O empreendedorismo feminino no mercado jurídico na América Latina

Os clientes querem mais mulheres na equipe/Pixabay
Os clientes querem mais mulheres na equipe/Pixabay
O que é necessário para incentivar novos negócios liderados por mulheres na região?
Fecha de publicación: 09/05/2022

Apesar dos progressos alcançados durante os últimos anos, as mulheres ainda têm piores condições de trabalho comparado aos homens, segundo números publicados pela Organização Internacional do Trabalho. Antes da crise da Covid, 16,4 bilhões de horas por dia eram gastas em trabalho não remunerado e dois terços desse trabalho era realizado por mulheres. 

A situação piorou para as mulheres depois da pandemia. Além de trabalharem nas suas organizações, tentando ajudar os membros da equipe a navegar no equilíbrio entre vida e trabalho, elas também lidam com as atividades domésticas.

Ao mesmo tempo, a pandemia acelerou o crescimento das fintechs. Mais de 15 bilhões de venture capital foram investidos em empresas regionais e estão surgindo novos unicórnios. Mas apenas 2,3% dos recursos de venture capital foram recebidos por startups lideradas por mulheres. Ou seja, apenas três dos quarenta unicórnios na região são co-fundados por mulheres.


Mais sobre a conferência da IBA: Como vai ser o novo normal nas firmas e empresas da América Latina?


No Brasil, segundo uma pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a participação das mulheres empreendedoras no universo de donos de negócio no Brasil é de 34%. A pesquisa mostrou crescimento da participação feminina nos setores de informação/comunicação e educação/saúde.

Mas como os setores públicos e privados podem atuar para fornecer o ambiente necessário para incentivar novos negócios liderados por mulheres na América Latina?

O setor público é um importante parceiro para projetos nesse sentido, já que possui dados e informações estratégicas, além de conhecimento e mapeamento de necessidades e capacidade de investimento. No Estado de São Paulo, o governo realizou algumas iniciativas para promover o empreendedorismo durante a pandemia. Foi realizada uma análise com duas lentes diferentes: empreendedorismo por oportunidade e empreendedorismo por necessidade. 

“No caso do Brasil, tivemos um crescimento muito rápido do empreendedorismo por necessidade, principalmente para as mulheres. Cresceu duas vezes mais que os homens. Vimos que as taxas de desemprego cresceram e dois terços das pessoas desempregadas eram mulheres e elas começaram a se tornar empreendedoras. É interessante ver que quando falamos com essas mulheres, elas não se veem como empreendedoras”, avalia Patrícia Ellen, secretária de desenvolvimento econômico do Estado de São Paulo, no evento. 

Patrícia explica que o governo tem uma iniciativa chamada “Empreenda rápido”, mas que geralmente as mulheres não se inscrevem para o programa, justamente porque não se veem como empreendedoras. Então, criaram um outro programa de capacitação apenas para mulheres, para que elas pudessem se identificar e ver que o programa era para elas. São cinco níveis principais. 

“Um deles é a capacitação para se tornar um empreendedor. O segundo é a capacitação em uma área específica do negócio. E o terceiro é de acesso ao mercado, porque muitas mulheres começaram a vender seus produtos para os vizinhos, mas não aumentaram a escala de seus negócios. Então, conseguimos alavancagem em outras plataformas para ajudá-los a vender seus produtos em escala. Também tivemos outro em inovação, e o quinto foi o microcrédito”, explica. 

Esse tipo de iniciativa do setor público é um exemplo de incentivo para esses empreendimentos femininos. Mas e o setor privado? Em entrevista a LexLatin, Patricia Cordeiro Nader, do GK Ventures, um fundo de investimentos de impact growth, conta sua visão como investidora.

“A diversidade não é um pilar de investimento, mas ela é um critério para a gente olhar. A diversidade não deveria ser só uma métrica para você reportar se você tem 50% do seu conselho com mulher. A diversidade deveria ser usada como uma fonte de receita, de produtividade. Cada vez tem mais estudos mostrando que empresas com maior diversidade produzem mais. Então, é essa lente que a gente tenta trazer para as empresas que a gente investe. Se no momento em que a gente investe, elas não têm diversidade, a gente ajuda a compor e mostrar cada vez mais o valor disso”, afirmou Patricia.

Uma das principais preocupações da investidora é que o tema da diversidade volte ao patamar antigo, conforme for esfriando essa discussão em torno das práticas ESG. “Primeiro a gente tem que manter essa pauta ativa e cada vez mais trabalhar para que não seja uma coisa de fundo de investimento de impacto fazendo isso. O meu objetivo pessoal é conseguir mostrar o valor com métricas. Hoje a parte mais difícil é conseguir mensurar e mostrar o valor disso. Então, o que eu gasto 70% do meu tempo é tentando monetizar e mostrar o valor que isso tem”, diz.

Tanto os investidores e quanto os empreendedores têm o advogado como um profissional de confiança. Por isso, eles também desempenham uma função muito importante no incentivo ao empreendedorismo feminino. Para Luciana Tornovsky, do Demarest Advogados, uma das maneiras de ajudar essas mulheres é prestar serviços pro bono, porque muitas não têm dinheiro para pagar advogados. Mas além disso, é importante fomentar a carreira feminina dentro dos próprios escritórios e criar iniciativas para isso também.  

Fabiola Augusta Cavalcanti, da área de pro-bono do TozziniFreire Advogados, explica que é importante que dentro do ambiente de trabalho as mulheres se ajudarem para crescerem juntas, uma prática conhecida como sororidade.

“A mulher tem que deixar de pensar que o grande competidor dela é a própria mulher. Tem muitas que acham que estão competindo com as outras. Não. Temos que nos ajudar. Precisamos dar esse backup, esse apoio que às vezes não temos. Esse senso de inferioridade feminino precisa acabar a partir do momento que as mulheres dão apoio para as outras mulheres”, pontua.


Leia também: O papel da diversidade e inclusão nos escritórios de advocacia


Como o mercado está mudando, muitas vezes hoje o próprio cliente exige trabalhar com equipes mais diversas e com um escritório que pratica efetivamente aquele discurso que ele vende para o mercado.

“O cliente está pedindo cada vez mais que tenham mulheres na equipe. Então, antes de contratar um escritório, eles olham para isso. Eu recebo vários formulários de clientes para a gente preencher falando o número de negros, número de mulheres, porque eles querem contratar fornecedores que promovam a diversidade”, afirma Luciana Tornovsky.

Essa é uma tendência na América Latina. Muitas empresas multinacionais estão começando a exigir dos escritórios que cumpram com a composição de equipes diversas com representação de mulheres e outras minorias e que a diversidade e inclusão deve ser uma realidade e ir além da descrição das políticas na apresentação dos escritórios.

No início do ano passado, por exemplo, a Coca-Cola passou a exigir que seus assessores externos componham suas equipes de trabalho com profissionais diversos. Esse tipo de iniciativa pode ser essencial para alcançar uma cultura de inclusão nos escritórios. No entanto, é importante também que as firmas entendam que isso não deveria ser feito apenas por uma imposição do cliente, mas que seja uma convicção, de fato. 

Portanto, por mais que tenhamos visto alguns avanços nos últimos anos, a participação das mulheres em cargos de direção ainda representa um percentual bem pequeno nas empresas latino-americanas. Os empreendimentos femininos encontram muitos obstáculos no caminho, mas que podem ser amenizados com o apoio dos setores público e privado, incluindo investidores e advogados. 

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