Contribuinte terá de pagar R$ 4,9 bi por financiamento público de campanha

Decisão vale já para outubro de 2022/Pixabay
Decisão vale já para outubro de 2022/Pixabay
STF mantém decisão contra doações de empresas e pessoas: valor gasto pelo Estado alto é alvo de críticas.
Fecha de publicación: 07/03/2022

As grandes operações policiais dos anos 2010 - a Lava Jato como a mais famosa de todas - expuseram não apenas um profundo esquema de corrupção nas cúpulas do poder brasileiro, mas também uma intrincada ferramenta de financiamento privado de campanhas eleitorais por grandes empresas. Esta forma de apoio político perdeu sentido ainda em 2015, e agora parece ainda mais distante, com a validação pelo STF (Supremo Tribunal Federal) de um fundo eleitoral público de R$ 4,9 bilhões, valor considerado excessivo por críticos.

A decisão ocorreu na semana passada por uma larga vantagem: nove votos favoráveis, e apenas os ministros Ricardo Lewandowski e André Mendonça, o relator da ação, votaram pela suspensão. Outros três ministros acompanharam em parte a decisão, que passa a valer já nas eleições de 2022.


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O início do imbróglio ocorreu ainda durante a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), texto que o Congresso analisa no final do primeiro semestre e que desenha os parâmetros do Orçamento, votado no final do ano. Lá, os deputados já incluíram por meio de uma emenda um aumento do fundo eleitoral destinado às campanhas, de R$ 2,1 bilhões para o valor atual. 

A proposta, alvo de críticas por parte da população, foi vetada por Bolsonaro, que viu o veto ser derrubado pelo Congresso. O texto foi incluído no Orçamento e aprovado – o que não impediu o partido Novo, que se colocou como contrário ao aumento desde o início, ingressou na Corte com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, alegando “flagrante e vergonhoso vício de iniciativa, pois através de emenda do Congresso Nacional foi criada nova despesa na Lei Orçamentária Anual”, impondo a destinação de verbas públicas para o fundo.

O relator do texto, ministro André Mendonça, votou contra o fundo, apesar de concordar que não houve nenhum vício formal na formulação da emenda. Em seu voto, dado no final de março, ele indicou que o valor é desproporcional e desnecessário, portanto passível de inconstitucionalidade. 

Os votos seguintes discordaram por outras tangentes: Nunes Marques afirmou que não houve aumento de despesa, mas sim nova fórmula de cálculo; Luiz Fux, o presidente, disse que a temática orçamentária é assunto interna corporis do Congresso; Cármen Lúcia disse que é necessário resguardar a segurança jurídica da votação. A maior parte dos ministros, no entanto, deixou clara as críticas ao valor do fundo eleitoral para o financiamento de campanhas.

A definição do STF acaba por fechar um ciclo aberto pelo mesmo plenário em setembro de 2015. No auge da Operação Lava Jato, a Corte formou maioria de oito votos a três para proibir o financiamento de campanha por pessoas jurídicas, até então os maiores doadores para grandes campanhas. "Chegamos a um quadro absolutamente caótico, em que o poder econômico captura de maneira ilícita o poder político", disse o então relator Fux naquela sessão.

A decisão se mostrou com fundo de realidade: anos depois, o empresário Marcelo Odebrecht, presidente da companhia que que levava seu nome, indicou ter investido R$ 150 milhões na campanha vitoriosa de Dilma Rousseff ao Planalto em 2014. O principal concorrente dela, o tucano Aécio Neves, também recebeu polpudos investimentos da empresa, hoje em recuperação judicial após a Lava Jato.

A bancada do NOVO no Congresso - composta apenas de deputados - chamou de absurdo a maioria da corte. “O resultado representa uma vitória para a perpetuação da velha política e uma derrota para a população brasileira”, escreveu o partido. O líder da legenda na Câmara, deputado Thiago Mitraud (MG), também se mostrou insatisfeito com o resultado. “Agora cabe ao eleitor decidir se quem faz uso desse dinheiro merece seu voto”, escreveu.

A decisão da Suprema Corte era esperada, segundo o advogado especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Cristiano Vilela. “Do ponto de vista de análise de constitucionalidade, a decisão foi totalmente correta”, disse. “A regularidade da decisão que foi tomada oportunamente em Lei Orçamentária cumpriu todos os requisitos legais e foi praticada de forma regular, de acordo com prerrogativas do Presidente e na LDO do Congresso.”


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Cristiano considera que o valor de quase R$ 5 bilhões é um preço a ser pago pela decisão de impossibilitar o financiamento empresarial. “Nós tivemos de lá pra cá a impossibilidade do recebimento de doações empresariais, e um desestímulo à doação de pessoas físicas”, analisou. Com isso, o recurso público passou a ser a principal fonte. “E em um país com 220 milhões de pessoas e 140 milhões de votantes, não existe campanha eleitoral de graça.”

O advogado, no entanto, considera que o debate sobre o financiamento privado não está encerrado - e pode ser positivo à democracia. ”A doação para o candidato é uma forma de participação política da sociedade”, resumiu. Tais doações, no entanto, precisariam ser regulamentadas e com limites, para evitar justamente o descompasso que se viu em eleições como a de 2014.

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