A gestão coletiva da propriedade intelectual em contextos digitais

​​​​​​​Qual a melhor forma de administrar os direitos autorais e os relacionados à cultura digital na América Latina?/Pixabay
​​​​​​​Qual a melhor forma de administrar os direitos autorais e os relacionados à cultura digital na América Latina?/Pixabay
Entenda os novos desafios que a digitalização representa para criadores e gestores culturais em termos de direitos.
Fecha de publicación: 29/01/2023

O assunto é polêmico e tem sido debatido em vários setores da sociedade, incluindo o meio jurídico. Com a digitalização e a facilidade de compartilhamento de conteúdo na internet, as questões relacionadas à Propriedade Intelectual se tornaram mais complexas. Para quem não sabe, a gestão coletiva da propriedade intelectual consiste na administração coletiva dos direitos autorais, uma forma de proteger e monetizar o trabalho dos criadores em um ambiente digital. A intenção é garantir que os direitos dos autores sejam preservados, e que eles possam ser remunerados pelo uso de suas obras.

No Brasil, a gestão coletiva é regulada pela Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) e pela  Agência Nacional do Cinema (Ancine). Essas instituições garantem a proteção e a remuneração dos direitos autorais dos criadores e também promovem a circulação de obras culturais no mercado. Mas a digitalização e a facilidade de compartilhamento de conteúdo na internet têm trazido novos desafios.

“A questão está sendo debatida em todo mundo. A necessidade de preservação e disponibilização de obras para sociedade e em fomento e preservação da cultura é matéria de grande relevância. Ocorre que a velocidade com que esses novos usos e esses novos ambientes digitais têm crescido, como realidade virtual, por exemplo, impõe reflexões novas. As leis, por certo, ainda não estão perfeitas para acompanhar tais mudanças”, afirma Ísis Moretti, sócia do escritório Kasznar Leonardos.


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O fenômeno é esperado, já que as mudanças legislativas demoram a ocorrer e a sociedade sempre muda antes.

"O desafio é você fazer o recolhimento e a alocação correta e justa para cada um dos titulares de cada direito daquela obra coletiva. É aí que entra a associação. Temos hoje uma legitimação e sofisticação grande do Ecad [Escritório Central de Arrecadação e Distribuição ― entidade brasileira responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais das músicas aos autores e demais titulares], que veio da Lei de Direito Autoral, que é a entidade representativa dos autores que faz esse recolhimento dos direitos. E isso funciona bem. Tivemos um avanço enorme, hoje em dia isso é bem detalhado e funciona. O desafio é a questão da representatividade desses repasses e dos valores em si", avalia Cândida Ribeiro Caffé, agente da Propriedade Industrial e sócia do Dannemann Siemsen.

O compartilhamento não autorizado de obras na internet tem sido outra preocupação constante para os criadores e gestores culturais. Isso porque, muitas vezes essas obras são disponibilizadas sem a autorização dos direitos autorais, prejudicando o trabalho dos criadores e do mercado cultural em geral.

"Quando se trata do meio digital, criadores e titulares de propriedades intelectuais precisam prestar atenção redobrada. Neste contexto, torna-se muito fácil transmitir conteúdo, o que abre portas para pirataria, compartilhamentos desautorizados e outros tipos de usos indevidos”, explica Paula Celano, sócia da área de Propriedade Intelectual, Life Sciences e entretenimento do BBL Advogados.

No Brasil, o grande desafio é que a legislação sobre matéria de direitos autorais não trata de forma clara a questão dos ambientes digitais e usos/transformações de obras para esses ambientes. “A legislação não previa muitos dos cenários que vivemos hoje. Apenas para ilustrar, a Lei de Direitos Autorais é de 1998, ano no qual o Facebook sequer existia. Desta forma, a gestão de acervos que envolvem criações protegidas por direitos autorais, como obras literárias, plásticas, cinematográficas, fotográficas enfrentam desafios, tanto para se entender direitos de terceiros envolvidos, bem como para se liberar diversas modalidades de utilização de tais obras pela sociedade”, explica Moretti.

A digitalização e a chegada de novas ferramentas de inteligência artificial têm trazido uma mudança no modelo de negócio nas chamadas “indústrias culturais”. Muitos artistas têm optado por disponibilizar seus trabalhos de forma gratuita na internet, o que pode afetar sua rentabilidade. Nesse contexto, a gestão coletiva da Propriedade Intelectual tem uma importância ainda maior, já que ajuda a garantir o sustento dos criadores pelo uso de suas obras.


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Além disso, a pandemia da Covid-19 acelerou as discussões sobre a digitalização de acervos e os riscos gerados em virtude de direitos de terceiros sobre as obras. Isso, somado à aparição de novos mundos, como o Metaverso, traz complicadores para os autores e também para o mundo da Propriedade Intelectual.

“Citaria como desafios a incerteza sobre o alcance das proteções conferidas pela lei de direitos autorais para o caso de exploração de obras em ambiente virtual, o crescente número de formatos para reproduzir obras, como NFTS e outros arquivos digitais, a dificuldade de combate às possíveis violações por parte dos detentores de direitos em ambiente fluido e dinâmico como a internet e a facilidade de cópias de conteúdo no ambiente virtual”, avalia Ísis Moretti.

"Torna-se muito importante investir em monitoramento de mercado e plataformas para identificar possíveis infrações e proteger os respectivos direitos a tempo. Algumas plataformas, inclusive, já disponibilizam ferramentas para auxiliar nesse processo de remoção de conteúdo indevido. Além disso, é muito importante que se pense na forma mais adequada de proteger os ativos nesse contexto. Em se tratando de marcas, por exemplo, o uso no meio digital pode trazer a necessidade de se obter registros para tutelar seu uso também em relação a um aplicativo ou e-commerce", afirma Paula Celano.

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