Blockchain na administração pública e aspectos legais

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Tecnologia já tem diversas aplicações em diferentes esferas no Brasil
Fecha de publicación: 05/03/2020
Etiquetas: blockchain

Imagine usar a tecnologia da blockchain para implementar soluções na administração pública que podem ajudar a criar uma gestão descentralizada, compartilhada dos serviços digitais e que possa reduzir a burocracia que reina nas autarquias e repartições de todo país.

Parece algo ainda distante do usuário, mas essa realidade já saiu do papel. Ainda que de forma tímida, já é possível ver algumas iniciativas que estão ajudando a agilizar atendimentos e baixar custos em várias frentes no Brasil.

No Brasil a blockchain já está sendo usada por órgãos dos governos federal, estadual e municipal.

Em Santa Cruz da Esperança, município de 2 mil habitantes no interior de São Paulo, o projeto conhecido como Moeda Verde ajuda na reciclagem de resíduos sólidos e trouxe desenvolvimento econômico e melhoria na saúde pública.

Funciona assim: a prefeitura administra o sistema e é preciso ter um celular com o aplicativo da moeda verde instalado. Os moradores separam alumínio, vidro, plástico e ferro e levam para a prefeitura. Lá, o responsável faz a pesagem e insere o crédito virtualmente.  O pagamento é feito com a Moeda Verde, que equivale ao real. Um quilo de alumínio gera R$ 13,50, papelão R$ 0,50, ferro e plástico R$ 1.

“A blockchain não é percebida pelo usuário do serviço, só o crédito”, explica Antonio Limongi França, co-fundador da Ecochain, responsável pela implantação da blockchain em Santa Cruz da Esperança.

O processo acontece de forma descentralizada, com smart contracts com o Ethereum, no padrão ERC20. “A blockchain garante a integridade da informação para o usuário e também para o gestor honesto. E tem a rastreabilidade dos débitos e créditos do sistema", afirma Limongi.

Incentivo à reciclagem

Para os moradores da cidade, os impactos foram imediatos. “A cidade era suja, tinha muito lixo espalhado. Hoje não se vê nada jogado na rua, porque as pessoas valorizam esses materiais, o que ajuda a evitar os impactos da dengue, por exemplo, e gera renda para as pessoas mais simples”, diz a funcionária pública Célia Cestari.

 

Outra ação governamental com o uso da blockchain acontece na Junta Comercial do Governo do Ceará (Jucec), no nordeste. A tecnologia incentiva o empreendedorismo para gerar emprego e renda. Os projetos facilitam a abertura de empresas no estado, como o Programa e.simples, que reduziu o prazo para formalização de novos negócios de 260 dias para 36 horas.

Junta Comercial do Ceará

“Eu vejo a tecnologia como uma necessidade, para que possamos dar eficiência à administração pública, que ainda é um ambiente burocrático. Quando utilizamos ferramentas com o potencial da blockchain oferecemos algo seguro. O Estado tem que se qualificar tecnologicamente e ver nessas ferramentas uma forma de melhorar os serviços e ter segurança jurídica”, analisa a presidente da Jucec, Carol Monteiro.

A Junta Comercial foi um dos primeiros órgãos públicos a utilizar a tecnologia para a segurança dos documentos arquivados, evitando fraudes. O banco de dados da entidade também está armazenado em nuvem e existe a possibilidade de que a blockchain seja implantada nos cartórios do estado e integre órgãos estaduais e instituições financeiras para facilitar procedimentos em breve.

Na esfera federal o BNDES tem o projeto BNDES Token. A tecnologia é empregada em duas frentes: o TruBudget e o BNDES Token. Desenvolvido em conjunto com o KfW, o banco de desenvolvimento alemão, que idealizou a ferramenta para suas operações na África, o TruBudget tem como objetivo aumentar a transparência do uso dos recursos do Fundo Amazônia.

Já o BNDES Token torna as operações do Banco mais transparentes pelo uso de um criptoativo – um crédito virtual, conversível em reais – em uma rede pública chamada Ethereum, permitindo que qualquer pessoa rastreie as transferências de recursos. “Mais do que transparênca, buscamos ir além, criando confiança”, afirmou Gladstone Arantes, analista de sistemas do BNDES.

Em Minas Gerais, a prefeitura de Belo Horizonte também usa a tecnologia para administrar o estacionamento rotativo da cidade para garantir a segurança do processo de comercialização dos créditos do rotativo digital.  

“O uso de Blockchain como ponto central do modelo do rotativo, além de trazer auditabilidade, segurança e confiabilidade, é uma nova fase de projetos que se abre, onde temos condições de usufruir as mais modernas tecnologias como abordagem para desafios tradicionais da gestão pública. Além disso, esta ação demonstra que é possível se trabalhar com tecnologias de ponta e inovação no setor público”, afirmou Leandro Garcia, presidente da Prodabel. 

“O modelo de negócios proposto interage e fomenta empresas de tecnologia, que criarão os aplicativos oficiais de distribuição de créditos por meio de chamamento público, além de permitir uma fiscalização mais eficiente”, explica Garcia.

Todas essas iniciativas e plataformas querem conectar órgãos públicos e pessoas de forma direta e eliminar intermediários, o que é a base do blockchain. O uso da tecnologia começa a ganhar cada vez mais adeptos e governos em todo mundo. O caso mais conhecido é da Estônia, no Leste Europeu, que aderiu à tecnologia e está desburocratizando seus sistemas.

Por lá, o governo já permite o e-residente, com direito à carteira de identidade digital e acesso remoto a diversos serviços públicos e privados. Inclusive é possível abrir uma empresa. Como o país faz parte da União Europeia, esse mecanismo pode ser importante para empresas e pessoas que queiram fazer negócio no Mercado Comum Europeu (MCE), com mais de 750 milhões de habitantes.

Esse é um dos locais que já utilizam esse sistema com relativo sucesso na automação de arquivos públicos e gestão de ferramentas que permitem ao governo e cidadãos eliminar intermediários e simplificar e tornar mais práticos os fluxos de gestão, criação, transmissão e conservação de dados.

As mudanças na forma de se organizar e se relacionar parecem óbvias e a economia também. Segundo especialistas ouvidos pela Lex Latin, a blockchain já tem ajudado a reduzir custos operacionais e despesas dos países que, como a Estônia, têm conseguido maximizar os ganhos dessa tecnologia.  

Oportunidades para o mundo jurídico

A blockchain ainda é uma novidade para muitos profissionais do Direito, mas a tecnologia começa aos poucos a se incorporar na rotina dos escritórios. Com relação a questões legais, principalmente na administração pública, seu uso pode ser eficiente para registrar um contrato e torná-lo imutável, ou ainda em questões de cybersegurança, propriedade intelectual, como comprovação de fatos ocorridos na internet e facilidade de compartilhamento de documentos entre os interessados.

E ainda tem os smart contracts, que fazem o processamento de dados por comandos pré-estabelecidos. Com isso, o contrato pode se auto-executar, de acordo com a vontade das partes do negócio.

Para Alina Miyake, advogada tributária do escritório Machado Meyer, o uso da mesma tecnologia de informações permite o registro descentralizado numa rede pública sem intermediários com alto grau de rastreabilidade. “Ela permite, por exemplo, que um ato administrativo passe por diversas instâncias, dispensando um fluxo que era usado anteriormente”, analisa.

“A blockchain não vai solucionar todos os problemas, ela é um facilitador para uma dinâmica de trabalho que já existe. Terá que ser regulada a forma que a informação será transmitida. Mas ao invés da comunicação ser feita por papel e email, será pela tecnologia, o que dará maior confiabilidade. Então você vai saber, por exemplo, o que ou quem está sendo o entrave dentro da cadeia administrativa”, afirma.

Carol Monteiro

“É preciso uma mudança do modelo mental. Olhar para essa quebra de paradigma da administração pública. O mundo legal precisa enfrentar essas mudanças, os novos modelos de negócios, a reformulação do modelo de trabalho. Toda essa tecnologia pode ajudar os profissionais liberais, como os advogados”, analisa a presidente da Jucec, Carol Monteiro.

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