Para que o governo pudesse aumentar o benefício do Bolsa Família após a fase mais aguda da pandemia, a equipe econômica teria de arranjar alguma fonte de renda extra, sem ferir o teto de gastos. Nesta segunda-feira (20), a solução começou a valer como um aumento temporário do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
A partir de agora, até pelo menos o mês de dezembro, os tomadores de crédito terão de recolher taxas mais altas do imposto: o limite será de até 4,11% ao ano para pessoas físicas (antes, o limite era de 3%) e de 2,04% ao ano para pessoas jurídicas (ante 1,5% anteriormente).
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O impacto direto é visto desde operações simples, como importações e compras internacionais feitas com o cartão de crédito - onde incide o imposto - até as operações de empréstimos tomadas por grandes empresas para viabilizar suas operações.
A alteração para mais gerou ruído em Brasília - o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que a majoração ocorreu sem que o Congresso fosse consultado, e deputados chegaram a cogitar derrubar o aumento por meio de um decreto legislativo.
O aumento, feito “na canetada”, não é o primeiro efetuado por Bolsonaro em seu mandato, e é perfeitamente legal. “Se trata de uma exceção ao princípio da legalidade, previsto no artigo 153 da Constituição Federal”, lembra o tributarista Vinícius Pereira Veloso Teixeira, da banca Marcela Guimarães Sociedade de Advogados.
O presidente pode alterar, por decreto, outros impostos chamados de “extrafiscais”, como o caso do II (Imposto sobre Importação), IE (Imposto sobre Exportação) e o IPI (Impostos sobre Produtos Industrializados). Outras alterações podem ocorrer na CIDE, que incide em questões como combustíveis, por exemplo.
Foi o IOF, no entanto, o escolhido pela equipe econômica de Jair Bolsonaro para custear o impulso ao programa “Auxílio Brasil”, que é como deve se chamar o Bolsa Família a partir de agora. Com o aumento temporário do imposto, o governo espera arrecadar pouco mais de R$2 bilhões.
Ocorre que, em um momento de “estagflação”, quando estagnação econômica e inflação descontrolada atuam simultaneamente, mesmo um aumento de IOF pode gerar complicações na economia brasileira. Todos estes detalhes não passam despercebidos pelo governo federal, é claro. Mas, para o economista e professor de Finanças Empresariais do IBMEC, Paulo Azevedo, a ação manda dois sinais ao mercado.
O primeiro deles é esperado: com o crédito mais caro na praça, se indústrias e comércio precisarem tomar capital, estes agentes fatalmente irão repassar este sobrepreço aos seus produtos, o que, ao final das contas, poderá gerar inflação de preços.
O cenário mudaria se estas empresas pudessem esperar essa fase mais pesada passar. “Se a maior parte das empresas puder prorrogar ṕara tomar empréstimos em janeiro do ano que vem, caso a medida não mude, existe uma tendência de diminuir a inflação pelo desaquecimento da economia”, pondera. “Mas, se ela tomar, gera inflação.”
Paulo não considera que a proposta de arrecadar via IOF é uma forma lícita e uma das que menos onera a sociedade. O professor alerta, no entanto, que há soluções melhores que podem ser tomadas com mais coragem.
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“Pensando em justiça social, o imposto que seria mais adequado aumentar seria o Imposto de Renda ou a tributação da faixa mais rica da população”, aponta o professor, relembrando um debate cada vez mais frequente no país. “este tipo de medida é mais difícil de implementar, justamente porque as pessoas que e serão prejudicadas por esta medida são as que tem poder econômico e político para lutar contra.”
A médio prazo, mesmo esta proposta tem efeitos negativos, como a saída de fortunas do Brasil. Por isso, Paulo argumenta que a proposta do governo, hoje, não é exatamente ruim. “É uma medida que pode ter pontos positivos com mais gente tomando crédito e menos gente tomando crédito. Mais gente tomando crédito aumenta a arrecadação, e menos arrecadação desacelera a inflação”, conclui.
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