Como a guerra na Ucrânia agrava dependência de fertilizantes do Brasil

Falta de fertilizantes, causada pelo embargo a Rússia e Belarus, pode diminuir produção brasileira, causar inflação nos alimentos e aumentar fome mundial/Pixabay
Falta de fertilizantes, causada pelo embargo a Rússia e Belarus, pode diminuir produção brasileira, causar inflação nos alimentos e aumentar fome mundial/Pixabay
Especialistas avaliam a questão sob o ponto de vista do direito do comércio internacional.
Fecha de publicación: 09/03/2022

O conflito na Ucrânia entra numa nova fase. Depois dos primeiros combates, no campo de batalha, a guerra agora se estende para um embate comercial. Nesta semana o preço do barril de petróleo disparou depois que os EUA decidiram proibir a importação de petróleo da Rússia. A tensão pode elevar o preço para até inimagináveis US$ 300 o barril, o que tem real possibilidade de acontecer caso a União Europeia também adote a mesma postura dos norte-americanos. Os europeus importam mais da metade do que é produzido pelos russos.

Em contrapartida, Vladimir Putin anunciou a proibição ou redução das exportações e importações de matérias primas. A promessa é definir uma lista, nos próximos dias, de países em que eles nem venderão nem comprarão produtos básicos. A maior preocupação fica por conta da possibilidade de fechamento do gasoduto que vai da Rússia para a Alemanha: são 55 bilhões de metros cúbicos por ano, o que deve dificultar, e muito, a vida dos países europeus.


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O Brasil ficou de fora de uma primeira lista divulgada pelo governo russo de países considerados hostis. Estão ali os EUA, países da União Europeia, além de Austrália e Japão.

Por aqui, a questão dos fertilizantes é a maior preocupação, já que 81% das 40,6 milhões de toneladas de fertilizantes (principalmente potássio) usadas como adubo na produção nacional depende das importações de Belarus, Rússia e também do Canadá. O resultado do embargo econômico a russos e belarussos pode, como consequência, diminuir a produção de alimentos, encarecer os produtos e trazer ainda mais inflação.

“Se eu não tiver fertilizante, não tenho comida para o Brasil. Se eu não tenho comida para o Brasil, a inflação aumenta. Se eu não tenho comida para o Brasil, não tenho como exportar para o mundo e nem alimentá-lo e isso vai trazer fome para o mundo”, explica o economista Roberto Dumas.

Para tentar diminuir os efeitos da alta de preços e buscar uma primeira saída para o setor agro, o Ministério da Economia pretente fazer, através de decreto, um corte de 33,9% no Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) – uma taxa criada há 40 anos. A discussão começou com a proposta batizada de BR do Mar, com novas regras para a navegação de cabotagem no país. Hoje o imposto incide sobre os produtos que chegam de outros países ou regiões brasileiras.

Só com essa taxa na importação de fertilizantes, o Ministério da Economia calcula que os agricultores brasileiros gastem R$ 450 milhões por ano. De acordo com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), este tipo de insumo representa entre 30% e 50% das despesas de produção, o que impacta fortemente nos preços.

De acordo com a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, o estoque de fertilizantes para o agronegócio no Brasil está garantido até outubro. Mas a safra de verão, em setembro e outubro, ainda não tem os insumos garantidos.

O assunto vem preocupando agricultores e autoridades da principal pauta de exportações brasileira. A ministra viaja no próximo fim de semana ao Canadá em busca de alternativas ao embargo comercial de Rússia e Belarus. Sem fertilizantes, segundo a ministra, não há como impedir a disparada dos preços de alimentos nos próximos meses.

“O preço do trigo subiu lá nas alturas porque a Ucrânia é um grande produtor e isso influencia o mercado global. A gente acha que terá uma alta, sim. Quanto? A soja já subiu, já caiu um pouco. O milho já subiu, já caiu um pouco. A gente tem que acompanhar e diminuir os impactos”, afirma.

Para analisar a questão, sob o ponto de visto do comércio e direito internacional, LexLatin ouviu especialistas na área para analisar quais os impactos no curto e médio prazo.

Para José Augusto Fontoura, professor de Direito do Comércio Internacional da Faculdade de Direito da USP, não há uma saída fácil ou possível nesse primeiro momento. O problema é a interrupção dos fluxos, causada pelo embargo comercial. “A interrupção é da via marítima, feita pelo Mar Negro, e o caminho está fechado para os produtos que vêm de Belarus, Ucrânia e Rússia. O Direito Comercial Internacional não tem nenhum modo de forçar esse trânsito”, afirma.

Outro ponto é a saída das transações russas do sistema Swift. “Fica difícil você pagar, fica difícil você receber, teria que fazer isso de um outro jeito”. A solução, do ponto de vista contratual, segundo o professor, é um sistema de crédito de troca.

“Ou você paga um sistema de compensação - eu vou te mandar soja e você me manda fosfato. A China tem tentado criar um sistema desse tipo, talvez sejam transações que passem não pelos Estados Unidos, por onde passa o sistema Swift, mas mesmo assim é bem mais difícil pagar”, explica Fontoura.

Uma saída seria incentivar a produção nacional, mas boa parte da cadeia está nas mãos de empresas de fora.  “Em nitrogênio, em nitrato, a planta que tinha maior produção própria era uma da Petrobrás em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, que foi vendida para um grupo russo. Nosso país precisa investir e produzir fertilizantes. Há 15, 20 anos, o mercado era praticamente todo suprido por produtos brasileiros e depois essa cadeia foi substituída pela importação e aí viramos refém dos outros”, diz o professor.

Nitrogênio e potássio são obtidos por meio de gás natural e mineração. O Brasil tem a sétima maior reserva de potássio do mundo, que está nas bacias do Amazonas, Solimões e de Sergipe. O problema são os custos de produção e a rede de gás, que é mal distribuída e nem sempre chega a essas regiões. Outra questão é que uma parte das reservas estão em terras indígenas, que seriam afetadas pela exploração, algo que viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário.

Mas quando há choques em mercados, como o que está acontecendo neste momento, há uma reação que estimula a produção em outras regiões que não as afetadas pelo conflito, de acordo com os especialistas. “A questão é ver qual é a medida jurídica a ser adotada para ter maior número de players produzindo no mercado brasileiro. É preciso eventualmente ter benefícios fiscais que tornem projetos de infraestrutura atrativos”, analisa João Almeida, sócio da área de petróleo e gás do Demarest Advogados.


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“O governo consegue reduzir alíquotas com isenções e benefícios fiscais. A forma de atrair a criação de infraestrutura para novos projetos é algo um pouco mais longo prazo, em que vai depender de ter aí uma base também jurídica sólida de atração de investimento. Uma das críticas é que no Brasil não se tem uma rede de gasodutos que possa incentivar uma maior comercialização e a criação de novos empreendimentos que tenham acesso a esse gás. Outra questão é ter uma regulação mais simplificada”, explica o advogado.

O Ministério da Agricultura trabalha na criação de um plano nacional de fertilizantes, que já estava em discussão antes da guerra da Ucrânia, e que deve ser lançado ainda em março. O plano traça um diagnóstico sobre a oferta de insumos no país, além de projetos de lei para facilitar a produção de fertilizantes, com regras de licenciamento ambiental para exploração de jazidas e permissão para extração dos minerais, inclusive em terras indígenas, o que deve causar bastante polêmica.

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