O processo de privatização da Eletrobrás avança no cenário político e regulatório brasileiro, mas ainda há inúmeros desafios para que o leilão da companhia, uma das joias da coroa do país, efetivamente saia do papel. O desafio é estruturar como será o papel do governo nesse novo cenário, sem o controle acionário da companhia. Outra questão importante tem relação com as consequências dessa venda no que importa para os consumidores, a conta de luz, se há no horizonte dessa mudança possíveis aumentos, além dos incentivos sociais para as famílias mais carentes. Tem também a necessidade de modernizar o sistema e dinamizar as formas de geração de energia, com fontes sustentáveis como a eólica, ligada às práticas ESG.
Na semana passada o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou o modelo de privatização da estatal, hoje a maior empresa de energia da América Latina. Com isso, a previsão mais otimista de alguns especialistas é que o leilão da companhia possa ser realizado até agosto.
Leia também: Rankings jurídicos: o que é preciso fazer para estar neles
Antes de passar pelo TCU, a venda da estatal foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada em 2021. O tribunal já havia estabelecido também, no início de 2022, a modelagem financeira da desestatização. Agora ficou definida a forma como a empresa irá para controle acionário privado e a venda de papéis.
Com a capitalização da companhia, a previsão é de que o governo reduza sua participação de 72% para 45%, o que ainda garante a influência do Estado brasileiro na empresa. O projeto estipula duas exceções: a Itaipu Binacional e a Eletronuclear. A participação da Eletrobras nestas companhias passa para a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBpar), estatal criada em setembro do ano passado, o que mantém o controle do governo sobre essas empresas.
O argumento do governo para a venda da estatal, que tem 13 mil funcionários, é a melhoria da capacidade de investimento e um possível desenvolvimento do setor energético nacional. Hoje, a estatal é responsável por praticamente metade das linhas de transmissão e um terço da capacidade geradora de energia elétrica em todo o país e vem registrando lucros líquidos desde 2018. Só no primeiro trimestre de 2022 o lucro líquido foi de R$ 2,7 bilhões. A questão do lucro seria um argumento forte para manter a Eletrobras nas mãos do Estado, segundo os especialistas.
Caso a privatização avance, será preciso validar a transação na Comissão de Valores Imobiliários (CVM), responsável pelo mercado de valores e também na Securities and Exchange Commission (SEC), a CVM americana, já que a estatal brasileira tem ações que são negociadas nos EUA. Logo depois será preciso apresentar a companhia a potenciais investidores, o que é chamado pelo mercado de road show. Em seguida vem a etapa de venda efetiva na Bolsa de Valores brasileira.
As questões jurídicas e políticas da privatização
Leandro Gabiati, cientista político e analista de infraestrutura latino-americano, avalia que a privatização é um processo complexo e muitos dos desdobramentos só poderão ser avaliados no andamento das negociações ou depois de concluída a venda, principalmente para o consumidor. “Quem é a favor da privatização que diz que haverá redução na tarifa, quem é contra afirma que haverá uma elevação de custos. Sob a perspectiva de mercado, você está diminuindo a participação estatal e está passando o controle para o setor privado”, diz.
Rosi Costa Barros, sócia da área de Energia e Recursos Naturais do Demarest Advogados, avalia que o processo está seguindo o fluxo de uma maneira juridicamente adequada, mas para os investidores alguns aspectos relacionados à governança podem preocupar um pouco, já que ainda haverá participação da União na empresa, com inclusive poder de veto do governo para algumas deliberações.
“Alguns aspectos relacionados à privatização e ao detalhamento de valores ainda estão pendentes de ajustes, talvez esse seja um ponto que possa sofrer críticas e/ou resistência de algumas organizações contra a privatização”.
A advogada explica que com a possível privatização, as usinas de geração de energia, cujo regime de concessão é por cotas ou concessão de serviço público, passam a ser exploradas no regime de produção independente de energia, o que tem o potencial de gerar uma redução de encargos e incremento da competitividade de energia no mercado e uma possível redução do preço da energia.
Mas podem acontecer questionamentos e demandas na tentativa de travar ou adiar a privatização. “Um fator que pode ser um obstáculo é a eventual pressão política, em razão das eleições presidenciais, bem como demandas de algumas organizações que podem questionar elementos relacionados à privatização”, afirma.
O cientista político André Pereira César avalia que há grandes chances de a privatização não acontecer nesse ano e ficar para o próximo mandatário. “O atual governo luta pela privatização da Eletrobras porque ela é um dos símbolos da campanha de Jair Bolsonaro de 2018. Tem o viés liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes. Quando ele assumiu o governo, prometeu arrecadar muito com as privatizações, mas na prática isso não aconteceu. Essa venda é muito importante no plano simbólico e seria uma demonstração de força e um recado para os mercados, para continuar a apoiar o atual governo”.
Veja também: Larissa Arruy: O papel do advogado in-house nas fintechs
Mas no horizonte da conjuntura política tem a posição contrária do líder nas pesquisas até agora, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele já manifestou intenção de rever o processo, caso seja eleito em outubro. “A privatização não resolve o problema. O que resolve é crescimento econômico, é geração de emprego”, afirma o ex-presidente. “Se vender a Eletrobrás, acabou um programa como o Luz Pra Todos”.
A discussão promete seguir quente nos próximos meses e ser um ponto importante na campanha eleitoral. Se a privatização vai ser boa para o país e para o setor elétrico, ainda é um mistério. “Você se desfaz de ativos importantes e há uma série de núcleos estratégicos de infraestrutura no guarda-chuva da Eletrobras. É preciso ver qual será a destinação disso. Pode entrar dinheiro em caixa, mas ele se queima e ficamos sem uma estatal de peso. Eu creio que no fim dessa história seria melhor manter a companhia, mas em novas condições”, analisa André César.
Add new comment