Eleições 2020: debate sobre a condenação em segunda instância afeta Lei da Ficha Limpa?

Lei determina que juízes eleitorais, tribunais regionais e mesmo o TSE julguem a inelegibilidade, a depender do cargo a que o candidato irregular dispute/Antonio Augusto/Ascom/TSE
Lei determina que juízes eleitorais, tribunais regionais e mesmo o TSE julguem a inelegibilidade, a depender do cargo a que o candidato irregular dispute/Antonio Augusto/Ascom/TSE
Para advogados eleitorais, a lei – em seu oitavo ano – ainda tem graves falhas
Fecha de publicación: 22/10/2020

A Lei Complementar 135 de 2010 mudou o paradigma sobre como e quando um candidato a cargo público pode se eleger. O nome popular da Lei de Condições de Inelegibilidade, conhecido como "Ficha Limpa", já inserido e bem aceito pela sociedade – que adotou na sua aplicação, desde as eleições de 2012, um filtro na escolha de candidatos a cargos eletivos no Brasil. Desde casos em cidades pequenas até o mais simbólico na eleição presidencial de 2018, a aplicação da Lei Complementar é tema a cada dois anos.

A lei determina que juízes eleitorais, tribunais regionais e mesmo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) julguem a inelegibilidade, a depender do cargo a que o candidato irregular dispute. Em setembro, o TCU (Tribunal de Contas da União) enviou ao TSE uma lista de 7.554 nomes de gestores públicos que estão com as contas consideradas irregulares pelo tribunal fiscalizatório – o relatório ajuda o TSE a julgar as contas, não sendo um critério de condenação automática.

Após o novo entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a prisão em segunda instância, apoiadores da lei da Ficha Limpa expressaram o temor de que o entendimento sobre a inelegibilidade também mudasse. Apesar de considerarem que os temas são separados, o temor era de que o entendimento de aguardar o fim dos recursos para início da questão penal pudesse se alargar, em algum momento, para a questão eleitoral – o que ainda não ocorreu.

Para o fundador da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), Marcelo Peregrino Ferreira, o debate sobre a condenação em segunda instância não influencia na aplicação da Lei da Ficha Limpa. "O Supremo Tribunal Federal, em contraposição a anos  de jurisprudência pacífica sua, entendeu que no caso da Lei da Ficha Limpa, aquelas decisões precárias de primeiro grau já poderiam gerar inelegibilidade, não havendo necessidade de gerar trânsito em julgado", comentou. 

O entendimento sobre o tema, na Suprema Corte, veio com o julgamento das ADCs (Ação Declaratória de Constitucionalidade) 29 e 30, assim como da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 4578.

Mas, para Peregrino, o mérito da Lei traz mais prejuízos que benefícios ao país. E as críticas são muitas. "A inelegibilidade nada mais significa que impedir que a população e a soberania escolha aquele candidato determinado", afirma o doutor em direito, que também aponta problemas de redação na lei. "E é uma lei que atinge uma cláusula que vem desde a Carta Magna de 1215, que é o princípio da retroatividade maligna. É uma lei que age para prejudicar as pessoas."

Uma das críticas de Marcelo é que o texto não causou o efeito de uma melhora da imagem da gestão pública, uma vez que a sensação de corrupção é crescente no país. A opinião do advogado vai ao encontro de uma pesquisa da ONG Transparência Internacional, que coloca o Brasil em 106º lugar entre 180 países na percepção de corrupção. A nota do Brasil em 2012, primeiro ano da Ficha Limpa, era de 43 – e em 2019 chegou a 35, a pior média histórica pelo segundo ano seguido.

O professor e advogado em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira Eleitoral Renato Ribeiro de Almeida discorda deste entendimento. "Com os dez anos da Lei da Ficha Limpa e a pacificação jurisprudencial acerca de sua constitucionalidade, é possível concluir que essa legislação estabeleceu avanços importantes no combate à corrupção, conclusão que independe da concordância ou não com as questões constitucionais da segunda instância."

"A Lei Complementar 135 definitivamente trouxe avanços no sentido de impedir a elegibilidade de candidatos autores de crimes que tragam dúvida quanto à possibilidade de condução de um mandato probo e regular", explicou o advogado. Renato Ribeiro argumenta, porém, que medidas mais rígidas para moralizar o processo eleitoral e a política como um todo ainda são necessárias. "Entretanto, a Lei da Ficha Limpa não resolveu problemas estruturais de processo, tendo em vista que a legislação se atentou apenas a elencar mais hipóteses de inelegibilidade e suas consequências", disse.

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