Greve no funcionalismo afasta confiança no sistema financeiro e tributário?

No Banco Central, por ora, sistemas vitais não estão afetados; já na Receita Federal, parada faz acervo do Carf voltar a disparar/Agência Brasil
No Banco Central, por ora, sistemas vitais não estão afetados; já na Receita Federal, parada faz acervo do Carf voltar a disparar/Agência Brasil
Paralisações no Banco Central e na Receita Federal interrompem ciclos no Carf e podem afetar regulamentação da economia.
Fecha de publicación: 12/04/2022

O terceiro mês de greve de servidores públicos começa sem a possibilidade de negociação de ambos os lados: grevistas indicam que o governo não tem aberto portas de diálogo ou propostas para aplacar o problema. Parte do governo, já de olho na eleição, não se manifesta oficialmente e quase finge que a questão não existe. 

O resultado de tal impasse fica cada vez mais claro para operadores do Direito e do mercado jurídico em todo o país: a regulação econômica fica fragilizada e mesmo em risco sem funcionários para atender o Banco Central; processos nas instâncias administrativas que já eram afetados pela pandemia agora continuam paralisados e a capacidade de recuperação de diversos setores fica prejudicada sem a operação esperada da Receita Federal.


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O estopim da manifestação foi a sexta negativa seguida do governo federal de incluir o reajuste salarial no orçamento anual. Desta vez, a ira dos servidores dos setores econômicos ficou ainda mais latente pela decisão do governo de Jair Bolsonaro em reservar reajustes salariais apenas a áreas da segurança pública, historicamente mais próximas a ele. O que começou com uma debandada de cargos de confiança na Receita Federal (e são mais de 1200 deles ainda vagos hoje) se espalhou para o Tesouro Nacional e, desde o início do mês, no Banco Central.

Por isso, cresce a preocupação pelo funcionamento de dispositivos centrais na administração pública: há duas semanas, o relatório Focus, produzido pelo Banco Central todas às segundas-feiras e que aponta um “termômetro” da confiança do mercado em indicadores econômicos, saiu com atraso devido, justamente, à falta de servidores. 

Serviços como o PIX, a plataforma de pagamentos descentralizada que chegou a movimentar R$720 milhões em dezembro, estariam fora de risco segundo o Banco Central, mas atividades importantes, como reuniões preparatórias para o COPOM (Comitê de Política Monetária), que definem a taxa básica de juros brasileira, podem atrasar. 

“As atividades que foram colocadas em contingência acabarão sofrendo ampliação de seu risco operacional e poderão sofrer interrupções parciais por conta de problemas derivados disso”, disseram em comunicado os grevistas do Sinal (Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central) na sexta-feira (8), “haja vista a precária manutenção e o insuficiente monitoramento causados pelo regime de contingência: mesas de operações, sistema do PIX, etc.”

Na Receita Federal, a crise se tornou mais aguda e forçou a paralisação das atividades do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) ainda em janeiro. Além disso, a atuação em terminais de fronteira, como portos, aduanas e aeroportos fica prejudicada por conta da chamada “Operação Padrão”, quando os servidores adotam critérios mais minuciosos de análise documental, emperrando sua liberação. 

“Não há prazo para voltarmos à normalidade na Receita Federal”, diz Isac Falcão, presidente do Sindifisco Nacional, que representa os grevistas em negociação. “E não é falta de vontade dos auditores, temos toda a vontade de voltar à realidade normal da casa, mas não é possível por falta de orçamento, falta de pessoal e pelo clima de desmotivação que tomou conta da casa.”

São três as principais demandas do grupo: a reposição de quadros (que caiu pela metade em quinze anos); o orçamento da pasta, reduzido também à metade para este ano, e a regulamentação de benefícios esperados pela categoria, que agora passou a se mobilizar em operações mais lentas.

Além da dinâmica administrativa, empresas e seus representantes sofrem com a chamada “Operação Padrão”, que é a redução ao mínimo legal das operações da Receita. Isso significa que portos, aduanas e seus processos de importação e exportação ficaram comprometidos e atrasaram, o que acaba por gerar prejuízos reais à economia.

A operação, no entanto, gera problemas reais às empresas. “Temos casos em que se tornou necessário o ajuizamento de mandado de segurança para liberação das mercadorias que se encontravam paralisadas no porto por quase dois meses, sem motivo que justificasse a interrupção do despacho aduaneiro de importação”, disse o tributarista Jayr Viégas Gavaldão Jr., sócio do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra. “Nesses casos, via de regra, é deferida medida liminar determinando a imediata análise das declarações de importação e conclusão do despacho aduaneiro no prazo máximo de 8 dias.”

A tributarista Ana Carolina Laranjeira de Pereira, do escritório Costódio Rodrigues Advocacia, também indica os problemas da estratégia. “Ainda que os serviços não sejam totalmente interrompidos, a redução das atividades inviabiliza uma prestação célere e eficiente dos órgãos com vistas a garantir a razoável duração de tramitação das diligências remetidas”, argumenta, “lesando aquele que necessária e motivadamente provoca a administração pública.”


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Isac indica que, com a falta de avanços do governo com a negociação, a mobilização deve seguir em frente. “O funcionamento normal da Receita é algo que ainda não está no horizonte”, adverte.

Sem um fim em vista, a luta salarial traz efeitos negativos ao país como um todo. “O denominado ‘custo Brasil’, que tanto enfraquece a capacidade produtiva e de geração de empregos no país, acaba sendo agravado por paralisações dessa natureza”, disse Marianna Morato Caetano Izarias, associada do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra. “Manifestações que desconsideram a magnitude dos danos à economia e ao bem estar social”.

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