As consequências da crise fiscal brasileira

Quando dívida era de R$ 111 bilhões, tributaristas sentiram os ventos mudar. O que pode ocorrer com déficit de R$ 844 bilhões é um mistério/Pixabay
Quando dívida era de R$ 111 bilhões, tributaristas sentiram os ventos mudar. O que pode ocorrer com déficit de R$ 844 bilhões é um mistério/Pixabay
Déficit de R$ 844 bilhões pode indicar maior pressão por arrecadação tributária?
Fecha de publicación: 04/02/2021

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Era abril de 2015 e, após alguns meses parado, o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) voltava a funcionar depois do que se chamou de uma "limpeza" pós Operação-Zelotes. O então ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, Joaquim Levy, foi ao tribunal administrativo acompanhar a volta dos trabalhos e discursou na ocasião. “Ando catando, com a Receita [Federal] e a PGFN [Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional], os R$ 100 bilhões que o Carf mandou", disse. 

A fala chamou a atenção dos tributaristas que acompanharam a sessão porque, com o país entrando em uma turbulência econômica – que já trazia R$ 111 bilhões em déficit, a ação descrita por Levy poderia indicar uma pressão maior sobre os contribuintes, já que o governo passaria a precisar de mais caixa. Nos anos seguintes, teses que movimentavam grandes valores em processos individuais, com decisões majoritariamente a favor de contribuintes, começaram a virar pró-fisco na Corte, com decisões sempre muito apertadas.

É fevereiro de 2021, e a crise política e econômica não dá sinais de que irá arrefecer. O déficit acumulado em 2020 chegou a R$ 844 bilhões – quatro vezes o que se tinha em 2014 – e o governo pode ter sinal verde, por conta da pandemia, para gerar um desequilíbrio negativo de mais R$ 247 bilhões. A pressão econômica inédita sobre os cofres públicos gera a dúvida: o poder público irá apertar mais os parafusos contra contribuintes para aliviar o caixa?


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Uma certeza entre tributaristas é que a correlação entre déficit crescente e pressão por uma arrecadação maior existe. "O que a gente percebeu é que houve um ciclo de aumento muito significativo de resultados negativos", afirmou o sócio da área tributária do Mattos Filho, João Marcos Colussi. O que parecia uma intuição se provou em números. "E havia uma coincidência entre a sucumbência, o número de recursos perdidos pelos contribuintes e essa necessidade premente de cobrir o caixa para suprir um déficit."

O símbolo desta questão, no Carf, foi a tese do ágio – a tributação ou não do valor adicional pago em operações de fusão e aquisição no país. Com o risco de perder na Câmara Superior de Recursos Fiscais um processo que à época passava dos R$ 35 bilhões, o Itaú conseguiu, em 2018, suspender na Justiça o processo relativo à sua fusão com o Unibanco. Empresas de diversos setores alegavam que a jurisprudência do Carf à época dos fatos chancelava a operação – mas acabaram derrotados.

Hoje em dia, fatores próprios da pandemia ajudariam a se entender melhor a pressão arrecadatória na visão dos advogados. "Muitos julgamentos que foram tomados, especialmente no ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), tiveram uma maioria esmagadora de temas pró-Fazenda, e que já estavam sendo vistos por tribunais de outra forma, de outro viés", diz a sócia do Lavocat Advogados, Mírian Lavocat. A tributarista considera problemática a tese de que algumas destas decisões, se tomadas em favor dos contribuintes, poderiam quebrar os cofres públicos. "Em uma comparação grosseira: o remédio mais fácil é achar que se emagrecerá tomando água com limão, e isso não vai acontecer".

Colussi teme que a discussão sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS da Cofins, pendente de julgamento pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, possa se tornar um símbolo desse novo momento.  "Já passou do momento que os tribunais podem dizer que só exista um ICMS", disse. "Em que pese a decisão ter sido dada em prol do contribuinte, há um sem-número de recursos, de manobras e atos que refletem uma gestão de fluxo de caixa e não uma preocupação especificamente da discussão".

Mírian Lavocat diz que ainda não é possível imaginar uma tese que possa representar um aumento da pressão fiscal sobre os contribuintes como um dia foi o ágio. A advogada considera que, no entanto, o remédio para isso não é doce. "O regime tem que ser muito severo. Para atualizar o déficit público, é preciso uma política de governo onde urgentemente se fale em reforma administrativa e em teto de gastos, estancando essa sangria de investidores saindo do Brasil. Os remédios têm de ser outros".

Independente do remédio para equilibrar a conta, os princípios do julgamento têm de se manter intactos. "O quanto vai ser arrecadado ou deixa de ser arrecadado não tem que ser uma preocupação em uma decisão técnica, tomada pela legalidade", concluiu Colussi. "Os tribunais administrativos e judiciais estão lá como guardiães da Constituição e da legalidade, não como órgãos arrecadatórios".


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