevou no mês passado as taxas de juros em 50 pontos base para atingir 11,25%. Os analistas esperam que permaneçam nesses níveis até meados de 2023. Enquanto isso, desde 2021, o Banco do México tem aumentado as taxas até chegar a 7,75%, em linha com a subida nos EUA, dada a estreita relação com a economia desse país.
Algo semelhante é visto no restante da região e a perspectiva é que eles continuem subindo como alternativa para controlar a inflação, que fechará o ano em torno de 8%, segundo projeções do FMI, e se manterá em níveis mais ou menos elevados no primeiro semestre de 2023.
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Em primeiro lugar, acalme-se
O que significa tudo isso? As empresas deverão buscar alternativas de financiamento que viabilizem seus processos, algo que não necessariamente deve ser considerado uma desvantagem, pois testará a capacidade de resiliência e adaptação que, no final do caminho, se traduz em inovação. Esta é a opinião de especialistas consultados pela LexLatin por ocasião de seu sétimo aniversário; eles acreditam que, por mais duras que sejam as perspectivas, as empresas da região poderão enfrentar esse novo choque sem consequências graves.
Rodrigo Sepúlveda, sócio-diretor da firma chilena Cariola, Díez, Pérez-Cotapos, atua nessa perspectiva: sem ignorar as adversidades que estão surgindo, acredita que a capacidade de se ajustar às exigências dos financiadores, de acordo com as urgências da empresa, marcará o sucesso no momento de encontrar os recursos necessários.
“As condições atuais do mercado financeiro tendem a melhorar no segundo semestre de 2023 e, em um novo cenário mais benevolente, as possibilidades de refinanciamento ou renegociação da dívida obtida nas atuais condições menos favoráveis também devem melhorar”, diz Sepúlveda, convencido de que aqueles que souberem resistir ao temporal sairão ilesos de uma nova tempestade.
Porque se algo parece certo, é que os tempos convulsivos continuarão por algum tempo. De fato, dada a subida global das taxas e a consequente diminuição da procura de crédito, não são poucos os analistas que consideram que a economia mundial está entrando num ciclo de crescimento moderado com inflação elevada que poderá durar dois ou três anos, período em que, no entanto, se fortalecerá a capacidade das empresas e economias em geral de resistir às pressões inflacionárias.
Outros meios
Nesse sentido, Ángel Escalante Carpio, sócio-fundador da firma mexicana Escalante & Asociados, destaca que, em tempos de turbulência, é fundamental que as empresas acompanhem com mais atenção a questão da depreciação “que pode ser insuficiente”, a valorização e rotação de estoques e custo real de vendas.
“A revisão oportuna desses conceitos permite mitigar os riscos de que a informação financeira tenha um efeito inflacionário acentuado, que a distorça e não permita a tomada de decisões”, recomendações mais que válidas quando as opções de financiamento são remotas ou onerosas.
No entanto, enquanto as águas se acalmam, é preciso encontrar uma opção aqueles que permitem o funcionamento das empresas e da economia em geral. Pedro Said, sócio da área bancária e financeira da firma mexicana Basham, Ringe y Correa, aponta que diante da subida do crédito, existem outras alternativas, como recorrer à venda de bens, ao financiamento coletivo através da Bolsa (emissão de obrigações, papel comercial, ações, etc.) ou com algum mecanismo de crowdfunding.
"São processos mais complexos e às vezes a governança das empresas não é sólida o suficiente para dar conta dessas alternativas, porque no final das contas o financiamento sempre vai ser a preferência", diz o especialista, que lembra que a turbulência que abalou o mundo nos últimos anos — especialmente a pandemia — levou a novos canais para o setor financeiro e bancário, como a transformação para o mundo digital, que apresenta outras perspectivas na forma de concessão e obtenção de financiamento.
Com essa afirmação, Said traz à tona um tema que ainda tem pouco alcance na região latino-americana: tecnologia financeira ou fintech, estratégia que maximiza o alcance do financiamento ao mesmo tempo em que reduz seus custos, o que permite que mais empresas e pessoas possam acessar os serviços que possivelmente eram inatingíveis para eles, uma vez que utilizam outros canais diferentes dos tradicionais bancários, como o PayPal, por exemplo.
Escalante Carpio aponta que uma alternativa inovadora e que abre uma janela se apresenta quando as empresas aplicam critérios ESG em seus processos, pois ficou comprovado que isso repercute não só na melhor valorização da empresa perante a comunidade local, nacional ou global, mas em muitas outras áreas importantes do negócio.
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A alternativa verde
As empresas estão cada vez mais conscientes de que a sustentabilidade não é apenas um objetivo dos Estados em relação ao meio ambiente, e assumem, do ponto de vista da responsabilidade social, a prevenção de riscos ou potenciais impactos adversos de suas operações sobre o meio ambiente. Atualmente, o foco de muitas empresas está no desenvolvimento de sistemas socioecológicos que transfiram um impacto positivo para as pessoas, comunidades e meio ambiente, e que sejam sustentáveis no longo prazo.
Como bem aponta Rodrigo Sepúlveda, em seu sentido mais amplo, a sustentabilidade engloba políticas e padrões de gestão de riscos e efeitos ambientais, condições de trabalho, políticas de igualdade de gênero, diversidade, uso de recursos, conservação da biodiversidade, patrimônio cultural, incluindo até questões de governança, ética nos negócios e transparência tributária.
“É cada vez mais frequente que o ESG seja parte relevante nos processos de avaliação e conhecimento dos prestadores de serviço (conheça o seu cliente ou KYC), no acesso ao financiamento, definindo os seus termos e condições (covenants ou obrigações de fazer e não fazer), e seu preço”, esclarece o especialista da Cariola, Díez.
Um estudo recente da consultoria norte-americana Dun & Bradstreet revela que as empresas viram os benefícios transformadores da implementação de estratégias ESG levando a uma ampla gama de resultados positivos de negócios em toda a organização, com 75% dos entrevistados citando uma redução significativa de custos, enquanto 72% dizem que melhorou o desempenho de sua carteira de investimentos e 79% dizem que conseguem identificar novas oportunidades de crescimento mais rapidamente.
Isso significa que as empresas estão cada vez mais atentas não apenas aos negócios e à lucratividade, mas também aos riscos ambientais, sociais e de governança interna na tomada de decisões.
“E por que isso? Porque já faz alguns anos que os maiores fundos e carteiras de investimentos do mundo começaram a adotar essas medidas para analisar, e não apenas o sucesso financeiro de um projeto”, destaca Gerson Vaca, especialista na área corporativa e de ESG na Basham, Ringe e Correia.
Ele também garante que a relação entre ESG e finanças é mais próxima do que se imagina, já que o setor financeiro global está dando um grande impulso à aplicação dessas práticas, oferecendo benefícios às empresas que decidem realizar alguma transformação para uma prática “verde”, não necessariamente relacionada ao seu core business, como a substituição de uma frota de veículos menos poluentes, por exemplo.
São abundantes os exemplos recentes de incentivos financeiros obtidos pela aplicação desses critérios. No Chile, o financiamento bancário concedido com base nos princípios do Sustainability Linked Loan Principles, publicado em maio de 2021 pela Loan Syndications and Trading Association (LSTA), composto pelo pelas principais entidades financeiras e investidores institucionais do mundo, tem permitido a importantes companhias acessar financiamentos em condições favoráveis, créditos com taxas de juros vinculadas aos indicadores ESG, ou a redução da taxa de juros do crédito, compensando e atribuindo um preço antecipado às emissões de carbono que serão evitadas mediante a substituição de fábricas de carbono por outras de energias renováveis.
“É cada vez mais comum ver empresas chilenas que cumprem os parâmetros ESG, o que lhes permite obter financiamentos bancários no mercado financeiro, local e internacional, em condições mais favoráveis, e é cada vez mais comum que investidores institucionais participem de financiamentos ou subscrição de emissões de dívida somente de devedores ou emissores que cumprem os requisitos de integridade, meio ambiente e desenvolvimento”, aponta Rodrigo Sepúlveda.
Contudo, ainda que o grosso da implementação dessas práticas seja algo que até agora envolve majoritariamente grandes corporações, Ángel Escalante destaca que, sem dúvida, sua adoção constitui uma grande oportunidade para as pequenas e médias empresas, inclusive aquelas que pareciam estar à margem de sua área de influência, porque vê ali um nicho de oportunidade para que as empresas de consultoria ampliem seu raio de ação. Afinal de contas, é a saúde do planeta que está em jogo.
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