O que é a conferência do clima e qual a importância do debate?

A intenção é adotar práticas que evitem o aquecimento global nas próximas décadas/Pixabay
A intenção é adotar práticas que evitem o aquecimento global nas próximas décadas/Pixabay
Entenda os principais pontos sobre o aquecimento global e a importância do Brasil nessa discussão.
Fecha de publicación: 20/10/2021

A COP-26, a maior conferência do clima do planeta, vai começar em poucos dias. Entre 31 de outubro e 12 de novembro as principais lideranças mundiais (ou uma boa parte delas) vão estar reunidas em Glasgow, na Escócia, para discutir as mudanças climáticas que tanto têm afetado o meio ambiente. Representantes de 195 países, União Europeia e sociedade civil, organizações internacionais e empresas vão debater o que pode ser feito para diminuir os impactos da ação humana nos ecossistemas mundiais. A 26ª edição iria acontecer no ano passado, mas foi adiada por conta da pandemia de Covid-19.

A Conferência vai analisar o que mudou desde o Acordo de Paris, firmado em 2015 na COP21 e ratificado por 191 dos 196 signatários da Convenção. A intenção é adotar práticas que evitem o aquecimento global nas próximas décadas abaixo dos 2ºC, com estabilização em 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais, com comprometimento de todos os países signatários.


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Em agosto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU publicou o primeiro de três estudos com conclusões preocupantes: a ação humana tem causando o aquecimento da Terra de forma mais acelerada do que previsto - algumas de forma irreversível. O levantamento mostra que o limite de aumento de 1,5ºC já foi quase alcançado e deve ser atingido até 2040, com eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes.

Um dos principais pontos do Acordo de Paris, que precisa ser regulamentado, é a adoção  - por parte dos países, governos e sociedade civil - de metas mais agressivas de redução de emissões de gases para que seja possível manter o aquecimento global no limite de 1,5ºC até 2050.

Para os especialistas consultados por LexLatin, a Conferência deverá se desenvolver em torno de quatro pilares:

  • Regulamentação dos mecanismos de cooperação voluntária, como a transação de créditos que diminuam efetivamente as emissões de gases do efeito estufa entre os países, além da cooperação internacional por meio de projetos de redução de emissões, desenvolvidos por um país e financiado por outro, o que é chamado de "Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável";
  • Definição de metodologias, monitoramento e critérios de transparência em relação às Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que são as metas dos países para cumprimento dos objetivos do Acordo;
  • Discussão sobre os processos de adaptação em direção à economia zero carbono até 2050;
  • Discussão sobre o financiamento (especialmente por parte dos países desenvolvidos) de iniciativas voltadas à diminuição dos efeitos das mudanças climáticas de forma global e em especial para os países em desenvolvimento.

“A maior expectativa é com relação à regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris, que afina os mercados de créditos de carbono internacionais, exatamente por prever diferentes mecanismos”, afirma Roberta Danelon, sócia da área de direito ambiental do Machado Meyer Advogados.

No Brasil, o Projeto de Lei 528/21, que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), vem ganhando importância por tratar de um tema fundamental para o mundo e que pode gerar créditos por aqui. A criação desse mercado está prevista na lei que instituiu a Política Nacional de Mudança do Clima (Lei 12.187/09), e é uma recomendação do Protocolo de Quioto, tratado internacional assinado pelo país que prevê a redução da concentração de gases de efeito estufa no planeta.

A proposta, em tramitação na Câmara dos Deputados, estabelece regras para a compra e venda de créditos de carbono e é algo pendente de regulação desde a edição da Política Nacional de Mudança do Clima, de 2009.

Crédito de carbono é um certificado que atesta e reconhece a redução de emissões de gases do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Pelo projeto, um crédito de carbono equivalerá a uma tonelada desses gases que deixarem de ser lançados na atmosfera.

O PL, que visa fomentar o mercado voluntário de créditos de carbono, tem por objeto os créditos que não derivam de obrigação legal, mas que ainda assim constituem título transacionável e fungível. Nesse tipo de estrutura, as empresas estabelecem internamente metas de redução de emissão, motivadas principalmente por questões de imagem e compromisso socioambiental, e podem compensar suas emissões adquirindo créditos de outras empresas superavitárias, demonstrando compromisso com as práticas ESG.

É bom lembrar que a criação de mercados regulados de créditos de carbono vem sendo adotada em diversos países. Em 2020, a economia de créditos de carbono movimentou R$ 1,43 trilhões no mundo, 20% a mais que em 2019. E o Brasil pode ser uma grande fonte de créditos para aqueles países com necessidade de reduzir emissões.

Esse mercado pode ajudar os países a reduzir as emissões. O compromisso brasileiro é diminuir emissões em 37% até 2025 e 43% até 2030, de acordo com as emissões de 2005.


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“É preciso ter a valorização dos ativos ambientais naturais do Brasil que não só o controle de emissões. Os co-benefícios associados ao carbono são diversidade e respeito às comunidades. Então, como a COP-26 consegue também trazer valor para o crédito de carbono do Brasil? Não adianta nada fazer uma conta de emissões e não ter uma justiça social. Como essas políticas globais também favorecem esses benefícios?”, avalia Lina Pimentel, sócia da área ambiental do escritório Mattos Filho.

De acordo com a especialista, outro ponto importante está ligado à floresta. "Temos no Brasil um problema fundiário seríssimo, principalmente nas regiões amazônicas e do cerrado que têm floresta, onde são gerados os créditos de carbono florestal. Como garantimos que a política brasileira vai dar segurança jurídica para os créditos de carbono florestais que vão estar sendo incentivados internacionalmente?", diz.

O ideal, segundo a advogada, é que alguém que compre créditos de carbono florestais no Brasil ajude a desenvolver uma forma de financiamento viável. Outra questão importante é como, em contrapartida, o Brasil dá segurança jurídica para o crédito que está sendo emitido, do ponto de vista do fundiário.

"Para os créditos de carbono florestal, você precisa de áreas muito grandes para fechar contas. Os custos de transação são muito altos. Então é preciso de grandes áreas com grandes volumes de carbono. A questão de integração de dados e a questão fundiária no Brasil é absolutamente essencial", explica. 

Para Carolina de Almeida Castelo Branco, advogada da área de direito ambiental do Machado Meyer Advogados, será importante para o Brasil que os países desenvolvidos aumentem a meta de redução prometida, tendo em vista que se industrializaram anteriormente. Isso é necessário para financiar a transição ambiental dos não desenvolvidos.

“Também será relevante que o modelo estabelecido internacionalmente esteja em linha com o planejamento brasileiro. Nesse contexto, a Amazônia ocupa papel fundamental nas negociações, que abrange 59% do território nacional e representa 67% das florestas tropicais do mundo. Sua importância no equilíbrio do meio ambiente extrapola as fronteiras do país e é, sem dúvida, fundamental para o crescimento e desenvolvimento sustentável do país”, afirma.

O desafio jurídico dessa história tem como pano de fundo a dificuldade das políticas climáticas em compatibilizar a manutenção da floresta em pé e o desenvolvimento econômico sustentável do território da floresta amazônica. Se por um lado a necessidade de preservação da Amazônia é inquestionável e o mundo está atento para o que o Brasil faz ou não nesse sentido, por outro lado não existe um mecanismo claro para compensar financeiramente a população que ocupa uma área cuja exploração é limitada.

“É imprescindível que se crie um sistema de obrigações integrado capaz de fomentar arranjos entre setores carbono intensivos e a conservação e restauração de florestas no Brasil, garantindo a captação de recursos nacionais e estrangeiros para o desenvolvimento sustentável de áreas protegidas. É preciso definir de forma clara o papel das florestas na captura e estocagem de carbono da atmosfera, introduzindo tal atividade como parte dos mercados de créditos de carbono, seja através de projetos de conservação das formações florestais remanescentes, seja através de projetos de substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis a partir de reflorestamentos”, analisa Isabela Morbach Machado e Silva, do Manesco Advogados.

Segundo a especialista, essa definição passa, entre outras coisas, pela definição dos parâmetros técnicos necessários à elaboração de projetos florestais para o mercado de carbono, inventário de manutenção e recuperação da vegetação nativa, metodologias que calculam a mitigação de CO2 e a compensação financeira que retornará para as áreas protegidas.

Fernanda Stefanelo, advogada sênior da área ambiental e integrante da equipe ESG do Demarest Advogados, explica que, além dos esforços para evitar o desmatamento, é preciso investimentos em questões que nem sempre são discutidas, como a regularização jurídica dos imóveis e as ferramentas de georreferenciamento, regularização fundiária e assessoria para inscrição no Cadastro Ambiental Rural, o CAR. 

"A regularidade imobiliária e ambiental dos imóveis é um tópico sensível que merece atenção, tendo em vista os impactos que podem emergir na viabilização e incrementação do orçamento dos projetos de geração de créditos de carbono como, por exemplo, no caso de áreas embargadas decorrentes de questionamentos sobre intervenção em vegetação, autuações dos órgãos de controle e fiscalização ambiental, ausência dos registros, cadastros e licenças eventualmente pertinentes à área e as demais atividades realizadas no imóvel. São situações capazes de tornar questionável a regularidade do imóvel, do projeto e até mesmo a capacidade de representação do proponente do projeto frente ao real proprietário da área", diz. 

Tudo isso, segundo a advogada, envolve análises como a contratação de consultorias jurídicas e técnicas especializadas.

Outra questão importante é a falta de uma política clara de preservação ambiental do governo de Jair Bolsonaro, o que gera pressão internacional e por aqui. André Vivan, sócio da prática ambiental do Pinheiro Neto Advogados, avalia que o país precisa voltar ao ambiente da cooperação multilateral. “O Brasil deve sofrer uma pressão, justamente por conta de atuações que começaram há três ou quatro anos, ao passar uma mensagem de que não estava alinhado aos interesses climáticos, principalmente, àqueles declarados pela União Europeia”, diz.

Outra questão importante, principalmente para a União Europeia, é incluir um compromisso sobre emissões de metano, um dos gases de efeito estufa mais danosos. “O Brasil já declarou que não tem interesse nisso porque, no final das contas, o esforço no desmatamento seria mais relevante e compensaria as emissões de metano”, avalia o advogado.


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Para os especialistas, independentemente do governo e das políticas públicas, é possível que os atores corporativos empresariais repensem a forma de utilização de recursos naturais com foco em novos produtos e serviços. Essa prática deve acontecer a partir da mais alta governança das empresas. Assim, é preciso olhar as mudanças climáticas com um viés de risco corporativo, colocando o Brasil em um outro patamar de nível de serviço. 

 

Enquanto for mais interessante usar energia fóssil e não energia limpa, isso continuará a ser feito aqui e na grande maioria dos países. Para que as mudanças sejam realmente implantadas, é preciso que governos estabeleçam políticas públicas que incentivem a transição para a baixa emissão de carbono. Se isso não for feito continuarão a acontecer desastres climáticos, cada vez mais frequentes por todo o planeta.

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