Inflação desacelera crescimento na América Latina

Até 2021, as cestas básicas atingiram um aumento de 42% em relação à média, segundo dados da CEPAL. / Diego Marin - Unsplash.
Até 2021, as cestas básicas atingiram um aumento de 42% em relação à média, segundo dados da CEPAL. / Diego Marin - Unsplash.
Países optam por políticas monetárias que evitem a diminuição de crescimento diante da alta dos preços.
Fecha de publicación: 04/04/2022

A pandemia trouxe uma série de complicações, não só no campo da saúde pública, mas também na economia. Além disso, a invasão russa da Ucrânia pressionou os preços do petróleo e de alguns produtos agrícolas, situação agravada pela persistência do conflito armado.

Desde maio de 2020 na América Latina, uma das regiões mais afetadas pela crise sanitária, o aumento do custo da cesta básica tornou-se uma tendência e — segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) — em 2021 seu preço aumentou 42% em relação à média anual anterior.

“Os mercados financeiros internacionais tiveram um desempenho favorável em 2021, apesar de alguns breves episódios de aumento da volatilidade ligados não apenas à evolução da pandemia, mas também à incerteza sobre as perspectivas de inflação e a possibilidade de retiradas antecipadas de estímulos monetários”, afirma a CEPAL em seu Balanço Preliminar das Economias da América Latina e do Caribe.

Sob o cenário de alta taxa de inflação no final de 2021 e no primeiro trimestre de 2022, os países da América Latina começaram a gerenciar sua política monetária para evitar, em suma, o limite do crescimento econômico diante da alta dos preços.

A partir do terceiro trimestre de 2021, 30 economias da América Latina e do Caribe registraram um aumento nas taxas de inflação —comparadas ao mesmo período de 2020— de cerca de 6,4%, exceto economias com superinflação crônica, como Argentina e Venezuela.

Diante dessa situação, os bancos centrais latino-americanos deram uma pausa na redução das taxas de juros de referência e seguiram o caminho do FED (Federal Reserve dos Estados Unidos), no sentido de aumentá-la para compensar o preço dos produtos, muitos deles em falta devido à interrupção na cadeia de suprimentos causada pelo Covid-19.

Brasil

A maior economia da América Latina é também uma das que apresenta as maiores taxas de inflação, com 10,8% no final de fevereiro. Para isso, o Banco Central do Brasil teve que elevar rapidamente as taxas de juros de referência para um patamar elevado: 11,75% segundo a última alteração.

Em apresentação de março, Fernanda Guardado, diretora de Assuntos Internacionais e Gestão de Riscos Corporativos do Banco Central, explica que um aumento de 4,3% na inflação no mercado brasileiro tem a ver com o aumento dos preços das "commodities" nos Estados Unidos, ou seja, é uma inflação que pode ser explicada por fatores de importação.

E essas flutuações afetaram particularmente o preço da energia. A incidência da gasolina na inflação tornou-se mais importante: enquanto em 2021 representava 4,9%, até agora este ano esse percentual aumentou 33,7%.

"As recentes mudanças na estrutura de preços da gasolina ao consumidor apontam para uma maior sensibilidade deste último às oscilações do preço do petróleo em reais", diz Guardado.

O governo brasileiro não apenas implementou ações de política monetária que correspondem ao BCB, mas também injetou capital de 31,9 bilhões de reais no Programa Renda e Oportunidade.

Esse programa inclui antecipação de pagamentos aos aposentados, programa de crédito para empreendedores e auxílio alimentação.

Na opinião de Janneth Quiroz, economista-chefe do Monex Group Financiero, o Banco Central do Brasil busca ser mais restritivo aumentando sua taxa referencial —uma das mais altas do continente— para evitar novos aumentos de preços.

“O Brasil tem feito fortes aumentos. Sua taxa de referência está em 11,75% e ele buscará levá-la a uma taxa mais restritiva. O próximo aumento deverá ser de 100 pontos base. É uma taxa muito alta, atingiu seu nível de 2% durante a pandemia e, a partir daí, houve movimentos muito bruscos”, disse Quiroz ao LexLatin.


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México

Ao contrário do Brasil, o México teve um aumento mais moderado das taxas de juros, embora também tenha usado a política monetária para enfrentar os altos níveis de inflação que estão acima de 7% e devem continuar subindo até o segundo trimestre deste ano e depois começar a declinar.

A presidente do Banco do México, Victoria Rodríguez Ceja, indicou que a meta de inflação do país, que é de 3% ao ano, não se concretizará até 2024.

A última decisão de política monetária do Banco Central Mexicano colocou a taxa de juros em 6,5%. A inflação, detalha o Conselho de Administração na sua decisão, “é pressionada pelos gargalos e pelos elevados preços dos alimentos e da energia. Isso gerou expectativas de uma redução mais acelerada do estímulo monetário em nível global”.

O aumento das taxas de juros, explica Quiroz, tem o objetivo de restringir a atividade econômica: que haja menos demanda e, com isso, modere a escassez de produtos. Isso, paradoxalmente, poderia levar a um cenário de menor crescimento econômico ou de estagflação, como visto no México.

“Tem sido discutido em vários espaços que uma política monetária estaria desacelerando a recuperação econômica, mas com inflação alta vamos ter preços muito altos e isso vai impedir que o consumo se recupere, estaríamos em uma situação pior, por isso é importante evitar cair no cenário de estagflação”, diz a economista-chefe da Monex.

A estagflação ocorre quando uma economia cresce lentamente ao mesmo tempo em que os preços aumentam (inflação) e o nível de desemprego aumenta ou permanece alto.

O México também promoveu, para combater a inflação, subsídios adicionais à gasolina para que o consumidor final não absorva a volatilidade dos preços do petróleo, que aumentaram nas últimas semanas devido à invasão russa da Ucrânia.

Os subsídios à gasolina mais consumida no país mantiveram-se em 100% nas últimas semanas, o que permitiu mitigar o impacto do combustível na inflação. Isso abriu um 'buraco' na arrecadação de impostos.

“O que foi anunciado é que o subsídio à gasolina será mantido, onde impactará ter uma inflação menor do que teríamos sem o subsídio. A categoria de energia é a que teve maior impacto na inflação na primeira quinzena de março: estamos vendo um impacto dos aumentos do preço do petróleo, mas o impacto seria maior sem o subsídio”, disse Quiroz.

A economista-chefe da Monex detalha que, além disso, produtos agrícolas e metais, entre outras 'commodities', continuam subindo de preço e o espaço das finanças públicas para continuar subsidiando não é tão amplo.


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Chile

A economia chilena tem sido, nas últimas duas décadas, uma das melhores em termos de crescimento e estabilidade, mas a crise sanitária somada aos saques dos fundos de pensão e a instabilidade global colocaram o aumento dos preços no Chile em uma faixa próxima 8%.

Sergio Godoy, economista-chefe do STF Capital, afirma que a inflação no Chile é comparável à que ocorreu durante a crise financeira de 2008-2009, mas agora com o componente de um conflito militar que pressiona os preços de insumos como o trigo.

“Os preços aumentaram bastante, na parte local tem sido importante devido à expansão fiscal. Houve saques dos fundos de pensão, isso fez com que a inflação chegasse a 7,8% em fevereiro”, detalha Godoy em entrevista.

Diante dessa situação, o Banco Central do Chile anunciou na terça-feira um aumento de 100 pontos base em sua taxa de juros, com a qual será colocada em 7%.

"A invasão da Ucrânia aumentou significativamente a incerteza e intensificou o aumento dos preços das matérias-primas, especialmente energia, alimentos e alguns metais", explica o Banco Central sobre sua decisão de política monetária.

Além do aumento de preços devido à guerra, o dinamismo da colocação de créditos no Chile está se diluindo. Com um governo que acaba de tomar posse, comenta o economista-chefe do STR, as decisões mais importantes recairão sobre o Banco Central, que, previsivelmente, continuará com o aumento dos juros.

Enquanto isso, o governo de Gabriel Boric terá o desafio de evitar uma nova retirada dos fundos de pensão, bem como iniciar a consolidação fiscal que permite reduzir o déficit dos últimos dois anos.

No Chile, como em outros países latino-americanos, o impacto nos preços do petróleo trouxe um aumento no custo da gasolina, que, naquele país sul-americano, também conta com subsídios que impedem um impacto direto sobre os consumidores, mas que, ao contrário, têm um custo fiscal.


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Peru e Colômbia

No Peru, a inflação interanual até fevereiro foi de 6,15%, impulsionada pelo aumento do preço dos alimentos importados, pelo aumento do custo dos combustíveis e pela depreciação do sol; enquanto na Colômbia a inflação ultrapassou a barreira dos 8% em fevereiro, ambos os países estão longe da meta de seus bancos centrais em termos de aumento do Índice de Preços ao Consumidor (IPC).

Javier Salinas Mansur, economista-chefe do LarrainVial, explica que o aumento dos preços nos dois países corresponde a fatores globais: rupturas nas cadeias de valor internacionais e aumento dos preços das matérias-primas devido à recuperação econômica, bem como a conflito militar na Europa Oriental.

No caso particular do Peru, acrescenta Mansur, há um elemento local que contribui para o aumento da inflação: as injeções de liquidez e os programas fiscais que foram realizados para aliviar os efeitos da pandemia começam a ter impacto no aumento dos preços dos alimentos e do petróleo.

"Esperamos que a inflação nos dois países se aproxime de patamares em torno de 10% nos próximos meses, e que a convergência seja relativamente lenta, atingindo níveis próximos de suas respectivas metas até 2023", prevê o economista-chefe do LarrainVial.

 

Embora a reação dos Bancos Centrais na América Latina tenha sido o aumento das taxas de juros, Mansur ressalta que maior incerteza nos mercados financeiros (taxa de câmbio, inflação e economia local) levaria Peru e Colômbia a serem mais cautelosos com o aumento de suas taxas.

"Se o cenário internacional se intensificar em decorrência do conflito militar e as expectativas de uma recessão global começarem a se materializar, os Bancos Centrais (não apenas desses países, mas de todos os da região) poderiam avaliar uma mudança em sua política monetária e começar com cortes de taxas no final do ano”.

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