Em Brasília, ameaças de Bolsonaro receberam respostas mornas em day after

Bolsonaro, em ato em Brasília: manifestações antidemocráticas não geraram respostas concretas/ Alan Santos/PR 
Bolsonaro, em ato em Brasília: manifestações antidemocráticas não geraram respostas concretas/ Alan Santos/PR 
Senado, Câmara e Supremo Tribunal Federal se manifestaram de maneira pouco efetiva
Fecha de publicación: 08/09/2021

O 8 de setembro amanheceu, em Brasília, parecido com o sete de setembro: um dia de sol sem nuvens, extremamente seco e quente, com os termômetros passando dos 30 graus antes das dez da manhã. Fisicamente, a cidade ainda respira o mesmo ar das manifestações de ontem: caminhões vindos de diversos pontos do Brasil ainda travavam o Eixo Monumental, buscando acesso ao STF (Supremo Tribunal Federal), como forma de pressão; e manifestantes ainda na cidade tentaram, durante a manhã, invadir o Ministério da Saúde, hostilizando servidores e jornalistas.

Tudo refletiu a atmosfera da fala de Jair Bolsonaro, dada em cima de um trio elétrico na manhã do feriado: a poucos metros de distância, pude notar que o discurso do presidente seria o mesmo feito por quase todas as dezenas de milhares de manifestantes ali presentes, vindos de todos os cantos do Brasil. Ações de descumprimento de ordens judiciais ou ameaças e xingamentos a ministros do STF poderiam ter vindo dele ou de qualquer pessoa sem máscara ao meu lado, segurando placas em português, inglês, francês e espanhol contra “o comunismo” ou qualquer outro poder que tente moderar a fala do presidente.

O day after era aguardado como o dia onde respostas duras finalmente seriam dadas às ameaças de Bolsonaro. No entanto, as bravatas bolsonaristas, replicadas também em um discurso em São Paulo, geraram poucas consequências dos dois outros poderes. 

No Congresso Nacional

Arthur Lira (PP-AL), o presidente da Câmara, buscou contemporizar os atos antidemocráticos desta terça-feira. Em um discurso gravado de menos de cinco minutos, perto da hora do almoço, Lira disse ser necessário ”dar um basta a esta escalada, em um infinito looping negativo” e cobrou respeito às decisões já tomadas pela Câmara, como punições a parlamentares e a derrubada da PEC do voto impresso. Houve até elogios aos manifestantes: “uma democracia vibrante se faz assim: com participação popular e liberdade e respeito à opinião do outro.” 


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Lira, no entanto, evitou dar qualquer sinal de que abrirá um dos mais de 120 pedidos de impeachment contra o presidente que estão pendentes em sua mesa - jogando um novo balde de água fria na possibilidade de que o tema seja avaliado pela Casa. 

“A Câmara dos Deputados apresenta-se hoje como um motor de pacificação”, disse o presidente. “Na discórdia, todos perdem, mas o Brasil e a nossa história tem ainda mais o que perder. Nosso país foi construído com união e solidariedade e não há receita para superar a grave crise socioeconômica sem estes elementos”. Veja aqui a íntegra do discurso de Lira

Dentro da própria Câmara, o discurso foi visto como fraco pelos seus pares. “Como pode o presidente Arthur Lira saudar como ‘democráticos’ os atos de ontem? Atos que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e que o presidente não cumpra decisões judiciais”, disse a deputada Gleisi Hoffmann (PT/PR), que preside o partido. “Esperava-se do presidente desta Casa uma voz firme, uma voz forte, que ensejasse a ação”. Para a presidente do PT, ou Lira toma uma atitude, ou será a própria Câmara o próximo alvo da ira presidencial.

O líder da minoria na Câmara, Marcelo Freixo (PSB-RJ), compõe o chamado “Conselho da República”, comitê extraordinário composto por membros dos três poderes e da sociedade civil que Bolsonaro insinua acionar para mostrar que a pressão das ruas cobra ações contra o STF. Ontem, Freixo disse que mesmo que houvesse reunião, ele não iria. Hoje, ele indicou preocupação com a falta de resposta. “Bolsonaro vai à rua comportar-se como líder de seita, que ameaça outras pessoas”, disse o parlamentar, para quem a Câmara não pode normalizar os estragos que Bolsonaro pode fazer até as eleições do ano que vem.

Ricardo Barros (PP-PR), que é o líder do governo na Câmara, chamou de “demonstração inequívoca” de solidariedade e apoio às bandeiras bolsonaristas. O deputado - que esteve na manifestação em Brasília - disse que não havia excessos por parte da Justiça. “Nós precisamos que as prerrogativas exclusivas do poder Legislativo sejam respeitadas pelo Judiciário, e que as prerrogativas exclusivas do Executivo sejam respeitadas pelo Judiciário”, afirmou Barros.

O tema, além de centralizar a sessão desta quarta-feira da Câmara, movimentou os partidos em busca de uma posição. O Solidariedade, com 14 deputados, anunciou que estaria apoiando o impeachment de Jair Bolsonaro, juntando-se às bancadas de oposição que já historicamente defendem a destituição. O Podemos, partido que possui dez parlamentares, indicou que seria contra o impeachment, por considerar que “a abertura de uma nova crise política, em meio à pandemia do coronavírus, desemprego e crise econômica, só agravaria o sofrimento das camadas mais vulneráveis, que já vivem em situação de extrema dificuldade”. 


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Partidos como o PSDB e o PSD, com relevantes bancadas na Câmara, estão analisando internamente a situação. Caso a sinalização ao impeachment passe a ser positiva, a pressão sobre Lira aumentará - e o presidente da Câmara, eleito com a premissa de “dar voz aos deputados”, terá de se manifestar novamente.

O Senado escolheu aguardar as movimentações - e cancelou as sessões deliberativas do Plenário nesta semana. Assim como o Senado, o TCU (Tribunal de Contas da União) também escolheu suspender a sessão desta quarta-feira, mas motivado justamente pela restrição dos acessos à região do tribunal.

Na Suprema Corte

Pouco depois das 14h, o presidente do STF falou durante a abertura da sessão. Luiz Fux mandou o mais duro recado aos eventos de ontem: “A crítica institucional não se confunde – e nem se adequa – com narrativas de descredibilização do Supremo Tribunal e de seus membros, tal como vem sendo gravemente difundidas pelo Chefe da Nação”, disse Fux, para quem as ofensas feitas por Bolsonaro a ele e Alexandre de Moraes são consideradas intoleráveis: “Estejamos atentos a esses falsos profetas do patriotismo, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem que se coloque o povo contra o povo, ou o povo contra as suas instituições.”

Fux conclamou a população a não aceitar narrativas “fáceis e messiânicas”, e conclamou os líderes da nação a debaterem o que disse ser os problemas reais da nação: a pandemia, desemprego, inflação e a crise hídrica que se avizinha. Veja a íntegra do discurso de Fux.

A fala de Fux, a mais dura até o momento, ganhou um contraponto inesperado: pouco após seu discurso, pediu para falar o procurador-geral da República, Augusto Aras. Na sua vez, Aras - recém-empossado para mais dois anos no cargo, após indicação de Jair Bolsonaro - louvou as manifestações de rua, que chamou de “festa cívica”. Veja o pronunciamento de Augusto Aras.

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