BREXIT: Uma fratura na sociedade britânica

BREXIT: Una fractura en la sociedad británica
BREXIT: Una fractura en la sociedad británica
Fecha de publicación: 07/07/2016
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O referendo que tem perplexos os mercados internacionais e a sociedade britânica não é juridicamente vinculante. Contudo, tem sido uma resposta inesperada, apesar de recorrente noutros cantos do mundo, a demagogia de um grupúsculo de políticos. Fica claro que o populismo é para todos, e que pode chegar incluso aos espaços onde a democracia é mais sólida.

Em 23 de junho de 2016, 72 % dos eleitores do Reino Unido votou sobre sua permanência (Brexin) ou retirada (Brexit) da União Europeia (UE). A participação, neste caso, foi menor à registrada noutras consultas similares como o foi o referendo por meio do qual os escoceses votaram para permanecer no Reino Unido em 2014 —precisamente para que não os tirassem da UE—, que contou com o voto do 84,59 % do eleitorado. O triunfo daquela eleição, por certo, assegurou a reeleição de David Cameron a Primeiro Ministro em 2015.

17.4 milhões de pessoas (51,9 %) votou a favor da saída do bloque europeu, enquanto que 16.1 milhões (48,1 %) queria permanecer na comunidade. Houve regiões que votaram majoritariamente a favor de permanecer na UE: Gibraltar com 95,9 %, Escócia com 62 %, Irlanda do Norte com 55 % e Londres com 60 %; mas na Inglaterra, 53,2 % preferiu a saída, e no País de Gales 51,5 % fez o mesmo.

Nícola Sturgeon, Primeira Ministra da Escócia, já se encontra fazendo campanha em Bruxelas para que seu país possa conseguir um lugar na UE, em caso de que se desprendam do Reino Unido via referendo. Edimburgo foi a região que votou com mais força a favor da permanência no bloque, suas 32 circunscrições queriam manter seu status atual.

Desenvolvimento econômico vs. soberania nacional

Aqueles que queriam permanecer na União Europeia se enfocavam principalmente na economia como pilar de sua campanha. Sair-se do bloque comunitário implicaria a renegociação de uns 100 tratados de comércio internacional.

Enquanto que quem queria a saída utilizaram como ponta de lança de sua campanha a imigração e a soberania nacional: anualmente ingressam ao Reino Unido umas 300 mil pessoas. Segundo cifras da Agência Nacional de Estatística, ao menos 188 mil imigrantes não procedem de países membros da UE, e uns 184 mil, sim. Adicionalmente, alegavam que o bloque europeu se intrometia em muitos aspectos das políticas públicas do país, perdendo assim autonomia para governar.

Os maiores decidiram o futuro dos jovens

A população sufragou com uma marcada diferenciação por idade. O grupo entre 18 a 21 anos apoiou em 71 % a permanência, e só 29 % votou pela saída; 54 % daqueles entre 25 a 49 anos preferiu o Brexin, e 46 % o Brexit. Mas os adultos maiores decidiram a votação: 40 % das pessoas entre 50 a 64 anos preferiam ficar, e 60 % ir-se; e só 36 % dos maiores de 65 anos queria permanecer no bloque, enquanto que 64 % optou por sair (cifras obtidas do portal YouGot, que mede a opinião pública e seu comportamento).

Tomando em conta que a expectativa de vida entre os ingleses é de 90 anos, YouGot estima que os adultos maiores que predominantemente desejavam sair-se da UE terão entre 16 a 31 anos para viver com as consequências de sua decisão; enquanto que os jovens afetados pelo voto passarão entre 52 a 69 anos sofrendo as consequências, a menos que no futuro se logre uma nova adesão ao bloque comunitário — ou que simplesmente não se ratifique.

Entre preferências ideológicas também houve grandes diferenças: 39 % dos conservadores votaram pelo Brexin frente a 61 % que o fez pelo Brexit; 65 % dos laboristas queria manter-se na comunidade, 35 % queria ir-se; 68 % dos democratas liberais apoiavam a permanência, 32 % a saída; só 5 % dos seguidores do partido eurófobo UKIP endossavam a estabilidade atual, 95 % preferia ir-se; enquanto que 80 % dos verdes ou ambientalistas queria ficar, contra 20 % que optou por ir-se.

Londres tem dois anos para abandonar o bloque, uma vez se convoque o contemplado no artigo 50 do Tratado de Lisboa. Se não lograr um acordo no referido período, a discussão pode se estender se e só se tiver um acordo unânime dos outros 27 países sócios.

Poderia o Reino Unido reintegrar-se à União Europeia no futuro?

Sim, o Reino Unido poderia ser reintegrado no bloque no futuro. “A essência mesma da União Europeia é a resolução dos problemas e a integração, esta última é tão importante ao extremo de que jamais se instituiu sobre a possibilidade de que algum dia um membro se retirasse. Foi apenas em 2009 quando se incluiu no Tratado de Lisboa o artigo 50, que estipula de forma vaga e ambígua, o processo de retiro e fim da adesão de um país membro. Uma situação jurídica e política nebulosa e sui generis“ estima Luís De Lion, advogado e especialista em Direito e Política Internacional.

 

O que implicará para os britânicos a saída da União Europeia

Em princípio perdem todos. A UE ainda não se recupera - igual que os Estados Unidos - da crise de 2008. A referida crise tem servido para fundamentar as ideias populistas, o vemos em Washington com a vertiginosa ascensão de Donald Trump, e com a decisão dos britânicos, que trás anos de intercâmbios, de interação, de desenvolvimento mútuo, livre comércio e livre circulação que trouxeram benefícios para ambos os lados hoje apoiam sua saída, adverte De Lion.

Com a saída de Londres, a UE ficaria com 65 milhões de habitantes menos: os britânicos reapresentam 13 % dos 508 milhões de habitantes da comunidade.

Trás a votação, Oxford Economics - empresa comercial adjunta à Universidade de Oxford -, atualizou seu prognóstico sobre o Reino Unido, no que prevê um crescimento do PIB de 1,8 % este ano e de 1,4 % em 2017 e 2018. As previsões anteriores à votação mostravam uma taxa de 1.8 %, 2.3 % e 2.2 %, respectivamente.

“Seja qual for a solução comercial que se adote terá um impacto estrutural ao longo prazo nas economias do Reino Unido e da União Europeia. Londres é a segunda maior economia do bloque e quase a metade de todo seu investimento no estrangeiro procede da UE, ao igual que uma proporção similar de suas rendas por exportações. Como tal, as decisões de investimento e negócios se verão afetadas tanto no curto como no longo prazo“, adverte a análise econômica.

Para Oxford Economics, existem certos cenários com o Brexit que poderiam impor custos significantes aos cidadãos do Reino Unido e às empresas nacionais. Como pior cenário, os resultados implicariam uma perda de renda per cápita de £ 1.000 (USD 1.306) para 2030. Enquanto que no melhor dos casos, o cenário do instituto acadêmico adverte que haveria um pequeno aumento na renda per cápita de £ 40 (USD 52,1) para o ano 2030.

As implicações econômicas de Brexit são muito mais importantes para o Reino Unido que para o resto do mundo. O impacto no resto da UE é muito modesto, mas a Irlanda seria o Estado membro mais vulnerável, por seus fortes laços comerciais e de investimento com Londres.

O PIB real na Irlanda cai até 2,2 % no pior dos casos. Dublim seria particularmente vulnerável a Londres de não assinar um acordo comercial preferencial, enfatiza Oxford Economics.

Sobre o efeito geral no bloque, a UE teria uma queda em sua produção do 17 %: Reino Unido aporta atualmente € 2,6 bilhões (USD 3,38 bilhões) da produção econômica do bloque, a qual se posiciona em € 14,2 bilhões (USD 18,48 bilhões).

Enquanto que para a América Latina, o comércio britânico é limitado. A Colômbia é o país que mais depende das compras britânicas, representando 2,5 % das exportações colombianas, 1,7 % das exportações brasileiras e 1 % das mexicanas.

Na Colômbia reapresenta o segundo investimento estrangeiro mais importante (USD 6 bilhões nos últimos 8 anos). No Peru representou 18 % do investimento estrangeiro em 2014.

No político, a liderança no Reino Unido se encontra descomposta. Cameron anunciou sua saída do Governo antes de outubro, com o objetivo de que um novo premier realize as negociações sobre a saída com a comunidade europeia. Paradoxalmente, quem foram os principais promotores do Brexit: Nigel Farage, ex-líder do partido UKIP e Boris Johnson, ex-prefeito de Londres pelo Partido Conservador, têm descartado sua intenção de assumir o referido papel (o de Primeiro Ministro).

 

Uma medida reversível, porém, com um custo político

Logo de conhecer-se os resultados do referendo, mais de 3 milhões de britânicos assinaram uma petição para realizar uma nova consulta. A petição supera em muito as 100 mil firmas necessárias para que a Câmara dos Comuns considere a petição no Parlamento Britânico.

“São muitos os deputados no Parlamento que querem promover o debate que desconheça a aplicação do referendo e em consequência procurar a suspensão da invocação do art. 50 do Tratado de Lisboa. Mas o custo político é muito alto e vista a enorme crise partidária atual, não parece impossível, mas sim uma subida empinada desconhecer a votação," explica De Lion.

Em aumento os crimes de ódio

Logo de conhecer-se o resultado do Brexit, tem se registrado um aumento de 57 % nos crimes de ódio no Reino Unido.

“Apesar de que a sociedade britânica é uma das mais multiculturais e multiétnicas que o mundo conheça, os populistas e demagogos como Farage e Boris Johnson foram procurar, exaltar e dar tribuna a esse sentimento baixo e escuro, e muito mal-entendido nestes tempos de comunicação em vivo“, estima o especialista em política internacional, ao tempo que adverte que os referidos argumentos têm sido muito utilizados em campanhas eleitorais na Europa.

Crescerá o eurocepticismo?

Embora muito tem se falado de que os britânicos são fundamentalmente eurocépticos, não é algo exclusivo. Também o vivem em grande medida a Áustria, Eslováquia e Holanda.

“O eurocepticismo começou a fazer-se palpável nos anos 90. No presente, na França e na Itália tem subido muito o eurocepticismo na opinião pública, mas ainda não alcança os níveis de eurofobia. No pessoal, visto o descalabro financeiro e político que provocou o Brexit nas primeiras horas, não creio no chamado efeito dominó“, sentencia o analista.

 

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