A tendência mundial de sustentabilidade, alinhada ao Acordo de Paris, assinado em novembro de 2016, tem levado órgãos como a União Europeia a estabelecerem normas contra o chamado greenwashing, ou lavagem verde, por meio da qual se vendem produtos e serviços que respeitam o meio ambiente, mas que, na realidade, não cumprem objetivos vinculantes em matéria de sustentabilidade.
Empresas de todos os setores da economia, inclusive financeiro, têm se engajado nessa prática, que vem crescendo nos últimos anos à medida que avançam os esforços para reduzir a pegada de carbono no meio ambiente. HSBC (Reino Unido), DBS (Cingapura) e Deutsche Bank (Alemanha) foram acusados de se envolver nessa prática por anunciar produtos ou serviços supostamente verdes ou sustentáveis enquanto financiam empresas que produzem combustíveis fósseis. No ano passado, o BNY Mellon (Estados Unidos) foi acusado pela Securities and Exchange Commission (SEC) por fornecer desinformação e omitir critérios ESG em fundos rotulados como sustentáveis, o que o deixou com uma multa de 1,5 milhão de dólares.
A multinacional brasileira de carnes JBS foi denunciada à SEC em janeiro deste ano por ativistas do Mighty Earth por não cumprir metas de emissões sustentáveis 2021 por 3,2 bilhões de dólares por contribuir ou ignorar o desmatamento causado na Amazônia por seu fornecedores.
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O primeiro regulamento aprovado pela União Europeia para tratar do greenwashing no início do ano estabelece os requisitos que as empresas emitentes devem cumprir, para que quem investe nas suas obrigações possa verificar se os projetos que financia são, de fato, amigáveis para o meio ambiente.
Como combater essa prática na América Latina?
Luis Burgueño, sócio do Von Wobeser y Sierra, considera necessário regulamentar as atividades que possam levar ao greenwashing, a fim de minimizar sua ocorrência. Como exemplo de ações concretas, destacou a Taxonomia Sustentável do México, que foi recentemente emitida pelo Ministério das Finanças com o objetivo de estabelecer um sistema de classificação para identificar e definir atividades, ativos e projetos de investimento que possam ter impactos sustentáveis, com base em metas e critérios objetivos.
“A taxonomia dá segurança às empresas e aos mercados em que intervêm, relativamente a este tipo de atividade”, afirma.
Outra forma de combate que ele menciona é por meio de acordos contratuais privados entre empresas que participam de uma relação comercial em que são estabelecidos parâmetros de cumprimento de metas sustentáveis que as partes devem cumprir.
A essas considerações, Daniel Rodriguez, sócio de CMS Rodríguez-Azuero - Colômbia, acrescenta o estabelecimento de sanções que podem ocorrer no âmbito da proteção dos direitos dos consumidores financeiros e na regulação do mercado de capitais quando essas práticas ocorrerem no cenário de emissão de valores mobiliários.
Além disso, menciona a implementação de rigorosos processos de due diligence em empresas que promoveram elementos ESG.
“Isto permite realizar um primeiro exercício para validar internamente que, com efeito, estes critérios estão sendo devidamente implementados, ou detectar deficiências na sua adoção de forma a tomar as medidas corretivas adequadas”, acrescenta.
Outro fator que Rodríguez considera de grande importância neste contexto é o exercício de acompanhamento e auditoria por parte das entidades de controle das empresas que afirmam ter adotado políticas e procedimentos ESG, de forma a verificar constantemente a sua correta implementação.
E, finalmente, acredita que implementando padrões de medição de impacto, que são sistemas por meio dos quais é realizada uma avaliação detalhada de projetos, sociedades ou empresas que realizam práticas relacionadas a ESG para obter uma determinada qualificação da empresa ou projeto, dependendo de suas atividades, práticas e políticas na área ESG, com os quais se possa certificar que, de fato, o referido projeto ou empresa implementa esse tipo de atividade.
Regulamento em vigor na região
Assim como outros países latino-americanos, o Brasil não possui uma regulamentação específica para tratar casos de greenwashing, considerada propaganda enganosa, e pouco tem feito nesse sentido, mas aplica o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBARP), expedido pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), que, de acordo com Tatiane Taminato, sócia do Goulart Penteado Advogados, fornece base legal suficiente para o tratamento desses casos no campo do direito do consumidor.
A Colômbia também apela para as normas de proteção ao consumidor. Ao regime geral de proteção ao consumidor (Lei 1.480, de 2011) se somam os regimes específicos, entre eles a Lei 1.328, de 2009, que consagra as normas de proteção dos consumidores financeiros em suas relações com as entidades supervisionadas pela Superintendência Financeira da Colômbia.
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No México não é diferente. Lá existem disposições contidas na Lei Federal de Defesa do Consumidor, como o artigo 32, que obriga os fornecedores de bens e serviços a evitar fornecer informações relacionadas a seus produtos ou serviços que induzam a erro ou confusão por serem enganosas, caso em que poderia cair um produto que supostamente atende a parâmetros sustentáveis.
No entanto, as leis de defesa do consumidor regulam apenas as relações entre fornecedores e consumidores, de modo que outros tipos de relações comerciais, como financiamentos, valores mobiliários e instrumentos de investimento estão fora do escopo desse tipo de disposição, diferentemente do que ocorre na Colômbia, por exemplo.
Consequências sérias
As empresas que se dedicam a atividades relacionadas ao greenwashing não estão apenas expostas a riscos legais, como a instauração de investigações por órgãos competentes, fornecedores ou clientes e a consequente imposição de multas, como já vimos, mas também a riscos reputacionais com impactos negativos.
Camila Posada, sócia da CMS Rodríguez-Azuero, cita alguns:
- A perda de clientes atuais ou potenciais devido à má reputação da empresa e a perda de confiança em seus produtos ou serviços.
- Uma classificação ruim, que afeta negativamente o acesso ao crédito.
- A perda de investimentos atuais ou futuros, o que naturalmente leva a um impacto negativo nas receitas e recursos da empresa, entre outros.
Coincidindo com essa apreciação, Taminato não tem dúvidas de que, sendo uma conduta ilegal, o greenwashing acarreta prejuízos reputacionais inestimáveis para a empresa, que a advogada considera mais graves do que outras perdas ou sanções econômicas, uma vez que os consumidores perdem a confiança no produto e optam por outros, enquanto os investidores perdem o interesse e buscam melhores oportunidades.
Para Elias Jalife, que é associado de Von Wobeser y Sierra, as consequências diretas e indiretas do greenwashing afetam não apenas a empresa que realiza essa prática, mas também seus concorrentes e outros participantes de sua indústria ou setor econômico.
Observa também que, ao incorrer nessas práticas, a empresa impõe a si mesma metas muitas vezes incompatíveis com sua operação, além das consequências indiretas decorrentes da imposição de um parâmetro elevado e irrealista em termos de sustentabilidade, impossível de ser cumprido por outras empresas, a fim de obter as mesmas vantagens comerciais e financeiras.
Não basta definir critérios ESG
Maria Alejandra Ramires, associada da CMS Rodríguez-Azuero, acredita que, embora ter políticas ESG considerando a operação particular de cada empresa seja um primeiro passo para combater o greenwashing, é insuficiente se não houver uma execução séria e rigorosa.
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“Na verdade, ter políticas ESG, mas não implementá-las na operação das empresas, é em si uma prática de greenwashing. Assim, não basta definir critérios ou adotar políticas por escrito, mas é preciso assumir um sério compromisso de colocá-los em prática”, alerta, ao precisar que as empresas devem garantir que o que oferecem em termos de ESG reflete corretamente o que está fazendo na prática para atender a esses padrões.
A sócia do Goulart Penteado concorda com ela.
“A definição de critérios ESG é um passo importante para reduzir o greenwashing, mas por si só não terá efeito”, aponta, convencida de que, mais do que isso, é importante cumpri-los e testá-los.
Ela acredita que as empresas devem estar cientes de que, além de sustentáveis, devem se preocupar em comunicar corretamente seus objetivos de responsabilidade socioambiental, os esforços empreendidos e os resultados obtidos.
A esse respeito, Burgueño comenta que, na medida em que a implementação dos critérios ESG for mais eficaz, o risco de incorrer em práticas de greenwashing será menor.
“Por meio da adoção bem-sucedida desses critérios, as empresas podem definir parâmetros claros que devem seguir em vários aspectos de seus negócios para atingir metas preestabelecidas nas áreas de meio ambiente, social e governança corporativa (entendendo que essas metas podem ser definidas com base em taxonomias emitidas em diferentes jurisdições)”, comenta, convicto de que, ao mesmo tempo, podem validar o cumprimento dos objetivos traçados, enquanto a implementação lhes permite estabelecer e definir processos que devem ser seguidos para melhorar as suas práticas e mitigar potenciais riscos.
Recomendações aos clientes
Segundo Taminato, o primeiro passo para adotar os critérios ESG é ter consciência de que se trata de um processo de transformação da cultura empresarial que envolve diferentes partes e interlocutores, como fornecedores, colaboradores, consumidores, investidores, comunidade e meio ambiente etc.
“Em qualquer um dos seus pilares, as questões ESG desafiam as empresas a serem mais comprometidas socialmente e a promover mudanças que, no futuro, as mantenham ativas em seu mercado”, acrescenta, citando uma fórmula que combina atitude e comprometimento de líderes, gestores e colaboradores envolvidos, ações verdadeiras, afirmativas e bem estruturadas e uma governança dos objetivos e ações implementadas que permita à empresa traduzir essas ações em dados verificáveis.
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Uma vez que a empresa tenha tomado a decisão de implementar critérios ESG, o sócio de CMS Rodríguez-Azuero recomenda realizar um diagnóstico do estado atual da operação e como a empresa atende a esses critérios, para então definir qual padrão deseja implementar e os cronogramas para obter conformidade e, finalmente, realizar auditorias constantes de forma que possa ser verificada sua correta implementação. Além disso, refere-se à obtenção de certificados de padrões internacionais de medição de impacto para tornar a própria empresa ou um projeto específico mais atraente no assunto.
Para Jalife, considerando que ESG é uma área nova, mas extremamente dinâmica, é muito conveniente para as empresas que buscam implementar esse tipo de estratégia em suas operações fazer uma análise abrangente das diretrizes, normas e tendências aplicáveis, não apenas em seu mercado, mas em qualquer jurisdição relevante para seus negócios, que possam afetar direta ou indiretamente o setor econômico ao qual pertencem.
Sua recomendação para alcançar a eficácia é que a estratégia seja levantada a partir do conselho de administração das empresas e com o auxílio de seus gerentes seniores, que são os que conhecem os riscos e as áreas específicas de oportunidade da empresa, além de buscar em si mesmos objetivos com métricas que são objetivas e mensuráveis.
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