A concessão de patentes para o setor de telecom no Brasil

Hoje a maior parte dos depositantes na área de tecnologia das comunicações ainda é dos Estados Unidos e países asiáticos como China e Japão/Pixabay
Hoje a maior parte dos depositantes na área de tecnologia das comunicações ainda é dos Estados Unidos e países asiáticos como China e Japão/Pixabay
Entenda os pontos chave dessa discussão que podem beneficiar o país na produção e exportação de tecnologia.
Fecha de publicación: 08/05/2023

O mercado de tecnologia de telecomunicações tem crescido significativamente nos últimos anos, ainda mais com a chegada e consolidação do 5G, principalmente nas maiores cidades brasileiras. Esse "novo mundo" promete trazer ainda mais oportunidades para empresas que atuam nessa área. No Brasil, como em muitos outros países, as empresas de telecomunicações têm investido em tecnologia e software embarcado (dispositivos com capacidade de processamento de dados). E isso acaba se refletindo no número crescente de patentes depositadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, o INPI. Hoje, as empresas de telecomunicações são os principais depositantes de patentes com software embarcado no INPI, principalmente os voltados aos dispositivos móveis e equipamentos de processamentos digitais.

Para os especialistas e advogados da área, a proteção da propriedade intelectual é fundamental para incentivar a inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias, além de garantir que as empresas possam competir em um ambiente justo. Apesar de o tamanho do mercado de tecnologia no Brasil ainda não ser tão grande quanto em outros países, como EUA, China e Japão, há um grande potencial na criação de novos produtos e serviços com base em tecnologia, principalmente com incentivos e investimentos em pesquisa e desenvolvimento, principalmente softwares e dispositivos móveis. Por isso, as empresas de telecomunicações têm investido em pesquisas e desenvolvimento de tecnologia, incluindo patentes com software embarcado. 

Patentes essenciais

Um ponto relevante sobre patentes relacionadas ao 5G é a discussão sobre patentes essenciais (Standart Essential Patents, ou SEPs). Elas são consideradas fundamentais para a implementação de um padrão tecnológico (o 4G e o 5G são padrões de tecnologia para redes móveis e banda larga, por exemplo). Quando uma empresa participa do desenvolvimento de um padrão, ela pode deter patentes essenciais relacionadas. Elas são protegidas pela Lei de Propriedade Industrial

“No caso do 5G, por exemplo, existem várias empresas que detêm patentes essenciais para tecnologias relacionadas, incluindo empresas como Huawei, Ericsson, Nokia e Qualcomm. Isso significa que, para implementar o 5G, as empresas precisam obter licenças dessas empresas para usar suas patentes. Em contrapartida, para que não haja um abuso de poder econômico por parte das empresas detentoras das patentes essenciais, estas devem oferecer licenças para outros players do mercado nos termos chamados FRAND”, explica Tarso Machado, especialista em inovação e propriedade intelectual, sócio do escritório Kasznar Leonardos. 


Leia também: Brasil precisa de um novo marco regulatório de Propriedade Intelectual?


As licenças FRAND (do inglês, Fair, Reasonable and Non-Discriminatory) indicam que os titulares que declaram suas patentes como essenciais à implementação de um padrão técnico são obrigados a oferecer essa tecnologia em termos justos, razoáveis e não-discriminatórios.

A discussão sobre patentes essenciais e licenças FRAND é importante, segundo os especialistas, porque, em muitos casos, são detidas por empresas estrangeiras. “Isso pode criar desafios para empresas nacionais que desejam utilizar tecnologias relacionadas ao 5G e outras tecnologias, pois elas precisam obter licenças de empresas estrangeiras. A discussão sobre patentes essenciais e licenças FRAND é necessária para garantir que as empresas nacionais tenham acesso justo e razoável a essas tecnologias”, afirma Machado. 

“Esses contratos de licença são geralmente facilitados mediante acordos de licenciamento em pacote por sociedades criadas com este fim, os chamados ‘patent pools’, com condições contratuais também padronizadas. Mas isso não impede que desentendimentos eventuais levem a disputas judiciais. Um ponto comum de disputa é quando determinada patente declarada e licenciada como SEP por sua detentora é considerada pela licenciada como não essencial, recusando-se a pagar os royalties referentes à patente em questão quando do uso do padrão tecnológico”, diz Ana Cristina Müller, sócia da área de Propriedade Intelectual do BMA Advogados.

Academia X Mercado Consumidor

Outra discussão relevante é o fortalecimento das relações entre o mercado consumidor e a academia. Isso porque, uma vez que o 5G oferece maior velocidade de conexão, menor latência e maior capacidade de transmissão de dados, a tecnologia permite o desenvolvimento de aplicações inovadoras, como a Internet das Coisas (IoT), carros autônomos, cidades inteligentes, realidade virtual e aumentada. 

Um dado importante é o crescimento do pedido de registro por Centros de Educação e/ou de Pesquisa, na ordem de 200% desde a promulgação do Marco Legal da Inovação (Lei 13.243/2016). A norma é uma das poucas que tem estimulado o patenteamento da produção tecnológica dessas entidades e a maior interação com o setor produtivo.

E esse é um trabalho fundamental para o avanço da chamada economia baseada no conhecimento. “Na academia, os pesquisadores têm a oportunidade de desenvolver conhecimentos e tecnologias inovadoras, muitas vezes com o apoio de recursos governamentais ou de entidades de fomento à pesquisa. Essas tecnologias podem ser voltadas para as mais diversas áreas, como saúde, energia, meio ambiente, tecnologia da informação. Por outro lado, as empresas podem se beneficiar do conhecimento gerado pela academia, utilizando-o para desenvolver novos produtos e serviços ou aprimorar os já existentes. Além disso, a academia pode ser um importante centro de treinamento e formação de recursos humanos qualificados, que são fundamentais para o desenvolvimento de novas tecnologias e para a inovação no mercado”, avalia Tarso Machado.   

A implantação do 5G no Brasil pode gerar demandas por profissionais qualificados em diversas áreas, o que pode aumentar a oferta de cursos e programas de capacitação na academia. Já as empresas podem se beneficiar do conhecimento gerado pela academia para o desenvolvimento de produtos e serviços baseados na tecnologia 5G, o que pode gerar novas oportunidades de negócios para as empresas, permitindo a criação de novos modelos de negócio e a entrada em novos mercados. 

De acordo com os advogados da área de PI, para que essa relação entre academia e mercado de trabalho seja efetiva, é importante que haja um ambiente favorável à colaboração entre esses dois setores. Isso pode ser feito por meio de incentivos governamentais, como bolsas de pesquisa e financiamento de projetos conjuntos entre empresas e universidades.

Mas para isso é importante que as empresas e as instituições acadêmicas tenham uma visão de longo prazo em relação aos seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento, permitindo que os resultados dessas pesquisas sejam efetivamente aplicados no mercado. No fim dessa história, a parceria entre os dois setores pode aumentar a competitividade das empresas brasileiras no mercado global. 

Hoje a maior parte dos depositantes na área de tecnologia das comunicações ainda é dos Estados Unidos e países asiáticos como China e Japão. Mas existe um número crescente de depósitos de empresas e universidades brasileiras, segundo os especialistas, o que mostra um crescimento dos investimentos na área em pesquisa e desenvolvimento (P&D).

Um exemplo é o estudo “Propriedade Intelectual – dados & fatos – Cidades Inteligentes”, realizado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) divulgado no mês de abril. O levantamento traz um panorama mundial de patentes associadas a cidades inteligentes nos principais campos tecnológicos: conectividade, segurança, mobilidade e sustentabilidade. A pesquisa, direcionada a gestores públicos e ao setor privado, mapeia quais são os principais agentes que estão realizando investimentos nessas tecnologias e a evolução do interesse pelo tema nos últimos tempos no Brasil e no mundo.

As cidades inteligentes usam a inovação de forma mais abrangente (tecnologia, infraestrutura, logística) para melhorar o ambiente urbano, segundo o estudo. Esse universo agrega conceitos como dos veículos autônomos e conectados, internet das coisas, realidade aumentada e virtual, e-health, entre outros. O levantamento mostra que nessa área o domínio atual em relação ao pedido de patentes é da China, EUA, Coreia do Sul e Japão. 

O trabalho reconhece o crescimento recente no número de patentes nessa área de conhecimento no Brasil. No ano passado foram 22 pedidos de patentes de empresas, instituições de pesquisa e universidades brasileiras relacionadas ao uso do 5G em aplicações dedicadas a cidades inteligentes. O estudo indica, entretanto, a necessidade de fortalecer o foco a questões mais próximas da realidade nacional, em temas tropicalizados, como energias renováveis e o combate a doenças endêmicas, além dos desafios de garantir maior acessibilidade, comunicação e melhores serviços em locais de difícil acesso.

Pelo levantamento, hoje o Brasil possui 6 projetos patenteados de internet das coisas; e 3 projetos em E-Health. E não há, por exemplo, projetos de veículos conectados e realidade aumentada e virtual, áreas com grande potencial de crescimento, tanto para implantação em cidades brasileiras como para a realização de parcerias comerciais.

“A agilidade no processamento desses pedidos é fundamental para que as empresas consigam ter o retorno dos investimentos e o inventivo necessário para continuar investindo em P&D. É uma área em que a tecnologia evolui muito rápido e a proteção ostentaria intempestiva é praticamente inútil, por conta da obsolescência da tecnologia”, analisa Marcela Trigo, sócia do grupo de Tecnologia e Propriedade Intelectual do Trench Rossi Watanabe.

Outra importante instituição para que os investimentos continuem sendo direcionados a essa área, segundo a especialista, é o Judiciário. “As maiores disputas entre os players desse mercado dizem respeito às patentes essenciais. Já há inúmeras ações judiciais e será do Judiciário que virão definições importantes para promover segurança jurídica e confiabilidade às empresas”, afirma a advogada.

Certo é que quanto mais investimentos na área e nessa relação mercado-universidades, mais negócios poderão ser gerados. “O fortalecimento da relação empresa e universidade é fundamental para que todo o nosso potencial acadêmico possa de fato virar um produto comercial. A universidade não tem alavancagem para isso. Mas as empresas só vão investir se tiverem expectativa de retorno, e por isso a proteção patentária é tão relevante. Ela é a garantia de que haverá algum retorno ao investimento, que nessa área não é baixo”, diz a especialista.


Sugestão: Como criar conteúdo de valor? 3 chaves de propriedade intelectual para monetizar


O trabalho do INPI no incentivo a patentes do mercado de telecomunicações

Como o setor de telecomunicações é marcado pelo intercâmbio de tecnologias, há uma intensa colaboração entre as empresas, já que uma única companhia não tem a capacidade de sozinha atender integralmente a todas as necessidades dos consumidores. Com isso, as disputas são pontuais, por parcelas de segmentos específicos de mercado. Mesmo um consumidor pode escolher ser atendido por empresas concorrentes. Um exemplo: você pode preferir usar o Google Maps no seu iPhone.

O trabalho do INPI ajuda justamente nessa colaboração ao buscar estabelecer durante o exame técnico o escopo de proteção das patentes relacionadas às diversas tecnologias integradas em um único produto ou serviço que as empresas oferecem.

Mas para que isso seja realidade, é preciso que o INPI seja capaz de examinar os pedidos de patente com rapidez e qualidade. Segundo os especialistas, a autarquia tem trabalhado nesse sentido, com os programas de redução do backlog (trabalho em atraso) de patentes e a constante atualização e refinamento das suas diretrizes de exame. Para o setor de telecomunicações e serviços relacionados são bastante relevantes as “Diretrizes de Exame de Pedidos de Patente envolvendo Invenções Implementadas em Computador”, atualizadas em dezembro de 2020.

E essa discussão da estrutura e eficiência do INPI é algo que tem relação com o desenvolvimento ou ineficiência do processo de depósito de patentes no Brasil. “O INPI precisa modernizar suas diretrizes de exame para Invenções Implementadas por Computador (IIC), de modo a flexibilizar as regras por vezes muito restritivas para o exame de invenções implementadas por software no Brasil. Tais regras acabam prejudicando principalmente o inventor nacional, que muitas vezes não possui assessoria especializada em propriedade industrial para o auxiliar na melhor forma de proteger sua invenção por patente”, avalia Tarso Machado. 

Uma das principais questões e demandas do mercado é o tempo de exame de pedidos de patente no Brasil, em especial na área de telecomunicações. Atualmente, um pedido de patente nessa área pode levar de 8 a 10 anos para ser concedido no país. No entanto, muitas tecnologias relacionadas à conectividade se tornam obsoletas muito rapidamente, às vezes saindo do mercado antes mesmo da concessão da patente no Brasil, o que desestimula a busca pela proteção da propriedade dessa patente.

“É fundamental que o governo invista em políticas públicas que incentivem a inovação e o registro de patentes no país, além de garantir que o INPI tenha os recursos necessários para cumprir sua missão de forma eficiente. Com isso, o Brasil pode se tornar um importante player no mercado de telecomunicações e garantir que suas empresas tenham as mesmas oportunidades que as empresas estrangeiras”, afirma Machado. 

Mas também é importante que o Poder Judiciário esteja capacitado para mediar, com a profundidade necessária, disputas complexas, envolvendo tecnologias de ponta e questões de direito da propriedade industrial e da concorrência com muitas nuances.

"É fundamental que os juízes indiquem peritos com conhecimento profundo acerca da tecnologia em disputa e, também, com experiência em propriedade industrial. Se forem conduzidas de forma inadequada, estas disputas podem resultar em prejuízos significativos para empresas que efetivamente investem em P&D e no mercado nacional, beneficiando de forma indevida as denominadas 'patent trolls' ”, avalia Ana Cristina Müller.

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.