A popularização recente da agenda ESG chamou a atenção das empresas para os impactos que suas atividades causam em diferentes âmbitos. Atualmente, companhias que querem se manter no mercado devem pensar na sustentabilidade dos seus negócios de forma benéfica para toda a sociedade.
Há uma tendência de cada vez mais os clientes e os investidores exigirem das empresas políticas ESG, pautadas no respeito aos direitos humanos. As empresas podem estar envolvidas em impactos negativos aos direitos humanos tanto pelas suas próprias atividades, quanto nas suas relações comerciais com outras partes.
É importante que as relações corporativas levem em consideração o bem-estar dos seus funcionários, da comunidade em que a empresa está inserida, seus clientes ou causas sociais mais abrangentes. Esse último ponto, porém, deve ser tratado com cautela.
“Quando falamos em direitos humanos e empresas, estamos falando sobretudo de as empresas serem capazes de não causar danos. O que significa que elas devem olhar para suas operações em cadeia, as atividades no território e garantir que elas não façam nenhum risco”, explica Flavia Scabin, coordenadora do Centro de Empresas e Direitos Humanos da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
De acordo com a professora, para além de influenciar positivamente algumas agendas em defesa dos direitos, as empresas precisam, antes de tudo, entender onde elas estão causando risco com impactos diretos e garantir que isso não aconteça mais.
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Se não, elas podem cair no famoso “greenwashing”, por exemplo, que é o nome dado às ações de empresas e governos que utilizam causas (neste caso ambientais) como puramente uma estratégia de marketing, mas, na realidade, suas próprias ações podem estar causando danos ao meio ambiente.
Para evitar esse problema, é importante identificar os possíveis riscos que a atividade empresarial poderia causar, desenvolvendo um programa de compliance em direitos humanos. Clara Serva, head da área de empresas e direitos humanos de TozziniFreire Advogados, compartilhou com LexLatin algumas recomendações para sua elaboração:
“A implementação de um programa de compliance em direitos humanos exige duas percepções igualmente importantes. Uma é a compreensão do processo, o procedimento aplicável para análise, monitoramento, prevenção e mitigação dos impactos negativos da atividade da empresa em direitos humanos.
A outra é compreender o que são os direitos humanos, quais são os grupos impactados (como pessoas negras, indígenas, mulheres, LGBT, entre outros), como esses direitos se relacionam com a atividade dessa empresa.
Essa análise precisa incorporar o olhar dos diferentes stakeholders e abranger a compreensão de quais são os impactos positivos e negativos dessa empresa em 4 dimensões dos direitos humanos: no público interno (funcionários, empregados e etc), na atividade-fim (produto ou serviço), na comunidade e na cadeia de fornecimento. As políticas, análises e os procedimentos, como por exemplo o canal de denúncias ou reporte, devem ser atentos a todas essas dimensões.”
Para guiar essa relação entre empresas e direitos humanos, a Organização das Nações Unidas lançou em 2011 os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos. A ONU sugere quatro etapas nesse processo:
- Avaliação de riscos e impactos.
- Integração de ações de prevenção e controle de riscos e impactos aos direitos na gestão empresarial.
- Monitoramento das ações adotadas.
- Divulgação e comunicação das ações adotadas.
Segundo uma avaliação de especialistas independentes da ONU, realizada no ano passado, os princípios conseguiram fazer as empresas e Estados progredirem em relação a este tema, mesmo que de forma lenta. Para eles, já é possível perceber uma conscientização em torno das responsabilidades das empresas em relação aos direitos humanos, o que não existia há dez anos.
“Mais empresas estão se comprometendo com os direitos humanos e mais governos em todas as regiões estão desenvolvendo planos de ação nacionais, além disso, os Princípios Orientadores também proporcionaram aos sindicatos, às comunidades afetadas/atingidas e à sociedade civil uma estrutura para exigir a prestação de contas pelos danos relacionados às empresas, às pessoas e ao planeta”, afirmam.
Marco normativo brasileiro
Enquanto países como França e Alemanha aprovaram leis relacionadas ao chamado “dever de devida diligência”, outros como os Estados Unidos aprovaram seus Planos Nacionais de Ação sobre Empresas e Direitos Humanos. Alguns países previram leis relacionadas a violações específicas de direitos humanos, como, por exemplo, a Lei de Proteção ao Tráfico de Pessoas de Cingapura, de 2014, ou a Lei de Combate à Escravidão Moderna do Reino Unido de 2015. Uma estratégia (legislação ou Planos Nacionais de Ação) não exclui a outra, ou seja, o país pode ter ambos.
No Brasil, a ONU e o governo federal chegaram a abrir uma concorrência para elaboração do plano, mas o edital foi depois cancelado, estando em suspenso o avanço dessa frente. Mas em março foi apresentado o Projeto de Lei 572/22 que propõe um marco nacional sobre direitos humanos e empresas e estabelece diretrizes para a promoção de políticas públicas sobre o tema.
“Ele une dois pontos importantes: o dever de devida diligência e as consequências de uma possível violação a direitos humanos por empresas. Ainda que haja muito debate sobre o texto do PL, a iniciativa de criar um marco tem sido aplaudida por boa parte da sociedade civil e do setor empresarial”, afirma Clara Serva.
Segundo a proposta, no caso de violações, as empresas e as entidades estatais deverão:
- atuar em orientação à reparação integral das violações;
- garantir pleno acesso a todos os documentos e informações que possam ser úteis para a defesa dos direitos das pessoas atingidas;
- garantir que o processo de reparação não gere novas violações;
- atuar em cooperação na promoção de atos de prevenção, compensação e reparação de danos causados aos atingidos e às atingidas.
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A proposta foi apresentada pelo deputado Helder Salomão (PT-ES) e outros três deputados. De acordo com o parlamentar, no Brasil, existem inúmeros casos de violações aos direitos humanos por parte de empresas. Ele cita, por exemplo, o rompimento da barragem de rejeitos de mineração em Mariana (MG), Brumadinho (MG) e Barcarena (PA); e o derramamento de petróleo no litoral nordestino; além do caso dos moradores do bairro de Santa Cruz, no Rio de Janeiro (RJ) que sofrem com a poluição da atividade siderúrgica.
“Esses casos, possuem em comum uma grande dificuldade de responsabilização das empresas pelas violações aos direitos humanos”, aponta. Em termos de marco normativo, ainda que o país possua legislação sobre proteção ambiental, trabalhista e demais direitos fundamentais, existem lacunas significativas na regulação da atuação empresarial no território brasileiro e na reparação das vítimas.
“Muito da falta de responsabilização se deve à não existência de um diploma legal unificado, que possa suprir algumas dessas brechas e facilitar a aplicação da lei por parte do Judiciário”, afirma Salomão.
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