Brasil, Peru e Guatemala: as nuances da corrupção

Ainda quando a Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Guatemala, México, Panamá e Peru, os oitos países objeto de estudo, se comprometeram diante de convenções internacionais a combater a corrupção, não destinaram os recursos suficientes, ou melhor, não tiveram vontade política para enfrentar o problema em termos reais.
Ainda quando a Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Guatemala, México, Panamá e Peru, os oitos países objeto de estudo, se comprometeram diante de convenções internacionais a combater a corrupção, não destinaram os recursos suficientes, ou melhor, não tiveram vontade política para enfrentar o problema em termos reais.
Novo estudo do Vance Center avalia os esforços legislativos e regulatórios de oito países da América Latina.
Fecha de publicación: 02/06/2021

A corrupção é um problema mundial, assim reconhece o escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, sigla em inglês). Este fenômeno, porém, se manifesta de diversas formas ao redor do mundo. Exemplo disso é que, de acordo com o índice de percepção da corrupção da Transparência Internacional, a Dinamarca seria o país menos corrupto do mundo com uma pontuação de 88 (de 100) e o Sudão do Sul o mais corrupto, com uma pontuação de 12.

 

A América Latina tem o Chile na posição 25, acima dos Estados Unidos, que ocupa a posição 26, e a Venezuela dentro dos cinco países pior classificados (15 pontos). Em um estudo recente, o Lawyers Council for Civil and Economic Rights, do Cyrus R. Vance Center, desenvolveu uma análise dos esforços legislativos e regulatórios baseado em uma metodologia de experiências: qualificou a atuação das autoridades, a solidez das legislações e sua implementação.

 

O estudo analisou oito países: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Guatemala, México, Panamá e Peru. Todos se comprometeram diante de convenções internacionais a combater a corrupção, mas o problema é que eles não destinaram os recursos suficientes, ou melhor, não tiveram vontade política para enfrentar o problema em termos reais.

 

Em relação ao índice de percepção de corrupção, dos países analisados, o Chile é o melhor classificado com uma média de 7,8 (de 10); seguido pela Argentina com 5,95 e o Peru com 5,86. Logo depois fica o Brasil, com 5,67; Colômbia com 5,60; México com 5,51 e o Panamá com 3,97. Dos oito países, a Guatemala, com uma qualificação de 3,89, obteve a pior classificação.

 

Brasil e o poder presidencial

 

A avaliação do Brasil foi abaixo de 5 pontos em implementação e autoridades, mas acima de 8 em termos de legislação. Nosso marco normativo é amplo, vastos protocolos de atuação para as autoridades são estabelecidos e outros mecanismos para prevenir, investigar e sancionar os atos de corrupção.

 

Luciana Tornovsky, que faz parte do Lawyers Council for Civil and Economic Rights e é sócia do Demarest Advogados, explica que há no país um ambiente predisposto ao desvio de recursos destinados à contratação pública, assim como a falta de controle sobre os investimentos do Governo Federal e falta de transparência sobre a renda pública. “O sistema geral de combate à corrupção no país perde força e, como consequência, aumenta o número de casos de desvio de dinheiro público”, afirma.

 

Segundo a análise, uma das oportunidades de melhoria para o Brasil é o tema da proteção presidencial e seus aliados políticos, “amplamente utilizado nos últimos anos”, como diz o estudo.

 

Um dos exemplos aconteceu em 13 de maio de 2020, quando o presidente Jair Bolsonaro emitiu a Medida Provisória nº 966/2020 para limitar a responsabilidade dos funcionários públicos em atos relacionados com a pandemia da Covid-19. A medida perdeu vigência quatro meses depois, em 10 de setembro de 2020.


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Tornovsky explica que isso não é uma prerrogativa do governo atual e tampouco algo exclusivo do Executivo. Para a advogada, a questão é mais profunda. “Além dos tipos de proteção previstos pela lei, temos os derivados de acordos assinados entre o Executivo, o Legislativo e inclusive com o poder Judiciário. Em um cenário em que se investiga grande parte do Congresso e, além disso, os filhos do presidente são investigados por práticas corruptas, nos parece claro que há um movimento silencioso em direção a debilitar a luta contra a corrupção”, explica a especialista e sócia do Demarest.

 

Luciana Tornovsky considera que fazem parte desta análise mudanças nas normas como a lei de abuso de autoridade, que limitou o poder dos juízes e fiscais, e a determinação que limitou o trabalho de investigação ou pôs fim a forças tarefa que investigavam a corrupção, como a que aconteceu com a Operação Lava Jato.

 

Segundo Todd Crider, também membro do Lawyers Council for Civil and Economic Rights e líder da prática latino-americana no Simpson Thacher, a deterioração do marco de anticorrupção do país era previsível com a chegada de Bolsonaro, que veio reforçando uma cultura de resistência contra a prestação de contas. “No Brasil existe maior força institucional, mas a liderança vai em direção contrária a utilizar os instrumentos do governo para castigar a corrupção”, comenta.

 

Na linha da Transparência Internacional, o estudo do Vance Center dá ênfase em reconhecer que as pessoas mais afetadas pela corrupção são populações vulneráveis ou pessoas em situação de pobreza. A respeito disso, Eloy Rizzo, sócio da área de compliance do Demarest, afirma que desde o início da pandemia as autoridades realizaram investigações sobre irregularidades nas compras públicas por conta da crise sanitária.

 

“A CGU estima uma perda potencial de US$ 24,3 milhões pelo desvio de fundos e informou que atuou em mais de 50 operações iniciadas conjuntamente com a Polícia Federal e os Ministérios Públicos (Federal e Estatal)”, detalha Rizzo e adiciona que o valor dos contratos e licitações sobre os convênios subscritos pelos estados e municípios para a compra de medicamentos e equipamento hospitalar sob análise supera os US$ 270 milhões. 

 

Peru diante das eleições

 

De acordo com o estudo do Vance Center, a força do país é sua legislação. No entanto, as autoridades responsáveis pela sua implementação foram qualificadas abaixo de 5 pontos.

 

Alberto Rebaza, membro do Lawyers Council for Civil and Economic Rights e sócio da firma peruana Rebaza, Alcázar & De Las Casas, comentou em entrevista para LexLatin que, apesar de ter um marco normativo sólido de luta anticorrupção, tanto para o setor público quanto para o privado, este poderia melhorar ao incrementar os incentivos e garantias dos denunciantes (whistleblowers).

 

Este ano, o Peru promulgou a Lei 31118 com o objetivo de modificar a imunidade parlamentar, ainda que a dita modificação tenha sido parcial. Rebaza explica que a principal mudança é que a Suprema Corte de Justiça será a instituição encarregada de aprovar a procedência das investigações contra congressistas por atos delituosos e não o próprio Legislativo, como vinha sendo. 

 

“Há bastante tempo a imunidade parlamentar, tal e como estava regulada, vinha sendo questionada. Foi utilizada como uma ferramenta para impedir, inclusive bloquear, investigações penais. Dita imunidade havia terminado por proteger parlamentares vinculados com a comissão de delitos graves. Tudo isso gerou um profundo descrédito da classe política peruana”, afirma Rebaza.

 

Todd Crider destaca que a falta de recursos para a investigação e fiscalização da corrupção no Peru são problemas de enorme alcance que, inclusive de existir um presidente ou líder focado em erradicar o problema, há uma falta de efetividade institucional.

 

“É necessário maiores recursos para colocar os fiscais a altura necessária para enfrentar os privados que buscam corromper, também dos funcionários públicos que buscam aproveitar suas posições para o bem pessoal indevido. No entanto, se conseguem tomar medidas de investigação efetivas, com valentes e atrevidos fiscais (que existem), as demoras do sistema judicial e o potencial de corrupção afetando as decisões aumentam o problema”, comenta Crider.

 

Diante das eleições presidenciais do próximo domingo, 6 de junho, entre Keiko Fujimori e Pedro Castillo, o sócio fundador do Rebaza, Alcázar & De Las Casas comenta que o Executivo eleito deverá atuar em conjunto com o Legislativo para fazer cumprir o marco normativo. “A vontade política é o pilar fundamental para o êxito de qualquer estratégia político criminal nesta matéria”, afirma. Desde outubro de 2019 o Peru não resolveu sua crise institucional.


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Guatemala sem esperança

 

Alfonso Carrillo, sócio fundador do Carrillo & Asociados, integrante na Guatemala da Lawyers Council for Civil and Economic Rights, explica o contexto com os fatores que impedem a administração da justiça na matéria: “Primeiro, há múltiplas disposições vigentes que estabelecem sanções leves para condutas delituosas, que têm a ver com a corrupção, mas que, em paralelo, ditas condutas também estão sancionadas de maneira severa”. Isto permite que os índices de corrupção se mantenham elevados.

 

Um segundo ponto importante é que é necessário investir na capacitação das figuras novas da matéria. Por último, o terceiro fator é que não há esperança de que os congressistas modifiquem as normas que são essenciais para desincentivar a corrupção ou para incentivar a confissão e colaboração de quem participou em atos de corrupção.

 

A Guatemala conta com a Lei Contra a Delinquência Organizada (2006) e com a Lei Contra a Corrupção (2012), ambas dotaram o Ministério Público de competências para atuar na luta anticorrupção. A Lei Contra a Delinquência Organizada foi revisada em 2009 com o que foi implementado melhorias em aspectos como a colaboração eficaz e a declaração por meios audiovisuais.

 

Por sua vez, as últimas reformas feitas à Lei Contra a Corrupção são parte do cumprimento pelo Estado da Guatemala com compromissos internacionais assinados em 2001, 2003 e 2005, pelos quais incorporaram figuras delituosas ao Código Penal.

 

“A lentidão do Ministério Público na gestão de alguns casos, sua questionada autonomia e independência, o bombardeio de ações para dilatar os processos judicializados e as decisões do Poder Judiciário, também questionadas, são alguns exemplos de obstáculos para a implementação das normas”, afirma Carrillo.

 

Jaime Chávez Alor, diretor de políticas para a América Latina do Vance Center, detalha que da análise se desprende que a Guatemala foca sua luta contra a corrupção desde um ponto de vista do sistema de justiça penal e, em termos gerais, o sistema não só enfrenta problemas para combater a corrupção, senão que não se percebe o panorama completo dos atos de corrupção.

 

“Houveram ações contra os fiscais e juízes especializados que cumprem seu trabalho, mas recebem muitos ataques por isso. É muito interessante o trabalho da Associação Guatemalteca de Juízes pela Integridade que está fazendo um grande esforço para fortalecer a independência institucional contra a corrupção. Lamentavelmente, é realizada de maneira isolada, sem apoio”.

 

Embora não haja uma política anticorrupção clara na Guatemala para os setores público ou privado, há esforços por parte das empresas para promover a implementação do ISO 37001 sobre ética empresarial.

 

América Latina e corrupção

 

De acordo com Jaime Chávez Alor, “embora o Chile seja o país melhor avaliado, não possui exatamente a melhor legislação. No entanto, o seu marco normativo é implementado pelas autoridades correspondentes”.

 

“As conclusões refletem uma contrariedade em muitos dos governos avaliados, embora tenham como bandeira o combate à corrupção, por exemplo, no caso do México, a realidade é diferente por falta de vontade política”, comenta o especialista.

 

É importante revisar as mudanças políticas ao redor do mapa continental, especialmente a incidência dos Estados Unidos com a nova administração do presidente Joe Biden. De acordo com Todd Crider, nos próximos anos espera-se ver uma maior atividade regulatória e anticorrupção no país norte-americano em relação a outros países.

 

“Enquanto a administração de Trump questionava as normas anticorrupção das empresas americanas no exterior, já que dizia que as colocava em desvantagem, acredito que Biden está alinhado com a posição histórica dos Estados Unidos de usar seu poder econômico, assim como a influência dos seus mercados, para contribuir a uma redução da corrupção e, por sua vez, impulsionar atividades de investigação”.

 

Para Crider, deve-se notar que no Brasil, México, Argentina e Guatemala a percepção é de que nos últimos anos eles regrediram. “Publicamos um relatório sobre a corrupção em tempos de Covid e a verdade é que devido às medidas excepcionais, sem as proteções e processos habituais, ao estar trancados em casa, a corrupção soube se aproveitar. Além da eleição de presidentes populistas e com pouco interesse real no fortalecimento de instituições efetivas e do Estado de Direito, a crise do coronavírus cortou a corrente favorável anticorrupção”, opina.

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