Decisão do STF impõe derrota de R$ 230 bi ao governo brasileiro

Sentença é considerada uma das teses jurídicas mais importantes dos últimos anos/Marcelo Casal Jr/Agência Brasil
Sentença é considerada uma das teses jurídicas mais importantes dos últimos anos/Marcelo Casal Jr/Agência Brasil
Exclusão do ICMS do cálculo de PIS e Cofins vai valer a partir de 2017.
Fecha de publicación: 13/05/2021

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, nesta quinta-feira (13), que os efeitos do RE (Recurso Extraordinário) 574.706, onde se definiu a não inclusão do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) na base de cálculo do PIS e da Cofins, só serão válidos a partir de 2017, quando houve a publicação do acórdão da tese. 

A decisão encerra a chamada "tese da década", que atinge a maioria absoluta dos contribuintes brasileiros, assim como os cofres da União, que sofrerá uma queda de arrecadação na casa das centenas de bilhões de reais – apesar de menor que a esperada.


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Os ministros deram votos ponderando com cautela o alto valor da causa – que pode chegar a R$ 230 bilhões. "Não é o fato só de existir o impacto econômico, capaz de gerar uma crise econômica e desequilíbrio fiscal – isso somado à constatada virada de jurisprudência", ressaltou o ministro Alexandre de Moraes, que acompanhou integralmente o voto de Cármen Lúcia. "Se não houvesse esta alteração, nem estaríamos discutindo a alteração. Se não modularmos e dermos efeitos retroativos, isso em um momento de normalidade já acarretaria uma crise fiscal econômica gigantesca. Num momento de pandemia, num momento onde faltam recursos, inclusive para a saúde pública, não me parece que seja a melhor política judiciária de interpretação".

Luis Edson Fachin apresentou divergência, negando provimento aos embargos da União. Na visão do ministro, a modulação buscaria alcançar o equilíbrio orçamentário às custas dos contribuintes. "A admissão da modulação neste caso propiciaria que as consequências jurídicas fossem preteridas em relação às financeiras, o que contraria uma das ideias essenciais do Estado Democrático de Direito", pontuou. Rosa Weber acompanhou este voto.

O ministro Luis Edson Barroso, assim como o ministro Nunes Marques, abriu uma divergência para considerar os efeitos a partir de 2017 – mas o que deve valer é o ICMS recolhido. "Esse ICMS da operação anterior vai gerar um direito ao creditamento e a posterior compensação. Portanto, não é um valor recolhido pelo contribuinte, não se tratando a meu ver, de parcela de ICMS a ser recolhido, não vejo razão pela qual ela deveria ser excluída da base de cálculo", ponderou Barroso. "Esse valor da operação anterior foi pago como preço pela mercadoria, e não é destinado ao fisco estadual. Se ele é preço, e não é tributo, deve ser equiparado a faturamento, tendo que ser excluída da base de cálculo a parcela do ICMS efetivamente recolhida."

O presidente Luiz Fux deu o último voto acompanhando a relatora. Fux se disse convencido que o acórdão dado em 2017 não continha nenhum impeditivo para sua aplicação. "Ela não deixou pedra sobre pedra. Ela respondeu a todas as indagações sobre qual é a base de cálculo do PIS e da Cofins em relação o ICMS e estabeleceu a modulação, por uma questão exatamente de segurança jurídica, ponderando também essa questão relativa às dificuldades que a Fazenda Pública vai enfrentar em razão da possibilidade de ações propostas e de débitos deste período prescricional precedente."  

Ontem (12), ao iniciar o julgamento, a relatora Cármen Lúcia encaminhou tese para que os efeitos de modulação passem a valer apenas a partir de 13/5/2017, data da publicação do acórdão. A decisão acolheu, em parte, o pedido feito pela União em embargos.

A discussão sobre a inclusão do imposto estadual na base de cálculo das contribuições federais já dura mais de duas décadas, e chegou a uma conclusão em prol dos contribuintes, em março de 2017, quando o Plenário da corte formou maioria pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. 

A Fazenda Nacional considera o caso crítico, por promover uma redução drástica na arrecadação tributária. No cálculo mais recente, previsto na Lei Orçamentária Anual de 2020, o impacto de uma decisão totalmente favorável aos contribuintes pelo STF, considerando efeitos ex tunc e com o ICMS efetivamente pago, poderia gerar um rombo de R$ 45,8 bilhões por ano, ou R$ 229 bilhões sobre valores nos últimos cinco anos. 

Decisão relevante

A conclusão do Recurso Extraordinário deixou, por anos, tributaristas em compasso de espera. Tal importância era vista no número de processos sobrestados aguardando a decisão: seriam 9.365, segundo Luiz Fux.

Para o sócio do LTSA Advogados, Allan Fallet, a tentativa de rediscussão do mérito pela PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) jamais deveria ter ocorrido. "Isso foi muito bem alertado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurelio" pontuou. O tributarista também elogiou a postura da ministra Cármen Lúcia em colocar limites aos pedidos da União.

O tributarista lamenta que o apelo econômico influenciou na decisão. "O desrespeito ao princípio da segurança jurídica ocorre quando a legislação ordinária estabelece um novo ônus tributário aos contribuintes sem que sejam respeitadas as diretrizes jurisprudenciais", disse "sendo certo que a certeza tributária será concretizada quando os órgãos julgadores se posicionarem de forma rápida e com a independência esperada."

O tributarista e sócio do escritório Daniel e Diniz Advogados, Diego Diniz Ribeiro, também analisou a decisão tomada pela corte. "Em relação à modulação, a Corte acabou proferindo uma decisão 'salomônica'", comparou. "Todavia, há um problema: o Ministro Barroso não modulou nos termos da posição maioria, já que elegeu outro marco temporal, o que afastaria o quórum qualificado de 2/3 para esse fim. Talvez essa questão ainda suscite debates por meio de novos embargos de declaração", alertou.

A advogada do contencioso tributário do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados, Ana Cristina Mazzaferro, a decisão abre um novo horizonte para os contribuintes. "Diversos contribuintes, que aguardavam a definição do tema para a utilização total do crédito que já havia sido apurado, poderão utilizar sem receio a totalidade do crédito, ou até mesmo efetuar restituições na via administrativa dos valores recolhidos indevidamente a tal título a partir de 2017", comentou. 

Na modulação de efeitos, ela espera que a corte aplique a mesma tese a outras questões, tais como a  tributação previdenciária das verbas a título de terço constitucional de férias, decidida recentemente.

O sócio do sócio do Sobral Advogados, Otto Sobral, considerou a decisão como "técnica". "Eventual decisão que limitasse a exclusão ao imposto recolhido representaria um rompimento e impactaria todos os contribuintes que reconheceram em sua contabilidade os ganhos advindos das respectivas ações judiciais com base no imposto destacado e compensaram tais valores", reconheceu.

Apesar da estabilidade do entendimento sobre a inconstitucionalidade, alegou Otto, o esforço da União com fundamentos consequencialistas, do impacto nas contas públicas, resultou na modulação dos efeitos. "As sucessivas modulações em matéria tributária, reforçam a cultura da judicialização", concluiu.


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A tributarista Marcela Guimarães, sócia do Marcela Guimarães Sociedade de Advogados, aponta aspectos negativos na modulação de efeitos. "Muitas pessoas jurídicas optaram por distribuir o mandado de segurança relativo a essa tese após o julgamento realizado pelo STF em 15/03/2017", comentou. "Assim, esses contribuintes em particular somente poderão recuperar os valores pagos após a referida data, sem a possibilidade de repetir os valores pretéritos."

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