Copa do Mundo e PI: o uso indevido da marca da CBF

A cada 10 camisas de time vendidas no país, quatro são piratas, segundo levantamento do Fórum Nacional contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP)/Canva
A cada 10 camisas de time vendidas no país, quatro são piratas, segundo levantamento do Fórum Nacional contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP)/Canva
Especialistas em propriedade intelectual comentam a legislação e a jurisprudência para coibir a pirataria no Brasil.
Fecha de publicación: 30/08/2022

A Copa do Mundo de 2022 se aproxima e com ela alguns problemas já antigos no Brasil se sobressaem. É o caso da falsificação de camisetas da seleção e o uso indevido da marca da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Muitos brasileiros se animam a comprar roupas verde e amarelas para acompanhar a seleção brasileira em campo. No entanto, entre outros motivos, o alto preço da camiseta faz com que muitos optem por produtos falsificados. 

No mercado esportivo, a pirataria tem um impacto assustador: a cada 10 camisas de time vendidas no país, quatro são piratas, segundo levantamento do Fórum Nacional contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP). O Fórum estima que os clubes de futebol perderam mais de R$ 2 bilhões para a pirataria em 2020. 

A Lei Pelé (Lei nº 9.615), que dispõe sobre normas gerais do esporte, prevê que os símbolos, dísticos e mascotes dos clubes são protegidos, independentemente de registro. 


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“De todo modo, os clubes de futebol costumam, independentemente dessa previsão, fazer o registro de suas marcas no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). Eles registram nome, símbolo, dístico, mascote como marca. Então seria uma dupla proteção, tanto pela Lei Pelé como pela Lei da Propriedade Industrial”, explica Eduardo Ribeiro Augusto, sócio da área de propriedade intelectual da SiqueiraCastro

No caso da camisa da seleção, ela já foi reconhecida pelos tribunais como um símbolo da seleção brasileira e de direito da CBF. Esse tipo de reconhecimento é conhecido como trade dress, ou seja, quando as características visuais de um produto constituem uma marca. 

Em ano de copa, a CBF fica mais atenta em relação não só à pirataria, mas ao uso indevido da marca da seleção brasileira. Em 2014, a CBF notificou mais de 40 empresas por uso indevido da sua imagem. Gustavo Piva de Andrade, sócio do Dannemann Siemsen, explica que existem dois tipos de casos de infração da marca da CBF. 

O primeiro, chamado de marketing de emboscada, ocorre normalmente quando não patrocinadores usam alguma imagem de camisas e uniformes que lembram a seleção brasileira. Ou seja, a empresa não se associou à CBF, mas “pega uma carona” no good will da seleção brasileira, especialmente nesse momento de Copa do Mundo. Esse tipo de conduta vem sendo, de forma reiterada, reprimida pelos tribunais.

Esse foi o caso, por exemplo, de uma ação contra a Coca-Cola, em 2010. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que condenou a Coca-Cola a indenizar a CBF por lucros decorrentes do uso indevido de imagem em campanha publicitária. 

Segundo o processo, a campanha mostrou os ex-jogadores Bebeto, Biro-Biro e Dario trajando vestimenta bem parecida com o uniforme da seleção brasileira e teria induzido o espectador a associar o sucesso da seleção ao refrigerante.

O TJRJ entendeu que a empresa lucrou com o uso indevido, por imitação, do uniforme e do distintivo de propriedade da CBF, o que gerou o dever de indenizar. 

“As empresas normalmente argumentam que não pode existir um monopólio sobre as cores verde e amarelo. Por isso que o contexto é tão relevante. Realmente, as cores verde e amarela não são passíveis de apropriação porque são as cores da bandeira brasileira. Mas existe uma diferença grande de simplesmente usar as cores verde e amarelo em abstrato e usar uniformes e camisas cujo layout lembram muito os da seleção brasileira”, explica Andrade. 

O segundo tipo de violação é a pirataria, de fato. É a situação de uma camisa falsificada que muitas vezes é produzida na China e chega no Brasil como se fosse uma camisa oficial da seleção brasileira. É o caso também de fábricas brasileiras clandestinas que usam mão de obra informal e mantêm os trabalhadores subempregados ou em condições análogas à escravidão.

“A lei brasileira estabelece que esse tipo de conduta é um ilícito tanto cível quanto criminal, quando se reproduz marca alheia sem autorização. Então, hoje existe até uma jurisprudência bastante desenvolvida nessa área”, explica.

Além dos varais nas ruas perto dos estádios e nos semáforos, os produtos falsificados também são comercializados no ambiente digital, ou seja, em plataformas de e-commerce. Isso traz algumas dificuldades adicionais para o titular do direito. 

O que a CBF normalmente faz, explica Gustavo Piva de Andrade, é monitorar as vendas online e informar o site se houver infração. Depois do comunicado, entende-se que a plataforma pode ser responsabilizada, mas com alguns limites. Ele menciona algumas regras do Marco Civil da Internet. “Quando é só marca, entende-se que precisa de uma ação judicial para remover isso. Quando é de direito autoral, entende-se que a notificação basta para responsabilizar as plataformas”.

Segundo o especialista, o problema não está na legislação brasileira. “Eu considero a lei brasileira adequada para coibir esse tipo de infração, porque a lei, embora não trate expressamente, por exemplo, dessa questão do marketing de emboscada, tem diversas ferramentas na legislação brasileira que você pode usar para coibir esse tipo de situação. Tanto é que os tribunais têm sido bastante receptivos em reconhecer esse tipo de infração e proteger a seleção brasileira e seus patrocinadores”, afirma. 

Mesmo assim, há um projeto de lei (PL 1825/22) que institui a Lei Geral do Esporte e traz essa questão do marketing de emboscada, reprodução, imitação de símbolos esportivos. “Se essa lei for aprovada, ela vai trazer ainda mais proteção para coibir esse tipo de conduta. A legislação atual já fornece as ferramentas para combater isso, mas ainda existe esse PL para tornar esse tipo de proteção ainda mais robusto”. 


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Na opinião do advogado da SiqueiraCastro, nós temos legislações muito adequadas e muito atualizadas para combater a pirataria no Brasil. Além disso, o Brasil é signatário de tratados internacionais a respeito de propriedade intelectual. Para ele, falta uma parte mais educacional. 

“É difícil você respeitar o que você não conhece. Então, eu acho que é uma questão educativa. Se você consegue atuar nessas três frentes: educativa, repressiva e econômica, acho que você consegue avançar bastante no combate à pirataria no Brasil, mas o problema não é a legislação”, opina.

No final, quem acaba “pagando a conta” da pirataria é o consumidor. “O mercado ilegal de peças esportivas no Brasil causa um prejuízo bilionário para os clubes, fornecedores, revendedores oficiais e consumidores, muitas vezes lesados com produtos semelhantes aos originais e que invariavelmente pagam mais caro em função das falsificações”, explica a reportagem do Globo Esporte.

Segundo uma pesquisa de campo encomendada pela Associação pela Indústria e Comércio Esportivo (Ápice) à Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), só em 2021, o governo deixou de arrecadar R$ 2 bilhões em impostos. Já as empresas do setor arcam com impacto negativo de R$ 9 bilhões, já que 33% do mercado brasileiro neste setor atualmente é ilegal. Ou seja, o efeito dessa falsificação e venda em massa de produtos é sentido em todas as pontas da cadeia.

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