Falência de bancos reduz financiamento para startups na região

Cerca de 40.000 empresas tinham seus depósitos no Silicon Valley Bank. Foto: Wikipedia - Minh Nguyễn.
Cerca de 40.000 empresas tinham seus depósitos no Silicon Valley Bank. Foto: Wikipedia - Minh Nguyễn.
Assim como outros países latino-americanos, o Brasil também sentirá as consequências da crise que atinge as instituições financeiras dos Estados Unidos e da Europa.
Fecha de publicación: 18/04/2023

Num mundo interconectado e dependente, é lógico pensar que a falência de bancos nos Estados Unidos e na Europa terá algum tipo de efeito em outras geografias. Embora as repercussões desses eventos tenham sido menores, elas foram sentidas na América Latina: pequenos tremores nas bolsas de valores, maiores flutuações nas moedas e a inquietação do ecossistema empresarial foram as consequências imediatas para a região.

Enquanto isso, os temores de uma possível nova crise bancária permanecem latentes, estimulados pela desaceleração da economia mundial em decorrência da emergência sanitária global e pelos buracos que continuam aparecendo nas contas de grandes instituições financeiras globais.

“É difícil dar uma resposta assertiva ou definitiva a esse respeito”, diz Juan Eduardo Palma, advogado especializado em direito societário e sócio do escritório chileno Palma, ao ser questionado se a situação atual pode ser tomada como preâmbulo de uma crise similar à de 2008.

Em todo caso, a experiência para evitá-la existe e, embora se saiba que o bater de asas de uma borboleta pode desencadear tempestades, também é verdade que numa guerra anunciada não morrem soldados.

Por que o desastre acontece?

Março foi um mês ruim para o sistema financeiro norte-americano, que teve seus efeitos na Europa. A queda de Silvergate, Silicon Valley e Signature (ainda não está descartado que o First Republic sofra o mesmo destino) na América do Norte, bem como o colapso do Credit Suisse, um dos 30 maiores bancos do mundo, deixaram um gosto amargo no mercado, que confiava na melhora das condições para endireitar a economia norte-americana, abalada pelo grande volume de recursos injetados no sistema como paliativo contra os desequilíbrios causados ​​pela COVID-19.

O economista e avaliador de riscos Leonardo Buniak, criador do Camels Ratings System para bancos da América Latina, explica a origem dessa situação, lembrando que, para achatar a curva de contágio, fecharam as economias para ajudar empresas e famílias. Diante disso, os governos implementaram planos de estímulo fiscal e monetário que, no caso dos EUA, giraram em torno de 6,8 trilhões de dólares.

Em sua opinião, desde o início se sabia que isso traria uma inflação alta que, uma vez instalada, foi tratada com uma alta muito agressiva dos juros, o que demandou intermediação de crédito devido à baixa demanda para absorver os recursos depositados provenientes dos estímulos. Isso levou os bancos a investirem em títulos (obrigações), cujos preços baixaram com a subida dos juros, causando pesadas perdas às entidades menos provisionadas e mais instáveis, como é o caso dos referidos bancos.


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Efeitos para a América Latina

Os efeitos para as nações latino-americanas não tardaram a chegar. Após a queda do SVB, a maioria das bolsas e moedas da América Latina operou com prejuízo e, embora as consequências gerais tenham passado rapidamente, setores como bancos e startups relataram um impacto maior.

"No México, os principais bancos nacionais foram os mais afetados, registrando perdas consideráveis ​​no valor de suas ações. No entanto, os bancos que operam no México têm altos níveis de capitalização e liquidez, por isso não se espera que haja um maior impacto no sistema bancário mexicano", diz Luis Burgueño, sócio da firma Von Wobeser y Sierra.

Ele acrescenta que as startups serão as mais afetadas porque, por vários anos, foram alavancadas por bancos e fundos de capital de risco dos Estados Unidos, incluindo a falida entidade californiana.

Embora a grande maioria das startups com recursos nesses bancos tenham conseguido economizar seus recursos, o problema pode trazer consequências no futuro, pois perderam um importante ponto de apoio na hora de obter recursos, o que, de uma forma ou de outra, trará consequências depois.

“Essa situação pode encarecer o financiamento para capital de giro e, consequentemente, as possibilidades e fontes de financiamento para startups podem começar a ser limitadas, o que é fundamental para qualquer empresa, mas ainda mais para aquelas de pequeno porte, que estão nascendo ou em crescimento”, diz Palma.

No Brasil, as startups podem sentir as repercussões a médio e longo prazo, visto que o SVB contava com cerca de 300 clientes no país e vários deles ficaram sem acesso a capital de giro, linhas de crédito e serviços bancários. “Embora quantitativamente não seja um número expressivo, as empresas afetadas possuem grandes operações”, explica Bernardo Rodrigues de Oliveira Castro, sócio do escritório Ernesto Borges Advogados.

Por outro lado, se a crise se alastrar, é previsível que os bancos centrais se disponham a aumentar as taxas de juro como medida de proteção da liquidez dos seus sistemas financeiros, o que encarecerá o já elevado custo do crédito. Assim, menos empresas (de todos os tipos) podem contar com essa opção para fortalecer seus negócios atuais ou futuros.

Juan Eduardo Palma está confiante de que isso não acontecerá no Chile, pois significaria uma fonte de volatilidade e incerteza devido aos financiamentos sujeitos a taxas de juros variáveis.

“Se ocorrer, obviamente impactaria as startups, mas também setores como o imobiliário, de construção e projetos, que estão altamente expostos ao risco de crédito em operações de financiamento, principalmente se estiverem sujeitas a taxas variáveis”, diz.

Vale ressaltar que, segundo dados da Associação Latino-Americana de Capital de Risco e Capital Privado (LAVCA), em 2022 mais de 1.300 startups na América Latina obtiveram recursos da ordem de 28,170 bilhões de dólares.

Contenção segura

Um relatório recente da S&P Global indica que, embora as falências bancárias não tenham afetado significativamente a região, são esperados danos indiretos devido à aversão ao risco dos investidores institucionais, o que levaria a custos de captação mais altos e escassez de financiamento para os bancos locais e, por extensão, para o universo empresarial.

A análise indica que o risco de refinanciamento no curto prazo é limitado, acrescentando que a tecnologia e as plataformas de corretagem permitem que os depósitos sejam alterados rapidamente, o que acentua a concorrência e a volatilidade. Por outro lado, os investidores não podem sacar seu capital até que os depósitos expirem, o que reduz a pressão sobre o sistema.

É previsível que essa situação leve os comitês de risco a serem mais cautelosos e exigentes ao autorizar financiamentos para capital de giro a empreendimentos, startups e empresas em geral, com destaque para o caso de recursos para a criação de projetos ou entidades que enfrentam falta de liquidez para o desenvolvimento de suas operações ordinárias.

"É comum as instituições bancárias exigirem diversas garantias e covenants (obrigações de fazer e não fazer) que se traduzem em um ônus maior para as empresas recém-criadas", diz Jaime Ostos, associado da Von Wobeser, que acredita que isso implica para as empresas emergentes, o desafio de obter financiamento por meio de modelos inovadores, como a venture debt (dívida de risco) ou venture capital.

Juan Eduardo Palma reitera que essa situação pode ocasionar exigências mais rígidas na hora de estruturar os pacotes de garantias requeridos ou que se estruturem mais instrumentos de cobrança direta, acarretando um financiamento mais caro baseado em taxas de juros.

Buscar outras alternativas

O temor de muitos analistas em relação à redução das fontes de financiamento para startups regionais não é sem fundamento porque, embora seja verdade que a América Latina continua despertando o interesse dos investidores, não é menos verdade que os investimentos em venture capital desaceleraram nos últimos anos.

No entanto, Burgueño lembra a existência de alternativas de investimento que, embora tenham um retorno menor, também implicam um risco menor, acrescentando que, devido à atual conjuntura econômica, os investidores estão adotando uma postura muito mais conservadora ao investir. Portanto, estima-se que, a partir de agora, eles dedicarão mais tempo, atenção e recursos aos processos de análise de risco, due diligence e avaliação das empresas.

“É necessário que tanto o setor empresarial como os investidores de capital privado se adaptem rapidamente às mudanças sociais e econômicas pelas quais passamos, o que exige modelos inovadores de investimento e financiamento que permitam criar valor a longo prazo. Nesse sentido, um mecanismo eficiente é justamente a venture debt. Esse modelo permite que as startups obtenham financiamento de forma segura diante do aumento das taxas de juros, do aumento da inflação e da diminuição dos investimentos de capital de risco. A principal vantagem desse modelo em relação ao capital de risco é permitir que as empresas emergentes tenham acesso ao capital sem ter que ceder uma parte de suas ações aos investidores", comenta.

Confiante em que é durante as crises e quando se fecham as habituais portas que se geram fontes de financiamento não convencionais, Palma acredita que os recursos necessários podem vir através de fundos de investimento, fundos de dívida, fundos de capital preferencial, fundos de capital imobiliário "ou recorrendo a ferramentas que estão de volta à moda devido a mudanças regulatórias, como leasing financeiro”, diz.

Essa tendência já está presente na região, devido ao aumento do custo do crédito observado desde 2021, mas pode ser potencializada pelos recentes acontecimentos enfrentados pelo setor financeiro nos Estados Unidos.

Octávio Souto Vidigal Filho, sócio do escritório CSMV Advogados, afirma que, para as startups em fase de Cash Burn, que não levantaram todos os investimentos necessários, a perspectiva é de que os financiamentos e linhas de crédito fiquem ainda mais escassos. 

“Algumas mudanças nos critérios de avaliação para as rodadas de investimento podem mudar e os investidores passarão a considerar as estratégias de tesouraria e diversificação do dinheiro da empresa, além da estabilidade da instituição financeira ou dos bancos com os quais mantém relacionamento, com muito mais rigor do que antes. Já é possível notar movimentos para redução de custos e diminuição de estruturas para que esse período de Cash Burn possa se manter por mais tempo”, diz.

O advogado brasileiro, especialista em direito societário e venture capital, aponta que as alternativas variam de acordo com o tamanho da empresa, mas, de maneira geral, as startups em fase inicial terão realmente de se voltar aos seus investidores-anjo de maneira a viabilizar o seu crescimento. 

“Também é possível que algumas startups se utilizem de estruturas como crowdfunding, porém, com as dificuldades do mercado e as limitações e entraves regulatórios impostos pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM. Em qualquer dos casos, será necessário encontrar investidores privados com maior apetite de risco e que idealmente possam agregar valor às startups não apenas com capital, mas também com conhecimento e sinergias, bem como ter um cuidado na negociação de valuation”, comenta o sócio do CSMV Advogados.

Palma, com expertise na atuação de investidores em diferentes contextos e direcionando seu olhar para além das empresas emergentes, observa que esses tempos costumam ser usados ​​por entidades ou grupos com recursos líquidos suficientes para adquirir empresas a preços atrativos, investir nelas e depois vender com lucros interessantes.

“Vemos que, em certos setores, as fusões e aquisições estão na ordem do dia, tanto no Chile quanto na América Latina em geral”, destaca o advogado chileno.

Octávio Souto Vidigal Filho concorda e explica que “ainda que as taxas de juros altas possam desincentivar investimentos nos mercados de maior risco, para investidores com dinheiro em caixa é um período atraente porque os bons ativos terão melhores preços no mercado”.


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Analisar antes de agir

Em momentos de incerteza como os atuais, cautela e análise são essenciais para poder mensurar a situação e tomar as melhores decisões, sempre atentos ao meio ambiente. Assim, independentemente de se tratar de uma empresa madura ou emergente, os especialistas da Von Wobeser e da Sierra consideram necessária a criação de uma comissão especial de análise de riscos composta por uma equipe multidisciplinar que permita não só compreender os problemas que podem afetar e propor soluções alternativas, mas criar um plano de trabalho específico para lidar com crises.

"É importante conhecer as medidas implementadas pelos órgãos governamentais, buscar assessoria de especialistas jurídicos, contábeis, financeiros, entre outros, e realizar auditorias internas e externas periódicas a fim de identificar potenciais riscos operacionais e/ou regulatórios para que possam cumprir com suas obrigações legais e contratuais", especifica Ostos.

Da mesma forma, Luis Burgueño considera de suma importância analisar a necessidade de obtenção de financiamento hoje e, caso seja necessário, devem avaliar os termos e condições propostas e realizar uma análise comparativa entre diversas opções para escolher a que melhor se adapte às necessidades da empresa.

“É um período para evitar alavancagem. Caso opte por aproveitar as oportunidades de crédito, recomendo que faça isso com cautela e responsabilidade, evitando o endividamento excessivo e o comprometimento da renda futura, e com foco, principalmente, para tecnologias e inovação, buscando soluções que aumentem a eficiência, a produtividade e a competitividade”, recomenda Bernardo Castro.

Para os empresários, o advogado do Ernesto Borges Advogados sugere um olhar de inovação para o mercado, analisando as suas mudanças e o comportamento do consumidor, e, principalmente, oferecendo produtos e serviços que atendam às necessidades e expectativas do cliente, buscando, assim, aumentar o lifetime value (LTV), que é a estimativa de receita média que um cliente irá gerar para a empresa, buscando sempre manter a saúde financeira do seu negócio no longo prazo.

Portanto, o importante é a elaboração e execução de um plano de gestão de recursos com foco na busca da estabilidade econômica, limitar os investimentos para o crescimento de curto prazo, reduzir despesas e fazer melhor uso do orçamento, priorizando a rentabilidade em vez de um maior crescimento.

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