O Brasil, embora se esforce para adotar novas tecnologias e dinâmicas de trabalho, ainda tem um caminho longo a ser percorrido na transformação da indústria jurídica. A pandemia mostrou que é possível a flexibilização e novas rotinas de trabalho. E isso mexe com toda a forma e a cadeia de produção dos escritórios de advocacia. Para as lideranças do setor, a mudança do mindset é o primeiro passo para que as firmas tomem medidas imediatas de ação.
O passo seguinte é o compromisso de articular planos de desenvolvimento tecnológico e estratégias para inovar, já que o modelo tradicional tem sofrido um desgaste natural ao longo dos dois últimos anos de pandemia. Hoje uma parte importante do setor está em fase de identificação de necessidades para reformulação da estratégia organizacional, uma espécie de rearranjo arquitetônico.
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Com a volta à normalidade e fim da obrigatoriedade do uso de máscaras, os escritórios estão tentando entender as mudanças pelas quais o mercado está passando.
“Vários dos nossos pares optaram por desmobilizar estruturas físicas, mudar o projeto e prestigiar o trabalho remoto. Optamos por um modelo de quatro dias, com presença obrigatória e um dia de presença flexível. Entendemos que o trabalho presencial atende às expectativas altas dos nossos clientes. Um trabalho que é multidisciplinar, complexo, que cada vez exige mais troca de conhecimento e experiência com prazos muito curtos. O presencial é essencial para passar a cultura e para treinar pessoas”, explica Fernando Meira, sócio gestor do Pinheiro Neto Advogados.
Mas isso não vai ser fácil, ainda mais em plena campanha eleitoral no país, e com os rumos da nação ainda incertos com a manutenção do atual governo ou chegada de um novo.
“O fato de a eleição deste ano estar sendo disputada por candidatos cujas práticas políticas já são conhecidas é algo novo entre nós. Essa aparente previsibilidade, contudo, não está sendo capaz de manter os investidores e empresários seguros de suas posições. Muitos negócios ficam suspensos, esperando pela definição das eleições. Para as áreas de consultoria, operações estruturadas, pareceres, fusões e aquisições dos escritórios isso não é boa notícia”, avalia Eduardo Serur, sócio-fundador do Serur Advogados.
De um lado, independente de quem está ou não na presidência da República, algumas questões precisam ser pensadas nesse momento. E aí surgem áreas que precisam de atenção especial.
“Em razão da atuação do governo e do Congresso na aprovação repentina de regras que dizem respeito ao pacto federativo, muitos reflexos se fazem sentir na área fiscal das empresas, e para isso os escritórios vêm sendo bastante demandados”, avalia Serur.
Além destas questões, gestores estão sempre de olho em aspectos como retenção e desenvolvimento de talentos, desenvolvimentos de estratégia e mercado, preços, novos desafios e cultura.
“É preciso ter um ambiente saudável, colaborativo e inclusivo, em que as pessoas se sintam bem, desenvolvam amizades, desenvolvam uma relação de confiança, de ajuda, de uma comunicação cada vez mais transparente, mais verdadeira, sem hipocrisia, sem marketing, que não é consistente com a realidade”, defende Fernando Meira.
Para os especialistas e CEOs, é preciso entender as novas necessidades dos advogados. Muitos deles já não querem uma carreira de muitos anos numa firma de advogados, nem ser sócios. Simplesmente buscam aprender e ter uma boa experiência, mas não à custa total de sua vida privada, algo que acontecia antes.
Segundo os advogados, a mudança, pelo lado das firmas, não tem um sentido de urgência, porque a situação econômica, em relação ao número de clientes, está satisfatória neste momento. Porém, a transformação está acontecendo em firmas menos diferenciadas, com menor trajetória e institucionalização.
Dentro desse contexto, algumas áreas de especialização se tornaram as mais valiosas. Como advogados e escritórios de advocacia podem liderar o caminho em relação à tecnologia, privacidade, ESG, conformidade e outras?
“Nos próximos quatro meses seguiremos atentos a áreas que estão com grande destaque, como contencioso, infraestrutura, societário, tributário e bancário. Vale pontuar também que seguimos acompanhando temas específicos que têm demandado atenção do mercado, como meios de pagamentos e regulação bancária, ESG e o impacto da inflação em contratos e investimentos”, afirma Roberto Quiroga, sócio-diretor do escritório Mattos Filho.
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Três questões foram e ainda são importantes, sob o ponto de vista da competitividade, nos escritórios de advocacia: clientes, pessoas e liderança. “O desafio de liderança é cada vez mais estar próximo das pessoas, desenvolver relacionamento de confiança, comprar o projeto e ter um entendimento de qual é a visão da estratégia do escritório, do posicionamento”, diz Fernando Meira.
Mas o que acontece depois disso? Para os advogados e gestores, muitas das sociedades estão saindo deste momento difícil bastante unidas e próximas. Em outras, as pessoas estão bastante separadas e distantes. Então é tempo de os sócios não falarem de lucro, mas quais são os pontos fortes do escritório e como podem ajudar.
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