Os direitos trabalhistas da comunidade LGBT latina

A sociedade civil e as organizações internacionais, como a ONU e a OIT, alavancam o progresso em termos de direitos em prol da diversidade. / Raphael Renter - Unsplash.
A sociedade civil e as organizações internacionais, como a ONU e a OIT, alavancam o progresso em termos de direitos em prol da diversidade. / Raphael Renter - Unsplash.
Pesquisas recentes no México e na Argentina revelam que o local de trabalho é o local onde a maior discriminação é percebida.
Fecha de publicación: 28/06/2022

A comemoração de uma luta contínua na busca de direitos para a comunidade LGBTIQPA+ encontra entre seus principais desafios a conquista do mercado de trabalho. O pós-pandemia cobrou seu preço com alta informalidade. Nela estão incluídos diversos grupos vulneráveis, entre os quais se destacam as pessoas de diversas orientações sexuais e identidades de gêneros, que têm sido alvo de violência estruturada e sistemática exercida pela heteronorma, homofobia, transfobia e/ou bifobia, uma série de manifestações de ódio à diversidade.

Embora desanimadora, a descrição desse panorama revela uma realidade conhecida: a Pesquisa sobre Discriminação na Cidade do México (EDIS) 2021 indica que o local de trabalho é o espaço onde as pessoas pesquisadas sofrem mais discriminação e a terceira causa de tal percepção está relacionada com as preferências sexuais. 

Para 2022, os números do Instituto Mexicano de Competitividade (IMCO) dão consistência a esses dados: seis em cada dez pessoas consideram que sua orientação é um obstáculo na procura de trabalho. Isso só no México, um dos três países da região que incorporou em sua Constituição a proibição da discriminação por identidade e orientação sexual. 

“O México tem, por um lado, uma proibição em nível constitucional, com palavras que nos fazem pensar que efetivamente todas as pessoas estão protegidas dos fenômenos de discriminação e violência. Mas uma vez que transferimos isso para o campo criminal, não se torna uma circunstância agravante, não é algo que realmente importe”, diz Alix Trimmer, sócio do Ferrán Martínez Abogados, escritório mexicano especializado em direito do trabalho. 


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Quando olhamos para a América Central e o Caribe, a realidade se torna mais sombria. Como nos lembra o Centro Estratégico Geopolítico Latino-Americano (CELAG), pelo menos nove jurisdições ainda criminalizam a diversidade sexual com penas que variam de 5 a 15 anos. 

A este panorama de intolerância se somou um fato recente que não contempla garantias para um mercado de trabalho seguro: a nomeação da Cidade da Guatemala como capital pró-vida ibero-americana, por seu Congresso em março deste ano. Isso foi acompanhado pela aprovação de um pacote de medidas estabelecido na Lei 5.272, também identificada como a Lei de Proteção à Vida e à Família. Ela proíbe o ensino da diversidade sexual como parte do currículo escolar e aumenta as penas de 3 para 10 anos para mulheres que interrompem a gravidez.

Mais ao sul do bloco latino-americano, Colômbia e Chile aparecem com o que parece ser um futuro mais promissor. Na Colômbia, com a recente vitória presidencial de Gustavo Petro, o candidato com maior número de propostas a favor da diversidade —oito contra duas apresentadas pelo candidato da oposição. Além disso, no Chile, está aberto o processo de reescrita da Constituição, que inclui, como relatou o presidente Gabriel Boric em sua conta pública, a criação de um "grupo de trabalho governamental e interministerial sobre os direitos das pessoas LGBTQIA+" 

Na Argentina, onde a sociedade e a academia são referências importantes na luta pelos direitos civis, uma pesquisa da Câmara de Comércio LGBT Argentina e da consultoria Bridge The Gap, de 2021, nos faz voltar ao que foi dito no início. Mais de 90% das pessoas da comunidade consultada "considera que há discriminação no ambiente de trabalho". Nada está mudando? Está, mas o impulso não vem do Estado. 


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Do papel para mudança de mindset

Ao panorama dinâmico e pulsante das políticas públicas, somam-se os esforços da sociedade civil e de organizações internacionais para apoiar e dar plataforma para a vontade de mudança na região. Deixando de lado o 'rainbow washing', amplamente alertado este ano, podemos registrar uma importante e concreta aproximação entre os agentes que buscam materializar a transformação do mercado e alcançar a abertura, valorizando a diversidade e a inclusão e o cumprimento dos ESG (sigla em inglês: environmental social and governance), como parte do que torna uma organização mais competitiva. 

Os passos dados pelas Nações Unidas com seu kit de Ferramentas de Normas de Conduta LGBTIQ e as contribuições da OIT, por meio de suas conclusões sobre como transformar empresas por meio da diversidade e da inclusão, são evidências concretas. 

De acordo com Alexandra Ivanka Ortiz, sócia da PPO Legal, na Bolívia, a equidade de gênero e o reconhecimento da diversidade acabam de ser colocados em pauta. Segundo Ortiz, o impulso terá que vir do setor privado e internacional. 

“Acredito que ainda há um longo caminho a percorrer para a adoção e implementação de medidas ou planos que promovam a inclusão laboral de pessoas da comunidade LGBT em empresas locais e ambientes de trabalho seguros. A adoção de ferramentas de negócios promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) será implementada na medida em que empresas multinacionais com presença na Bolívia marquem essa tendência com protocolos de implementação”, explica.    

Além do México, Bolívia e Equador são os outros dois países que incluíram em sua Constituição a proibição de discriminação por identidade e orientação sexual. Esta última não só foi pioneira na região, mas também a segunda no mundo quando foi incluída em 1998. 

Diego Corral, sócio da Robalino, garante que embora ainda haja um longo caminho a percorrer, há, certa medida, uma mudança cultural palpável no mercado equatoriano. 

“Tornar-se empregador em igualdade de oportunidades tornou-se uma obrigação, todo perfil deve ser estudado e a contratação deve ser baseada na experiência e no mérito. O tratamento discriminatório com base na identidade ou orientação de gênero é considerado assédio no local de trabalho e as empresas devem ter processos de denúncia e sanção. A noção de cotas ou discriminação positiva foi modificada, substituindo-a por práticas de atração, criando ambientes de trabalho ideais para pessoas com diversidade de gênero”, detalha.  

Ortiz e Corral destacam o reconhecimento do setor corporativo dos conceitos de ESG e D&I (sigla em inglês: diversity and inclusion) como guias para a valorização dos recursos humanos. Ao mesmo tempo, ambos reconhecem que o cumprimento de regulamentações e acordos é 'ainda incipiente'. 

“Embora tenha havido avanços positivos e existam regulamentações fortes de acordo com os padrões internacionais, o problema está na aplicação dessas regulamentações. Em várias empresas ainda existe discriminação na forma de microagressões. Embora as contratações sejam realizadas, as atividades de inclusão sejam realizadas e as estatísticas sejam geradas de várias empresas, a realidade é que os membros da comunidade LGBTIQ+ não são considerados na tomada de decisões ou na interação com os clientes”, diz Diego Corral. 


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O cenário descrito pelo advogado equatoriano difere em termos de dados daquele presenciado na Bolívia por Alexandra Ivanka Ortiz. Segundo a advogada, a falta de informação é uma grande limitação para otimizar e evoluir estratégias em termos de inclusão. 

“No momento, no nível boliviano há uma lacuna nos dados sobre o volume da Comunidade LGBT e, consequentemente, sua inclusão, já que não há índice de inclusão LGBT. Nesse contexto, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) anunciou seu compromisso de liderar o desenvolvimento de um Índice de Inclusão LGBTI que possa servir de base para identificar estratégias de desenvolvimento baseadas em evidências para promover a inclusão LGBTI e mitigar essa brecha”, assegura.

A alavancagem de organizações internacionais tem sido essencial para essa luta por direitos em favor da diversidade. Em abril deste ano, o México foi um dos primeiros países a ratificar a Convenção 190 da OIT sobre violência e assédio no local de trabalho. Alix Trimmer comemora o marco como parte dos sinais de um futuro promissor.  

“Embora este Acordo (190) tenha um foco maior no grupo que as mulheres compõem, ele também pode se refletir em melhorias para a comunidade LGBT. Portanto, estamos antecipando que a adequação legislativa em razão de sua ratificação possa incluir globalmente a comunidade. Para protegê-lo, para criar espaços de trabalho seguros e evitar que sejam violados de qualquer forma e, especificamente, no desenvolvimento das relações de trabalho”.  


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Uma manifestação da violência estrutural ainda perpetrada pelos Estados está ligada às poucas garantias no mercado de trabalho para reinserção de pessoas desempregadas de sexo diverso. Diego Ortiz observa como isso se acentua principalmente quando as pessoas da comunidade têm empregos pontuais. 

“No que diz respeito aos trabalhadores ocasionais, observa-se que a pandemia significou um retrocesso. Como há alta demanda e baixa oferta de mão de obra, os elementos do patriarcado, como o medo do diferente, fazem com que as pessoas LGBTIQ+ não sejam contratadas ou, se forem, sejam tratadas com maiores exigências. Isso é mais evidente com pessoas trans, que continuam sendo forçadas e forçadas a empregos precários e perigosos.” 

A estrada é sinuosa e ainda há um longo caminho a percorrer. Os especialistas destacam o despertar e os avanços conquistados. O que, nas palavras de Alexandra Ivanka Ortiz, se deve “ao seu próprio mérito” e à visibilidade da comunidade LGBT empenhada em “preencher a lacuna de inclusão laboral e melhorar as oportunidades de empregabilidade”. 

Embora seja necessário continuar a trabalhar arduamente para que as mudanças se manifestem ao nível das políticas públicas, não podemos ignorar que existe um espírito transformacional de outras frentes. Para atendê-lo, como afirma Diego Corral, "é preciso melhorar a cultura das empresas, não basta colocar os ideais no papel".

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