Como o Brasil pode ser responsabilizado pelas mortes de Dom Phillips e Bruno Pereira

“A questão do ato ter ocorrido em área indígena e de haver uma política do Estado no sentido de não dar eficácia e não dar eficiência aos direitos dos indígenas pode ser um motivo e responsabilidade”/Polícia Federal
“A questão do ato ter ocorrido em área indígena e de haver uma política do Estado no sentido de não dar eficácia e não dar eficiência aos direitos dos indígenas pode ser um motivo e responsabilidade”/Polícia Federal
Para especialistas, caso pode ser levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Fecha de publicación: 17/06/2022
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O desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira teve um capítulo importante, nesta quarta-feira (15), rumo à resolução do mistério do sumiço deles desde 5 de junho. Segundo a Polícia Federal, um dos suspeitos teria confessado o crime e disse que as vítimas foram assassinadas e depois esquartejadas. Os corpos também teriam sido queimados. Os irmãos Amarildo da Costa de Oliveira, o Pelado, e Oseney da Costa Oliveira, conhecido como Dos Santos, estão presos e um deles levou os policiais até um possível local do desaparecimento.

A notícia vem depois que a polícia confirmou que itens pertencentes aos dois ativistas foram encontrados durante uma busca na região de Javari, onde desapareceram ao retornar de uma viagem de quatro dias. Eles faziam uma reportagem sobre as invasões e atividades ilegais na reserva indígena.


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A viúva do jornalista Dom Phillips, Alessandra Sampaio, enviou uma carta nesta terça-feira ao portal de notícias UOL, onde afirmou que, com a confirmação da morte dos dois, se inicia uma jornada em busca por justiça. “Espero que as investigações esgotem todas as possibilidades e tragam respostas definitivas, com todos os desdobramentos pertinentes, o mais rapidamente possível”.

E como fica a situação do país frente à comunidade internacional diante desse desaparecimento e possível crime? No campo jurídico, a principal forma de punição aos envolvidos deve acontecer no Brasil. É o que dizem os especialistas ouvidos por LexLatin.

Para Wagner Menezes, professor de Direito Internacional da Universidade de São Paulo, caso não haja uma decisão judicial no Brasil que atenda à aplicação de punições relativas à violação dos direitos humanos, o caso pode ser levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Mas, para que isso aconteça, é preciso, primeiro, que sejam esgotados os recursos jurisdicionais internos.

“E que o Estado brasileiro não tenha, por meio das suas instituições, atendido à extensão de aplicação do Direito. Como é um caso um tanto emblemático e de repercussão internacional, a tendência é que [o sistema] dê uma resposta rápida e bastante forte para o caso”, avalia o especialista.

Uma das principais dúvidas jurídicas em relação ao caso é se cabe processo contra o Estado brasileiro na Corte Internacional de Justiça (CIJ). Na Corte Interamericana de Direitos Humanos o Brasil já sofreu sucessivas condenações pela impunidade no assassinato de ativistas. 

O professor explica que a Corte Interamericana de Direitos Humanos funciona com base na Convenção Americana de Direitos Humanos, popularmente conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, um tratado celebrado pelos integrantes da Organização de Estados Americanos (OEA).

O documento de 81 artigos estabelece os direitos fundamentais como vida, liberdade, dignidade, integridade pessoal e moral e educação, entre outros. A convenção proíbe a escravidão e a servidão humana, trata das garantias judiciais, da liberdade de consciência e religião, de pensamento e expressão, bem como da liberdade de associação e da proteção a família. “Na comissão normalmente quem leva as denúncias são organizações não governamentais e também as famílias das vítimas”.

Uma ordem da Comissão exigiu que o governo brasileiro intensificasse as buscas. “Esse é um ato interessante que acontece no sistema interamericano. Mas isso não significa que vá haver uma responsabilização futura do governo brasileiro. O fato é que há duas linhas de preocupação para se levar em conta”, avalia José Augusto Fontoura, também do Departamento de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP.

Para ele, uma questão é a responsabilidade pela morte do indigenista e do repórter - se o Brasil tem responsabilidade e como ela pode ser construída. A outra seria no sentido de entender como é que esses órgãos, instrumentos internacionais, poderiam servir para uma afirmação dos direitos indígenas dessa área.

O advogado internacionalista explica que outra possibilidade seria procurar uma responsabilidade do Estado brasileiro junto aos órgãos e tribunais brasileiros, com base na pauta do exercício do dever.

“Isso é algo evidenciado pela própria demora em encontrar os corpos, por exemplo. A questão do ato ter ocorrido em área indígena e de haver uma política do Estado no sentido de não dar eficácia e não dar eficiência aos direitos dos indígenas pode ser um motivo e responsabilidade. Não seria impossível, ao meu modo de ver, encontrar uma saída jurídica dentro do próprio direito brasileiro”, afirma.

Outra questão analisada pelos especialistas é se esse tipo de situação prejudica as pretensões brasileiras de entrada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

Para Fontoura, existe uma percepção internacional de que esses conflitos têm uma relação com as políticas do atual governo.

“Se o governo atual é reeleito, pode ter um impacto negativo, mas não chega a afetar significativamente a possibilidade de ingresso na OCDE, sobretudo se houver um aceno de melhora de políticas ambientais. Quanto ao Conselho de Segurança, pode gerar uma peculiar reação do Reino Unido, mas acho que coloca como mais um elemento num cenário de uma desaprovação geral, sobretudo no campo político ambiental que o Brasil tem enfrentado nos últimos anos”.


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A princípio, seria o momento do Brasil e das instituições brasileiras darem uma resposta efetiva a esse tipo de violação.

“Os governos, qualquer que seja ele, de esquerda, de direita, de centro... precisam compreender que a pauta ambiental está no centro do debate político no mundo, não só em razão dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que é um compromisso de todos os Estados, mas principalmente também porque o Brasil é um Estado referência absoluta na proteção da floresta e os povos indígenas têm um papel fundamental neste processo”, explica Wagner Menezes.

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