Brasil terá que explicar sua política ambiental na Cúpula do Clima

Ricardo Salles é criticado pela falta de ação no combate ao desmatamento e de enfraquecer instituições como o ICMBio e o Ibama/Christiano Antonucci – Secom – MT
Ricardo Salles é criticado pela falta de ação no combate ao desmatamento e de enfraquecer instituições como o ICMBio e o Ibama/Christiano Antonucci – Secom – MT
Além do desmatamento e da quantidade de incêndios florestais, incomoda também à comunidade internacional a postura de Ricardo Salles, o ministro do Meio Ambiente.
Fecha de publicación: 16/04/2021

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A semana promete uma missão nada agradável para o governo de Bolsonaro em matéria de política ambiental. O presidente se reunirá na quinta-feira (22) e sexta-feira (23) com os maiores líderes mundiais na Cúpula do Clima, que está sendo organizada pelo governo americano.

No encontro, Joe Biden vai receber 40 chefes de estado, entre eles Jair Bolsonaro. A promessa do Brasil é acabar com o desmatamento ilegal no país até 2030, além do comprometimento com a redução das emissões de gases. Mas a desconfiança do mundo com a política ambiental por aqui certamente fará com que Bolsonaro seja bastante pressionado, principalmente nas questões que envolvem a Amazônia.

No ano passado o desmatamento subiu para 11.100 km² no país, o maior desde 2008. Também em 2020 foram 222.800 focos de incêndio, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe, um dos mais altos do últimos anos. Além do desmatamento e da quantidade de incêndios florestais, incomoda também à comunidade internacional a postura de Ricardo Salles, o ministro do Meio Ambiente.

Ele é criticado pela falta de ação no combate ao desmatamento e de enfraquecer instituições como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Na semana passada um outro incidente aumentou ainda mais a insatisfação dentro e fora do país com o atual ministro. A Polícia Federal (PF) encaminhou para o Supremo Tribunal Federal (STF) e para o Ministério Público Federal (MPF) uma notícia-crime contra ele. O autor foi o superintendente da PF no Amazonas, Alexandre Saraiva, que tem sido fundamental nas investigações contra crimes ambientais na região do Amazonas. Alexandre acusa Salles de atuar favorecendo os investigados pela Operação Handroanthus GLO.

A Operação Handroanthus GLO foi realizada no final do ano passado e apreendeu aproximadamente 200 mil m³ de madeira em tora extraídas ilegalmente na divisa dos estados do Pará e do Amazonas. Além de Salles, o superintendente incriminou também o senador Telmário Mota e o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim.

No documento, Alexandre Saraiva aponta práticas dos crimes previstos no Artigo 69 da Lei nº 9605/98, Art. 321 do Código Penal e Artigo 2º, § 1º da Lei 12.850/2013. 

Ele cita que há fortes indícios de terem incorrido em “patrocinar, direta ou  indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário”, assim como de integrarem organização criminosa orquestrada por madeireiros alvos da Operação com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais de crimes de receptação qualificada e crimes ambientais com caráter transnacional.

Além disso, ele destaca que “o setor madeireiro iniciou a formação de parcerias com integrantes do Poder Executivo, podendo-se citar o Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e o parlamentar Telmário Mota (PROS), na intenção de causar obstáculos à investigação de crimes ambientais e de buscar patrocínio de interesses privados e ilegítimos perante à administração pública”.


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O professor Maurício Zanoide, de processo penal da Faculdade de Direito da USP, explica que isso não é uma acusação formal. É apenas uma comunicação, mas ainda é necessário todo um processo investigativo. 

Nesse caso, como existe envolvimento de congressistas e eles têm prerrogativa de foro, só quem pode processá-los é o STF. Ao final da investigação, o STF obrigatoriamente também tem que encaminhar o resultado das apurações para o procurador geral da República. O procurador também pode escolher não iniciar um processo criminal e decidir por arquivar o inquérito, por exemplo.

“Juridicamente falando, eu diria que esse é o primeiro passo para o início de uma - técnicamente falando - persecução penal. A persecução penal se divide em investigação e eventualmente, se for o caso, dependendo de como termina a investigação, ação ou processo criminal. Esse é o primeiro passo. Agora o Supremo vai decidir se instaura ou não a investigação e ela vai demandar um tempo e o fluxo vai seguir. Até uma ação penal existir, ser iniciada ou haver julgamento - com a pessoa condenada ou inocentada - o trajeto é longo”, afirmou Maurício. 

Ricardo Salles afirmou que “a acusação é absurda, sem fundamento” e que vai responder na forma da lei dentro do processo.

Na quarta-feira (14), Alexandre Saraiva foi demitido do comando da superintendência, substituído pelo delegado Leandro Almada. Saraiva afirma que não há como vincular sua saída com a denúncia de Salles, mas esse episódio aumentou ainda mais as pressões contra o ministro.

Ricardo Salles ficou conhecido pela frase dita na reunião ministerial de abril do ano passado, em que dizia para aproveitar que a mídia só está dando atenção para a Covid e assim “ir passando a boiada”, mudando as regras ambientais, simplificando normas. Durante a sua gestão no Ministério do Meio Ambiente, o Brasil tem enfrentado diversas situações que têm chamado a atenção do mundo, como o desastre ambiental de Brumadinho, o aumento do desmatamento na Amazônia, os incêndios no Pantanal e o vazamento de óleo que atingiu várias praias do Nordeste. 

“A lentidão em resolver problemas, das manchas de petróleo nas praias do Nordeste às queimadas na Amazônia, é reflexo do desmonte ambiental promovido pelo governo e mantém o Brasil no centro das atenções de descasos com o meio ambiente. Desde que assumiu a presidência, Bolsonaro iniciou um verdadeiro ataque ao meio ambiente, mirando especialmente a Amazônia e seus povos”, avalia o Greenpeace Brasil, em nota divulgada sobre a questão ambiental no país.


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Se há dez anos o Brasil era considerado uma liderança em termos de metas globais para o meio ambiente, a política ambiental do governo Bolsonaro destruiu essa posição, segundo entidades especializadas. A falta de políticas de proteção ao meio ambiente é alvo de críticas de diversos países no âmbito internacional.

Desde as eleições presidenciais dos Estados Unidos no ano passado, o então candidato Joe Biden já citava ações para a defesa da Amazônia, ameaçando o Brasil com sanções econômicas. 

Nas negociações do acordo entre a União Europeia e o Mercosul, o Parlamento Europeu pediu mudanças na agenda ambiental dos países do Mercosul para que o acordo seja ratificado. O texto do acordo dizia que há "extrema preocupação com a política ambiental de Jair Bolsonaro, que vai na contramão dos compromissos firmados no Acordo de Paris, em particular no que trata do combate ao aquecimento global e proteção da biodiversidade".

Em um encontro virtual agora em abril, o comissário da União Europeia para o Meio Ambiente, Oceanos e Pesca, Virginijus Sinkevicius, cobrou medidas do governo brasileiro para redução do desmatamento. 

Para o cientista político André Pereira César, em um momento como esse, às vésperas de uma reunião importante, o presidente Bolsonaro perdeu a oportunidade de punir Salles e tentar virar a página. “Ele seguiu linha com tudo o que ele fazia antes. Passou a mão na cabeça e pior, afasta o comandante da operação. Quer dizer, aumenta ainda mais a desconfiança com relação à política ambiental brasileira”, explica. 

“Depois dessa confusão toda envolvendo o Salles não seria totalmente absurdo que Bolsonaro simplesmente não participasse dessa reunião. Se acontecer isso, vai ser o fiasco final. E aí aguenta as consequências”, disse.

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