Decisão do STF impede que operadoras compartilhem dados de clientes com o IBGE

Por 10 votos a 1, o plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu a Medida Provisória 954 / Felipe Sampaio/STF
Por 10 votos a 1, o plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu a Medida Provisória 954 / Felipe Sampaio/STF
Maioria do colegiado referendou liminar de ministra Rosa Weber; especialistas encontraram falhas graves em texto de MP.
Fecha de publicación: 07/05/2020
Etiquetas: Brasil

Por 10 votos a 1, o plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu a Medida Provisória 954, que determinava que as operadoras de telefonia compartilhassem dados de linhas telefônicas, incluindo endereços e titulares da conta. Em sessão virtual, o colegiado referendou uma decisão cautelar, dada pela relatora do caso no dia 24 de abril.

O julgamento de cinco ADIs (Ação Direta de Inconstitucionalidade)  foi iniciado na quarta-feira (6), com a sustentação de advogados, de membros da União e do Ministério Público. Tanto a requerente quanto o poder público se valeram da analogia das antigas listas telefônicas à discussão.

"Não se está a falar de informações insignificantes, mas da chave de acesso individual a milhões de pessoas, com alto valor não só para políticas públicas mas para práticas comerciais", afirmou o advogado do PSB (Partido Socialista Brasileiro), Danilo Cesar Maganhoto Doneda, "que, em determinadas vertentes, causam inclusive distúrbios na vida diária."

Já para o advogado-geral da União, ministro José Levi do Amaral, não há nenhuma discussão a ser tratada na matéria: "Não há, aqui, dois direitos fundamentais contrapostos. Mais do que isso, não há nenhum direito fundamental malferido. O que se tem aqui é apenas e tão somente a autorização legal, com base em ato normativo primário, para acesso de dados pelo IBGE – entrevistas que, repito, poderão ser recusadas pelas pessoas contatadas", argumentou em sua manifestação.

As ações foram apresentadas no dia 20 de abril, 72 horas após a edição do texto pelo Executivo. Quatro dias depois, a relatora do caso, ministra Rosa Weber, suspendeu os efeitos da MP com o fim "de prevenir danos irreparáveis à intimidade e ao sigilo da vida privada de mais de uma centena de milhão de usuários dos serviços de telefonia fixa e móvel". 

Em seu voto, também dado na quarta-feira, Rosa Weber repetiu os argumentos e defendeu que a legislação editada pelo Executivo é falha. "Nada obstante, a MP 954 não apresenta mecanismo técnico ou administrativo apto a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados, vazamentos acidentais ou utilização indevida, seja na sua transmissão, seja no seu tratamento", afirmou em seu voto a ministra. "A MP não oferece proteção suficiente aos relevantes direitos fundamentais em jogo".

A falta de dispositivo legal para manter os dados seguros é um dos pontos mais criticados da medida. "A medida não detalha e coloca exigências fundamentais de quando estes dados serão destruídos, não exige uma auditoria independente nem cria uma comissão da sociedade civil para saber como estes dados estão sendo guardados", disse o professor associado da UFABC (Universidade Federal do ABC), Sérgio Amadeu da Silveira.

Sérgio, que também é membro do CGI (Comitê Gestor da Internet) no Brasil, lembra que a transmissão de dados sensíveis torna a medida incabivel. "No mínimo, a medida provisória tem de ser reescrita. Ela não pode entrar em vigor sem tais garantias".

Na quinta-feira (7), os ministros seguiram o entendimento da relatora e referendaram a  medida cautelar: "Não se trata de qualquer tipo de desconfiança em relação a instituição, e muito menos uma desconfiança pessoal, mas o  reconhecimento de que há um enorme risco envolvido aqui, sem que a MP nos tranquilize sobre a segurança e as cautelas adotadas", explicou em seu voto o ministro Luis Roberto Barroso.

Único voto vencido, o ministro Marco Aurélio apontou em seu voto para uma "seriedade inafastável" do IBGE, que só terá acesso aos dados enquanto estiver impossibilitado de ir às residências. O ministro também registrou que a MP tem um trâmite diverso dos tribunais: "Medida Provisória que fica submetida ao crivo abrangente do Congresso Nacional, das duas casas legislativas. Da Câmara dos Deputados e do Senado Federal", apontou em seu voto

Na análise da sócia do TozziniFreire Advogados em Brasília, Isabela Pompilio, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) brasileira, que ainda não entrou em vigor, poderia atuar para mitigar riscos como os apresentados numa cessão de dados como essa. "Se requer tudo isso porque vazamentos são como palavras: quando ocorre, o dano já está feito, não sendo possível anular, apenas mitigar os riscos", afirmou. "Quem poderia fiscalizar esta questão seria a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), que ainda nem existe".

Isabela afirma, porém, que mesmo que a LGPD já estivesse em vigor, a MP seria alvo de debate. "Enquanto a LGPD não entrar em vigor, enquanto não existir a ANPD, cessão de dados nessa magnitude e detalhe serão operações complicadas. Mas a discussão travada no STF existiria, porque outros requisitos além da previsão de controle não foram preenchidos", comentou. "Sobram ainda ausência de fundamentação motivada para o compartilhamento, e a definição específica da finalidade, assim como a necessidade destes dados. Mesmo se existisse a LGPD, a MP ainda seria motivo de ataque"

Tanto Isabela quanto Sérgio Amadeu consideram que a medida não é justificável por conta de uma pandemia. "O combate à pandemia não deve ser feito com a destruição de direitos e garantias individuais e coletivas. Combater uma pandemia desta manteira traz efeitos no presente e no futuro que não sabemos medir, e não podemos aceitá-los", comentou Sérgio. "Não se pode utilizar a pandemia como uma carta branca para a utilização de dados. O direito tem que ser sempre preservado", afirmou Isabela. 

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