Direito das mulheres no Brasil: avanços da legislação no último ano

Apesar de o Brasil ter uma legislação avançada na defesa dos direitos das mulheres, ainda falta vigilância/Canva
Apesar de o Brasil ter uma legislação avançada na defesa dos direitos das mulheres, ainda falta vigilância/Canva
Normas tratam de violência política, perseguição e defesa de vítimas sexuais no processo legal.
Fecha de publicación: 07/03/2022

O Dia Internacional da Mulher, comemorado neste 8 de março, marca a luta de anos por direitos igualitários. Historicamente, os direitos dos homens se sobrepuseram aos direitos das mulheres. Enquanto os homens tinham direitos políticos, podiam estudar e trabalhar fora, as mulheres eram submetidas apenas às tarefas domésticas. 

Essa diferenciação entre os gêneros deixou marcas profundas na sociedade, que até hoje é marcada pelo patriarcado. Como consequência, vemos a violência contra a mulher aparecer de diversas maneiras em diferentes áreas da vida social. Elas podem ser violências físicas, psicológicas, sexuais, patrimoniais e morais. 

Todos esses tipos de violência são estabelecidos na Lei Maria da Penha, uma das principais leis no combate à violência contra a mulher. Com 46 artigos, ela cria mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em conformidade com a Constituição Federal e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro.


Leia também: Brasil quer diminuir violência contra as mulheres com mais penalidades


Mesmo sendo considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como a terceira melhor lei do mundo no combate à violência contra a mulher, ela ainda sofre com alguns obstáculos para a sua aplicação, como a dificuldade de algumas mulheres denunciarem esse tipo de agressão e a dificuldade de alguns agentes do Estado de internalizar essa cultura de proteção à mulher.

Para além da Lei Maria da Penha, o Brasil conseguiu avançar em outras matérias que protegem os direitos das mulheres. No último ano, foram aprovadas leis que tratam de violência política, perseguição e defesa de vítimas sexuais no processo legal. LexLatin consultou algumas advogadas para avaliar três novas legislações.

Lei do Stalking

Aprovada em abril de 2021, a Lei do Stalking tipifica o crime de perseguição e prevê pena de reclusão de seis meses a dois anos e multa para esse tipo de conduta. Essa lei beneficia as mulheres em especial, pois se o crime de perseguição for praticado contra mulheres, crianças, adolescentes ou idosos, a pena aumenta em 50%. 

A lei identifica o stalking como “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.

A autora do projeto de lei, senadora Leila Barros (PSB-DF), destaca que o avanço das tecnologias e o uso em massa das redes sociais trouxeram novas formas de crimes. Ela acredita que o aperfeiçoamento do Código Penal era necessário para dar mais segurança às vítimas de um crime que muitas vezes começa on-line e migra para perseguição física.

“É um mal que deve ser combatido antes que a perseguição se transforme em algo ainda pior. Fico muito feliz em poder contribuir com a segurança e o bem estar da sociedade. Com a nova legislação, poderemos agora mensurar com precisão os casos que existem no Brasil e que os criminosos não fiquem impunes como estava ocorrendo”, afirma.

Na visão de Ludmila Leite, sócia da área penal do Lefosse, a lei representa um “avanço no combate à violência contra as mulheres, uma vez que passou a tipificar condutas que sempre assombraram as mulheres, mas que não eram classificadas como crime, mas tão somente como contravenção penal. Agora, a conduta de “stalking” prevê penas mais rigorosas e um espaço maior para a atuação das autoridades investigativas”. 

No entanto, a advogada destaca que a nova lei revogou o artigo 60 da Lei de Contravenções Penais, fazendo com que as pessoas que responderam ou estavam respondendo pela prática de condutas que, hoje, seriam classificadas como “stalking”, deixaram de responder pelos fatos – em razão da abolitio criminis – e também não responderão pelo novo crime. 

Um mês depois de aprovada, o Estado de São Paulo registrou 686 queixas de stalking. O número equivale a uma média de 23 queixas por dia. Pouco mais da metade (50,6%) dos registros foi feita pela internet, o mesmo caminho usado pelos criminosos para perseguir e ameaçar.

Violência política

A Lei 14.192 foi sancionada no ano passado, mas é essencial para esse ano marcado pelas eleições. A lei define e pune a violência política contra a mulher, proibindo a discriminação e desigualdade de tratamento por gênero ou raça em todas as instâncias de representação política e no exercício de funções públicas. Além disso, veda propagandas eleitorais que depreciem a condição da mulher ou estimulem sua discriminação por gênero, cor, raça ou etnia.

Essa lei surge da necessidade de proteger mulheres que, em campanha ou eleitas, sofrem ameaças, xingamentos e desmerecimentos. Elas são constantemente submetidas a questionamentos sobre a vida pessoal, aparência física, forma de vestir e até assédio sexual.

Essas violências são consideradas uma das causas da falta de representatividade das mulheres na política e nos espaços de poder e decisão. 

Com a aprovação, será punida qualquer ação que impeça ou restrinja os direitos políticos das mulheres nos partidos e movimentos sociais durante a campanha eleitoral ou ao longo do mandato. A pena pode variar de 1 a 4 anos de reclusão e multa. Se a agressão for cometida contra mulher gestante, com deficiência ou maior de 60 anos, a punição pode ser agravada em um terço. 

Juliana Bignardi Tempestini, advogada criminalista do Bialski Advogados, destaca que a lei vem quase 90 anos após a conquista do voto feminino no Brasil, em um contexto em que a representatividade feminina na política passa por importantes transformações, ganhando voz em seus projetos e iniciativas. 

“Apesar disso, constantemente nos deparamos com tristes episódios que tentam tirar a credibilidade da mulher parlamentar no embate cotidiano. Isso por meio de assédios, discussões com uso de termos pejorativos, propagação de fake news ou tantas outras formas de constranger o trabalho daquela profissional. Diante disso, a nova lei garante ferramentas para coibir episódios que possam reprimir a atuação feminina na política, podendo ser considerada inclusive uma forma de incentivo à filiação de novas parlamentares interessadas em atuar socialmente em prol de seus interesses e de sua classe”, avalia.

Lei Mariana Ferrer

A Lei Mariana Ferrer prevê punição para atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual e das testemunhas do processo durante julgamentos. A legislação foi inspirada no caso da influenciadora digital Mariana Ferrer, que denunciou ter sido dopada e estuprada durante uma festa em Santa Catarina, em 2018. 

Durante seu julgamento, a defesa do acusado mencionou a vida pessoal de Mariana, humilhando e desmerecendo a vítima, valendo-se de falsas fotografias íntimas. A nova lei, então, veda a manifestação sobre fatos relativos à vítima e testemunhas que não constem dos autos ou sejam relevantes para a apuração dos fatos objeto da ação.

Também aumenta a pena para o crime de coação no curso do processo, que já existe no Código Penal. O ato é definido como o uso de violência ou grave ameaça contra os envolvidos em processo judicial para favorecer interesse próprio ou alheio e recebe punição de um a quatro anos de reclusão, além de multa. Essa pena fica sujeita ao acréscimo de um terço em casos de crimes sexuais. 

Para as especialistas consultadas, a norma é uma conquista importante, mas é necessário estar atento para a sua efetiva aplicação. 

“A atenção do Legislativo ao tema é uma evolução positiva para a proteção da dignidade e intimidade das vítimas envolvidas em um cenário tão desolador. Mas devemos permanecer vigilantes para garantir a aplicação desta nova lei, garantindo sua eficácia com a punição dos envolvidos em casos como este, evitando que novas vítimas sejam feitas”, afirma Juliana.


Veja também: Lei do Stalking: avanço ou retrocesso para as mulheres?


Ana Manuela Nepomuceno, advogada criminalista e gestora do Núcleo de Violência de Gênero do escritório Daniel Gerber Advogados argumenta que “a revitimização e a recriação da situação de violência, em ambientes onde os direitos dessas mulheres devem ser resguardados e não massacrados, demanda fiscalização e regulação constante. Se iniciou com a determinação de colheita de depoimentos policiais especializados e com acompanhamento psicológico, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido”. 

Para a advogada, o advento desta lei mostra que podemos esperar maiores progressos. “Lacunas sempre irão existir, haja vista que a sociedade está em constante evolução. Todavia, o importante é que haja uma mudança de percepção dos agentes públicos sobre como deve ser o trato pessoal, não só com vítimas de crimes sexuais, mas como com qualquer destinatário da lei penal”, diz.

Apesar das últimas leis aprovadas em prol da proteção da mulher representarem um enorme avanço para o direito brasileiro -  sobretudo ao considerarmos que há não muito tempo o tema sequer era abordado dentro do parlamento - ainda falta fiscalização. Assim como a Lei Maria da Penha, essas novas leis enfrentam desafios para a efetivação. Por mais que sejam importantes avanços, ainda há um caminho longo a ser percorrido para alcançar uma igualdade de gênero.

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