O governo brasileiro anunciou na última sexta-feira (27) a abertura de uma linha de crédito emergencial no valor de R$ 40 bilhões para pequenas e médias empresas pagarem os salários durante os próximos dois meses.
Essa é considerada pelos analistas a primeira grande medida de peso do governo federal para ajudar o setor produtivo, já que a expectativa é de que o número de demissões, por causa da crise causada pelo coronavírus, aumente bastante nos próximos meses.
O programa pretende beneficiar o trabalhador e aliviar empresas da pressão econômica causada pelo fechamento de milhares de estabelecimentos comerciais durante o período de isolamento obrigatório.
A princípio, o empréstimo cobrirá dois meses na folha de pagamento e o valor irá direto para a conta do empregado. Nesse período, os funcionários não poderão ser demitidos.
“A empresa fecha o contrato com o banco, mas o dinheiro vai direto para o funcionário e cai direto no CPF dele. A empresa fica só com a dívida”, afirmou Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, durante a coletiva que anunciou a medida no Palácio do Planalto.
Segundo o Banco Central, a previsão é de que a linha de crédito esteja disponível em 15 dias para empresas com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões por ano. Hoje, o país tem 1,4 milhões de empresas nessa faixa, que empregam 12,2 milhões de trabalhadores.
A taxa de juros será de 3,75% ao ano. As empresas terão seis meses de carência para iniciar pagamento da dívida, que poderá ser parcelada em 36 meses.
O empréstimo tem um limite por trabalhador, que é de 2 salários mínimos (R$ 2.090). Se ele ganha menos que isso, por exemplo, um salário (R$ 1.045), continuará a receber o mínimo. Se ganhar 5 salários, passará a receber dois salários do empréstimo feito pelo governo. Os três que faltam terão que ser pagos pelo empregador.
Do total de R$ 40 bilhões, 85% serão financiados pelo Tesouro Nacional. Os outros 15% pelo setor bancário. Nos dois meses, o governo entra com R$ 34 bilhões e os bancos com R$ 6 bilhões.
Para os especialistas em economia e Direito Tributário e empresarial ouvidos por LexLatin, a medida traz um alívio imediato, tanto para trabalhadores quanto empregados, que estavam bastante preocupados com o futuro das empresas e empregos. Mas ainda é tímida.
“É boa, mas insuficiente. Atende uma parte dos afetados, mas a grande massa fica de fora”, avalia Ulisses Ruiz Gamboa, professor do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, em São Paulo.
Hoje no Brasil, segundo o Sebrae, as micro e pequenas empresas são responsáveis por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado, que não foram contemplados com o financiamento.
“A medida vai na direção correta, mas estamos vivendo numa economia de guerra e as ações têm que ser rápidas. O governo está demorando a reagir. O ministro da economia está preocupado só com a planilha e a insolvência fiscal”, diz.
O economista defende que o governo libere mais dinheiro, pelo menos R$ 500 bilhões neste momento. “O rombo fiscal será muito maior com a queda na arrecadação. Não é hora de reformar a casa, se ela está pegando fogo”.
Um levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que, até agora, as iniciativas governamentais foram de 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Nas maiores economias, os gastos são bem maiores: 37% do PIB da Espanha, 17% no Reino Unido e 6,3% nos Estados Unidos, de acordo com a FGV.
O especialista em Direito Empresarial e professor, Armando Rovai, também defende uma abordagem mais agressiva do governo, que atinja os microempreendedores individuais (MEI).
“A cabeça dos governantes parece que ainda está atrelada às grandes organizações. O certo é concentrar as políticas públicas no setor MEI, porque eles são os grandes empregadores do país”, afirma.
No anúncio das medidas de ajuda, o presidente do Banco Central foi questionado se o governo também vai estender o auxílio aos microempresários. “Teremos alguma coisa em breve para as microempresas. As medidas adotadas atendem bastante ao setor formal e estamos estudando algo para o setor informal”, afirmou.
De acordo Ângelo Ambrizzi, especialista em Direito Tributário e líder da área no escritório Marcos Martins Advogados, num primeiro momento o financiamento traz tranquilidade para o empregador, porque tira do empresário a preocupação de como pagar seus funcionários. “Vai deixar ele focado, nesse primeiro momento, em buscar soluções para o negócio. Dinheiro na conta do trabalhador é uma medida preventiva e inteligente”, avalia.
Uma das principais deficiências nesse processo, apontada pelo tributarista, é uma possível dificuldade do sistema na hora de repassar os valores. “O BNDES e a maioria dos bancos terão que criar uma estrutura para financiar esses empréstimos, porque há muito desinformação e burocracia nesses processos no Brasil”, diz.
Para os pequenos e médios empresários, as medidas foram recebidas com um certo alívio. Ronaldo Azevedo foi um dos milhares de empresários que procuraram mais informações sobre a medida nos escritórios de advocacia pelo país.
Ele tem uma empresa de materiais de limpeza e 12 funcionários em São Paulo. Desde que foram decretadas as medidas de quarentena, o faturamento dele caiu 70% e o empresário já estava pensando em reduzir pessoal. “Meus clientes são: escolas, academias e restaurantes, mas todos estão fechados. A ajuda tem que chegar na quantidade certa, para as pessoas certas”, diz.
Outra questão apontada pelos tributaristas são os incentivos fiscais, que ainda não foram oferecidos pelo governo. Para Milena Sellmann, doutora em Direito Tributário e professora do Damásio Educacional, é preciso prorrogar o pagamento de tributos e conceder isenções e reduções na área.
“Todos os benefícios ajudam na manutenção da atividade econômica. O comércio e a produção são setores bastante afetados. Eles estão fechados, mas a cobrança de impostos continua”, afirma.
“Tudo agora vai depender de quanto tempo vai durar essa paralisação. Só o tempo vai dar a dimensão e a necessidade de outros incentivos”, analisa Ambrizzi.
“Um país desigual como o Brasil tem a obrigação de ajudar os menos favorecidos, para que eles sobrevivam nesses momentos de calamidade. É preciso também afrouxar a tributação e flexibilizar as relações de trabalho. O Direito não pode ser um entrave para a valoração de um bem maior, que é a vida”, avalia Armando Rovai.
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