Com CPI da Covid perto do fim, senadores tentam enquadrar Bolsonaro até fora do país

Senadores que lideram a comissão já discutem abertamente a possibilidade de acionar o Tribunal Penal Internacional/Pedro França/Agência Senado
Senadores que lideram a comissão já discutem abertamente a possibilidade de acionar o Tribunal Penal Internacional/Pedro França/Agência Senado
Parlamentares especulam mudar lei de impeachment e levar Bolsonaro para ser julgado no Tribunal de Haia
Fecha de publicación: 16/09/2021

Desde sua reunião de instalação, em 27 de abril, e desde quando o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta deu o primeiro depoimento em 4 de maio, a CPI da Covid se tornou, por alguns momentos, o reality show favorito do brasileiro: senadores passaram a ganhar destaque e influência digital, discursos rapidamente viralizaram e nomes então desconhecidos ou pouco aparentes na política nacional passaram a ganhar destaque imediato.

O objetivo da CPI era, desde o início, apurar ações e omissões do governo federal durante a pandemia, que já matou quase 590 mil brasileiros. Agora, com os trabalhos da comissão chegando ao fim, os senadores estão convencidos de que houve uma gestão criminosa de responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro, e planejam ações tanto dentro do país quanto fora da jurisdição dos tribunais brasileiros.

De acordo com alguns senadores que integram a CPI, o relatório final deve ser votado até o final do mês pela comissão, composta de 11 membros. 

No texto final, redigido pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), estará o resumo de quase cinco meses de investigação e mais de dois mil arquivos recebidos, que apontam para uma atuação direta do presidente Jair Bolsonaro em diversos momentos da pandemia, assim como um esquema de corrupção na compra de vacinas que envolveu membros do Ministério da Saúde e o líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR).

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Renan indicou que levará o texto ao TCU (Tribunal de Contas da União) e para a PGR (Procuradoria-Geral da República). A primeira poderá tomar decisões no âmbito da aprovação das contas do governo no combate à Covid. Já a PGR poderá, se considerar cabível, encaminhar denúncia ao STF (Supremo Tribunal Federal). Para que esta denúncia seja aceita pela corte, o Plenário da Câmara precisa autorizar seu envio.

A mais ousada das ações, no entanto, deve ocorrer do outro lado do oceano: enviar o relatório final da comissão para o TPI (Tribunal Penal Internacional), com sede na cidade de Haia, nos Países Baixos. O tribunal, sob controle da ONU (Organização das Nações Unidas), julga crimes de guerra e contra a humanidade. Ao portal “Congresso em Foco”, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) indicou que os parlamentares enviarão o relatório aos procuradores do tribunal.

Seriam, segundo Eliziane, dois os fatos que dariam lastro à denúncia: a crise ocorrida no início do ano em Manaus - quando a falta de gás oxigênio causou o colapso do sistema de saúde local causou um aumento exponencial no número de mortes na cidade - e a falta de políticas públicas para os povos indígenas, pelo qual o governo chegou a ser cobrado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

A constitucionalista Vera Chemim explica que, mesmo fora da estrutura do Judiciário, o TPI tem poderes específicos.  “Aquele tribunal detém a competência para a responsabilização de pessoas que cometem crimes enquadrados juridicamente como internacionais, isto é, previstos em tratados e convenções ratificados pelos países que são denominados Estados-partes”, resume Vera. “A apresentação de uma denúncia dessa natureza deverá ser feita por cidadãos (neste caso, os parlamentares), uma vez que se trata do Chefe de Estado e de Governo, o que impossibilita uma denúncia de natureza institucional, por razões óbvias.”


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Nesta quinta-feira, Randolfe Rodrigues voltou a indicar que este será o caso. “A partir da análise fria dos fatos que ocorreram no âmbito desta CPI, até então, senador Omar, nós imaginávamos que o único aspecto de crime de lesa-humanidade que tinha ocorrido era o que tinha acontecido na vossa cidade de Manaus. Esse já está caracterizado. Esse, inclusive, levará os responsáveis ao Tribunal Penal Internacional”, disse o vice-presidente da comissão. 

Renan Calheiros, o relator da comissão, falou em um tom semelhante. “Nós não vamos, incoerentemente, querer atribuir um número máximo de crimes apenas para penalizar as pessoas publicamente. Nós queremos fazer escolhas acertadas, para que esse relatório tenha uma consequência rápida na Procuradoria-Geral da República e também no Tribunal Penal Internacional”, concluiu. 

A professora de direito internacional e comparado da USP, Maristela Basso, lembra que já há denúncias abertas contra Bolsonaro não apenas no TPI como na Corte Interamericana de Direitos Humanos, ambos com base em crimes contra a humanidade e graves violações de direitos humanos. Com a nova denúncia e com o parecer de juristas, os senadores podem ingressar com uma nova ação. 

“É possível, inclusive, que os parlamentares, na denúncia encaminhada à Corte Interamericana, requeiram uma medida cautelar (de urgência) com vistas a afastar o Presidente Bolsonaro do exercício do poder até que a Corte Interamericana decida sob a responsabilidade criminal do Presidente”, analisa a professora. “Nesta hipótese, mesmo que o Presidente não cumpra a decisão liminar da Corte, criará uma situação difícil tanto em nível doméstico quanto internacional por descumprimento de decisão da Corte, cuja jurisdição brasileira reconhece.” 


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Maristela aponta que, com alto efeito político e midiático, uma denúncia internacional seria o problema mais sério a ser enfrentado pelo presidente. Questionada se a escolha de uma saída internacional representaria a falha dos modelos de resolução brasileiros, a professora disse que não seria o caso.“ Os procedimentos internos e internacionais não são excludentes. Se somam e se completam”, concluiu.

Vera também disse acreditar que os documentos coletados pela CPI são materiais suficientes para que Haia aceite a denúncia. “Partindo do pressuposto de que as provas colhidas até agora constituam fortes indícios de autoria e materialidade de crime contra a humanidade, não persistiram dúvidas de que a competência para o seu julgamento seria do TPI”, disse.

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