Briga entre poderes pode levar a um novo golpe militar no Brasil?

Para cientistas políticos, a tática do governo Bolsonaro é insuflar o medo de quem está envolvido no processo de defesa da democracia/ Marcos Corrêa/PR
Para cientistas políticos, a tática do governo Bolsonaro é insuflar o medo de quem está envolvido no processo de defesa da democracia/ Marcos Corrêa/PR
Especialistas avaliam os impactos do embate entre Bolsonaro e o TSE, Senado e Forças Armadas – uma das mais graves crises da atual administração.  
Fecha de publicación: 11/07/2021

A semana começa imprevisível em relação à crise política e entre os poderes no ambiente do atual governo de Jair Bolsonaro, em meio ao “barril de pólvora” instaurado pelo aumento de tensão nos últimos dias. Na última sexta-feira (9) Bolsonaro chamou de “imbecil” o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Luís Roberto Barroso, que não apoia o voto impresso, defendido pelo mandatário da nação.

A situação esquentou ainda mais depois de suas afirmações de que as eleições de 2022 podem não acontecer, caso o voto impresso não seja aprovado. Bolsonaro ainda acusou o TSE de apoiar fraudes nas eleições. "A fraude está no TSE, para não ter dúvida. Isso foi feito em 2014", afirmou. "Não tenho medo de eleições. Entrego a faixa para quem ganhar no voto auditável e confiável. Dessa forma, corremos o risco de não termos eleições no ano que vem", disse na entrada do Palácio Alvorada, em Brasília, em tom de ameaça.


Inscreva-se no Debate LexLatin “Marketing jurídico: Os desafios do novo Provimento da OAB“, no dia 27 de julho às 10h, horário de Brasília.


O ministro Barroso respondeu às declarações. “Eleição vai haver, eu garanto”, afirmou. Logo depois, o senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado e do Congresso Nacional, fez uma defesa das eleições livres, direito de manifestação de políticos do Legislativo e principalmente da manutenção da democracia.

“Nós não admitiremos especulações em relação à frustração das eleições de 2022. É algo que o Congresso repudia, evidentemente. Isso não decorre da vontade do presidente do Senado, ou da Câmara, da República, ou do Tribunal Superior Eleitoral”, afirmou em entrevista coletiva na tarde de sexta-feira.

“Isso advém da Constituição, à qual devemos obediência. Ela impõe eleições periódicas, o sufrágio universal e o voto direto e secreto como a expressão mais pura da soberania popular. É o povo que manda no Brasil, e manda sobretudo através das eleições em que possa escolher seus representantes. As eleições são uma realidade da democracia brasileira. São inegociáveis”, disse. A declaração recebeu apoio de vários partidos, inclusive dos que fazem parte da base aliada de Bolsonaro.

A crise entre os três poderes começou na última quarta-feira (7) durante a CPI da Covid no Senado, criada para apurar irregularidades na gestão da pandemia pelo governo federal. O presidente da comissão, o senador Omar Aziz, disse que um suposto esquema de propina para compra de vacinas teve participação de militares da Forças Armadas.

“Olha, eu vou dizer uma coisa, as Forças Armadas... os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia, porque fazia muito tempo, fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo, fazia muitos anos", declarou Aziz numa espécie de indireta ao ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e seus auxiliares militares, acusados de superfaturamento na compra de vacinas contra a Covid-19, o que ainda não foi provado.

A fala provocou uma resposta conjunta dos comandantes das Forças Armadas. "Essa narrativa, afastada dos fatos, atinge as Forças Armadas de forma vil e leviana, tratando-se de uma acusação grave, infundada e, sobretudo, irresponsável", afirmou a nota de marinha, exército e aeronáutica.

Os fatos divulgados na CPI da Covid até agora têm abalado como nunca a imagem de Bolsonaro. Última pesquisa do Datafolha mostra que o atual presidente perde para Lula, Ciro e Doria num possível 2º turno das eleições presidenciais no ano que vem.  

A reprovação de Bolsonaro chegou a 51%, com os que consideram o governo dele ruim ou péssimo. Quem acha a administração do atual presidente ótima ou boa fica na casa dos 24%.

Bolsonaro diz que conta com o apoio das Forças Armadas, principalmente na defesa do voto impresso, algo que passa pelo Legislativo, de acordo com a Constituição. Desde o início do mandato, o presidente já participou de várias manifestações, pedindo a intervenção militar no país, o fechamento do Congresso Nacional e do STF, além de tentar interferir na Polícia Federal para proteger familiares, especialmente seus filhos. 

Escalada de tensões

Diante desses fatos, LexLatin foi ouvir cientistas políticos para analisar se realmente há a possibilidade de uma escalada de tensões entre os poderes que possa levar a um golpe militar no país.  De maneira geral, os especialistas consideram que existe essa possibilidade, mas que, num primeiro momento, a instalação de um regime antidemocrático é pouco provável.

Eles avaliam que a sociedade brasileira é mais complexa do que em 1964. Na época, existia um consenso em torno de um inimigo comum, o comunismo, que mobilizava muita gente, além do apoio da igreja, dos movimentos religiosos e até lideranças políticas relacionadas à democracia. Para eles, hoje falta consenso da sociedade brasileira - algo necessário para a instalação de um golpe - com implicações que seriam bem negativas para o país.


Outras reportagens sobre governo Bolsonaro: De volta aos tempos da ditadura: civis podem ser julgados pela Justiça Militar?


Para André Pereira César, cientista político da Hold Assessoria, a tática do governo Bolsonaro é insuflar o medo de quem está envolvido no processo. “De um lado, pressionar a Justiça Eleitoral e também o Supremo. Do outro, chamar para o jogo os seus aliados mais fiéis, esses 20% da população que são os bolsonaristas raiz. Não tem embasamento político e jurídico algum”, avalia.

Ele explica que, no campo político, os partidos da base, principalmente o chamado centrão começa a sinalizar que pode desembarcar da base de apoio. “Um exemplo claro é a questão do voto impresso, que 11 partidos do centrão, inclusive o PSD do Kassab e o PL do Marcelo Ramos e Valdemar Costa Neto assinaram um documento contrário a essa questão. Então no plano político ele perde força”, afirma.

O cientista político defende que no plano jurídico tanto o Supremo quanto o TSE estão blindados para evitar qualquer tipo de manobra que atente contra a democracia. “Podemos chamar de tática de desespero do atual governo, porque tem muitas histórias acontecendo, como a possibilidade de uma gravação em que Bolsonaro poderá ser incriminado. O que circula por aqui em Brasília é que a gravação dos irmãos Miranda está aí. Seriam 50 minutos em que Bolsonaro citaria, além do Ricardo Barros, mais duas lideranças importantes”, diz.

Em depoimento à CPI, o deputado federal Luís Miranda disse que ele e o irmão informaram a Bolsonaro suspeitas de fraude na negociação da vacina Covaxin. O presidente teria obrigação legal de acionar as autoridades para investigar o fato, mas não o fez. Isso pode configurar crime de prevaricação. Além disso, a denúncia não foi desmentida pelo chefe do Executivo.

Presidencialismo de confrontação

Rodrigo Prando, cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, explica que desde Maquiavel, em “O Príncipe”, a essência da política consiste em conquistar o poder e, depois, manter o poder. “Bolsonaro imprimiu um estilo que chamei de presidencialismo de confrontação. Ele e os bolsonaristas atacam a política, as instituições e os valores republicanos e da democracia. Com o advento da pandemia, ao invés da ponderação, ele decidiu dobrar a aposta, ou seja, atuou no campo do negacionismo, das fake news, da pós-verdade e das teorias da conspiração. E isso nos levou a uma das piores situações no mundo no que tange ao cenário pandêmico”, diz.

Prando avalia que a CPI no Senado tem, ao longo do tempo, promovido um desgaste na imagem do governo. “Há manifestações nas ruas e, na última semana, fortes indícios de corrupção na negociação das vacinas. Essa conjugação de fatores somados à presença de Lula para 2022 tem atordoado Bolsonaro e os bolsonaristas, especialmente em relação à perspectiva de manter o poder político sendo reeleito. Desta forma, desde 2018 há uma narrativa por parte de Bolsonaro de que a eleição da qual saiu vitorioso foi fraudada. Disse possuir provas sobre o fato e nunca as apresentou. Assim como Trump, nos EUA, Bolsonaro já coloca em xeque a legitimidade do sistema eleitoral brasileiro e, no limite, a legitimidade da própria democracia”, analisa.

O cientista político acredita que as eleições de 2022 serão o maior teste em relação à resiliência das instituições e da própria democracia brasileira. “Apenas um resultado interessa Bolsonaro: sua vitória. Contudo, a persistir esta trajetória, suas condições objetivas de se reeleger ficam cada vez mais difíceis”, avalia.


Veja mais análises de LexLatin: O decreto do governo Bolsonaro que pretende proibir redes sociais de apagar conteúdos

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.