É possível reformar a reforma trabalhista?

O ex-presidente Lula elogiou a revisão da reforma na Espanha - o que alimentou rumores sobre o mesmo no Brasil/ Marcelo Camargo/Agência Brasil
O ex-presidente Lula elogiou a revisão da reforma na Espanha - o que alimentou rumores sobre o mesmo no Brasil/ Marcelo Camargo/Agência Brasil
Proposta, inspirada na Espanha, ganha corpo entre setores à esquerda. Advogados apontam problemas práticos.
Fecha de publicación: 13/01/2022

Começou com o caso da Espanha - que iniciou o ano de 2022 com uma nova reforma trabalhista, mais alinhada aos interesses dos empregados e mais protetiva aos seus direitos. As alterações feitas há dez anos pelo país ibérico fizeram explodir o número de contratos temporários no país, a ponto de mais de um em cada quatro contratos de trabalho por lá serem temporários. Desde o início do ano, este tema - assim como desequilíbrios em negociações coletivas e acordos entre os trabalhadores e empresários - está sob nova jurisprudência.

Mas foi o elogio do presidente espanhol, Pedro Sánchez, ao ex-presidente Lula que chamou a atenção para o tema no Brasil. O aceno foi com razão clara - pelo auxílio que o brasileiro deu na construção desta nova lei. Foi questão de tempo que figuras políticas brasileiras, de oposição ao atual governo, passassem a indicar que uma revisão da reforma trabalhista firmada por aqui em 2017, um dos símbolos da política pós-impeachment de Dilma Rousseff, seria inevitável.


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Especialistas ouvidos por LexLatin indicam que as mudanças feitas pela Lei nº 13.467/2017 geraram uma nova realidade ao mercado de trabalho no país - que não indica ser positiva tanto para o trabalhador, quanto para a sociedade como um todo, e que uma revisão da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) é plenamente cabível. Há divergências, no entanto, sobre para que lado deveria ser esta discussão.

Olhando friamente para os números, a reforma trabalhista brasileira não trouxe o dinamismo que o mercado trabalho precisava - e que, defendiam seus apoiadores, viria logo após a revisão da lei de 1943: a taxa de desemprego permanece alta no Brasil há vários anos, e 12,6% dos brasileiros estavam desempregados no terceiro trimestre do ano passado (em 2014, eram em torno de 4%). 

O mercado de trabalho também respondeu com a edição de novas vagas que, no entanto, não suprem a qualidade dos empregos perdidos: com condições de trabalho mais precárias e salários menores, o fenômeno de “uberização” aumentou a fragilidade dos direitos do empregado, que acabaram exacerbados em um evento extraordinário como a pandemia de Covid-19.

Por isso, a proposta não foi vista com bons olhos por parte dos analistas. “A reforma trabalhista se tratou de uma contrarreforma, de um desmonte de todo um arcabouço que disciplinava as relações de trabalho”, avaliou a diretora-adjunta do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Patrícia Pelatieri

Na visão da economista, o desemprego e a queda na renda do brasileiro geraram um ciclo vicioso, um atoleiro do qual a economia não consegue sair. “Nós já tínhamos esses sinais em 2019. E por mais que Bolsonaro e Guedes falassem em ‘recuperação em “V”’, não há nenhum sinal ou indicador disso.”

O entendimento de que a reforma deixou a desejar também foi apontado pelo sócio da área Trabalhista do Demarest, Eduardo Alcântara Lopes. “No que tange à questão da empregabilidade, a reforma não foi tão positiva quanto se esperava”, disse o advogado, ressaltando que a mudança legislativa influencia, mas não é a principal razão para a persistência do desemprego. “Isso influencia diretamente, não há dúvida, mas há questões e componentes econômicos que a gente não pode deixar de lado quando se fala em número de empregos.”

Outro ponto que incomoda tanto a empresários quanto empregadores é a jurisprudência sobre a reforma, que ainda não está definida. Eduardo calcula que ao menos oito temas da Lei de 2017 ainda dependem de julgamento na Suprema Corte. 

“Não há pacificação e não temos como falar em pacificação, porque ainda há temas passíveis de pacificação”, salientou o advogado. “A reforma trabalhista está se assentando no nosso ordenamento jurídico e isso vai levar tempo. Inclusive se, em um governo futuro, houver uma medida para revogar ou alterar a reforma trabalhista em alguns pontos, o cenário que a gente vai ter o de jurisprudência, inclusive para nós advogados, será uma questão muito litigiosa.”

Mas, caso realmente haja essa intenção de se rever novamente a Lei, para que lado ela deve ir? As opiniões divergem: Eduardo acredita que temas como teletrabalho e a prevalência da negociação em relações de emprego poderiam ser estendidas, aprofundando a atualização de uma lei publicada durante a ditadura de Getúlio Vargas (1930-1945).

Domingos Fortunato, sócio do escritório Mattos Filho, defende uma reforma trabalhista ainda mais ampla que a definida pelo governo de Michel Temer. “[A revisão da reforma] É importante mas não para revogá-la,e  sim aprofundá-la”, defendeu. “A CLT, editada em 1943, não corresponde mais aos anseios da modernidade”, disse, lembrando que apenas cinco artigos no texto tratam sobre a possibilidade do teletrabalho, modalidade quase onipresente em grande parte das atividades após a pandemia.


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Temas como a reforma sindical poderiam ser abordados nesta segunda fase, propôs Domingos. “Uma reforma trabalhista precisa ser mais profunda e mais significativa. Não dá para ter uma legislação anacrônica, querendo regular todos os pontos da relação de trabalho”, pontuou. O objetivo teria de abarcar também os anseios de uma nova geração de profissionais “O modelo clássico de emprego, de uma pessoa que fica recebendo ordens a vida toda, não existe mais.” 

Patrícia Pelatieri acredita que um retorno a uma CLT pró-trabalhador é a única maneira de o país sair competitivo da pandemia de Covid-19. “A reforma trabalhista impossibilita a retomada econômica, porque ela precarizou demais o mercado de trabalho”, argumentou a diretora-adjunta do Dieese. As consequências diretas são a redução da renda do trabalho e o mercado do consumidor, empobrecendo a maior parte da população brasileira. “E uma população pobre não desenvolve o país e não ajuda no processo de desenvolvimento. E nós temos um enorme mercado interno, no momento este mercado está absolutamente empobrecido.”

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