Caos no governo faz STF assumir protagonismo de questões fundamentais para o país

Dois mil indígenas assistem sessão do STF em telão montado na Praça dos Três Poderes/Guilherme Mendes
Dois mil indígenas assistem sessão do STF em telão montado na Praça dos Três Poderes/Guilherme Mendes
Discussões que destravam agenda de desenvolvimento e garantem direitos fundamentais acabam indo parar no Supremo por falta de vontade política de Executivo e Legislativo.
Fecha de publicación: 26/08/2021

São 5 da tarde de uma quinta-feira de agosto em Brasília e, como era de se esperar destas quintas-feiras de agosto, um calor insuportável ecoa por todo o concreto da cidade. Não faz os 31 graus que o termômetro diz - faz mais - e a umidade baixa torna o ar um tanto quanto desértico. Mas eles estão aqui, alguns de chinelos, outros balançando chocalhos, entoando palavras de ordem em línguas próprias, ou mesmo em português. À sua esquerda, o Congresso Nacional e à frente, seu destino - o Supremo Tribunal Federal.

Estes dois mil indígenas fazem parte de uma das mais maciças mobilizações na capital federal desde o início da pandemia. O julgamento, assim como a multidão que parou na porta da Suprema Corte para assisti-lo, mostra como o órgão máximo do Judiciário está sob a mais intensa pressão popular e política desde a redemocratização. 


Assuntos relacionados: Estamos próximos de um golpe militar no Brasil?


Os chamados povos originários vieram para Brasília com o objetivo de pressionar o STF (Supremo Tribunal Federal), que se comprometeu a decidir a partir desta semana o RE 1.017.365, que analisa a possibilidade de reintegração de posse de terras indígenas e discute, de maneira ampla, o marco temporal para considerar a ocupação indígena daquelas terras. Também estava na pauta dos indígenas a pressão sobre a Câmara, que busca promover mudanças profundas no Estatuto do Índio pelo PL 490/2007. 

No caso do Judiciário, o STF se comprometeu a julgar a causa - mas buscou de tudo para amainar os ânimos. Primeiro, dedicou quase dois dias inteiros a julgar um outro caso - sobre a constitucionalidade da Lei Complementar 179/2021, que definiu a autonomia do Banco Central. Apenas às 17h30 desta quinta-feira (26), com este caso concluído, o ministro Luiz Fux chamou o caso das terras indígenas a julgamento. 

Mas por conta do tamanho da proposta - que terá 39 sustentações orais antes do voto do relator - o presidente optou por encerrar a sessão e retomar o julgamento em 1º de setembro. A expectativa é que a discussão domine os trabalhos da Corte durante a primeira quinzena do mês.

A discussão é o leading case do tema 1031 da Corte, que trata de definir as relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena. O caso envolve uma discussão entre povos Xokleng, do estado de Santa Catarina, e o governo do estado. Como o tema emperra o julgamento de 82 outros casos iguais, indígenas de todo o país vieram à capital federal engrossar o coro da manifestação.

“Estou aqui porque somos contra o marco temporal, que está ameaçando a existência do nosso povo”, disse em língua Kayapó uma cacique do povo Mebêngôkre, que vive em terras nos estados do Pará e do Mato Grosso. “[O marco temporal] ameaça a existência do povo indígena. Não aceito soja na minha terra, que eu vim defender. Eu vim defender a minha terra e o meu direito.”

Teste de estresse

Os milhares de povos originários que estão na capital mobilizaram, ainda na noite de segunda-feira (23), a segurança do STF. A presença de pessoas em sua porta, ainda que de maneira pacífica, serviu como um termômetro para as manifestações planejadas em apoio ao presidente Jair Bolsonaro, em sete de setembro.


Veja também: Gustavo Loyola: "Péssima conduta do governo e do presidente na pandemia gera dificuldades na área econômica"


Estas sim se desenham, até o momento, como um momento definidor da Corte: na pauta dos manifestantes está a deposição de ministros do STF e alguns pedem inclusive o fechamento da Corte. Os pedidos, em sua natureza antidemocráticos, são em apoio ao presidente Jair Bolsonaro, que promove há meses uma ofensiva contra o Supremo.

O cientista político André Pereira Cesar indica que o momento atual é de poderes desregulados: com o Executivo incapaz de gerar uma agenda conciliatória e de resolver as demandas sociais, caberia ao Parlamento esta missão. Senado e Câmara, sem o protagonismo de outrora, então passam a ver as pressões desaguarem no Supremo Tribunal Federal, sede do Judiciário.

O analista indica que a pressão que a Corte recebeu nesta semana - e aquela esperada para daqui doze dias - indicam sinais negativos da saúde democrática. “Você ter esta coisa da população olhando o Supremo e querendo ameaçar e invadir no 7 de setembro é algo completamente nocivo à democracia - algo que era bom, de se jogar luzes sobre o Judiciário - agora passa a ser pressão”, pontua. 

Banco Central é autônomo, decide Corte

Mais cedo, antes do início do julgamento sobre o marco temporal indígena, o STF concluiu a votação sobre a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 6.696, sobre a autonomia do Banco Central. O relator do caso, Ricardo Lewandowski, leu seu voto, já apresentado em Plenário Virtual, para considerar que havia sim vício de iniciativa na proposta que se converteu na Lei Complementar 179. Lewandowski interpretou que a competência seria exclusiva do presidente da República.

Dois ministros leram seus votos de forma adiantada: Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso abriram divergência e consideraram a Lei Complementar Constitucional. Barroso alegou que, ainda que fosse competência privativa de Jair Bolsonaro, ele mesmo enviou proposta semelhante no mesmo período. 

“O PL aprovado é substancialmente semelhante ao que foi enviado pelo presidente da República e tinha a mesma finalidade”, escreveu Barroso em seu voto. “Ambas situavam a concessão de maior independência ao BC como uma mudança relevante para garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar da sociedade, com vistas à sustentabilidade em longo prazo da economia brasileira.” 

Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Edson Fachin se manifestaram pela tese proposta por Luís Roberto Barroso. A ministra Rosa Weber foi a única a seguir o voto de Lewandowski. Por conta da aposentadoria de Marco Aurélio Mello, a Corte julga com 10 ministros.


Veja também: Tentativa de intimidação de Bolsonaro isola ainda mais governo

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.