O Brasil convive, em junho de 2020, com diversas crises simultâneas: a pandemia do novo coronavírus se acentuou nos últimos meses e a discordância dos poderes em como gerenciar tal calamidade abriu espaço para que uma segunda crise – a dos poderes – ganhasse tração. Tal desarranjo começa a refletir fora do país: neste final de semana, por exemplo, o Financial Times, uma das publicações econômicas mais influentes do planeta, publicou um editorial contra o presidente Jair Bolsonaro, acusando o chefe de Estado de espalhar o medo pela democracia brasileira.
Mas a imagem arranhada no exterior pode afetar o apetite dos investidores estrangeiros que estejam interessados em ativos nacionais? Com o dólar atrativo a investimentos no país, e uma política de viés liberal que já predomina por aqui há alguns anos, a imagem insegura que o país passa seria definitiva para afastar prováveis interessados em diversos setores.
O professor de Direito Tributário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Fábio Lemos Cury, aponta que a distensão política atual preocupa – mas defende que as questões políticas e econômico-jurídicas são diferentes. "O aspecto político é um pouco descolado do aspecto institucional. São tempos diferentes: o tempo da política é um e o tempo de avaliação jurídica dos investimentos é outro", diz.
Cury, que também é sócio do escritório Urbano Vitalino Advogados, aponta que o ambiente de insegurança jurídica brasileiro já era historicamente muito alto e visível em situações onde há a necessidade de explicar a atores estrangeiros o cenário nacional. "O nível de insegurança com o qual a gente aprendeu a viver, em tempos de calmaria, já era caricato", afirmou o tributarista.
Mas hoje, após décadas de redemocratização e solidificação das instituições, o cenário para investimentos estrangeiros se apresenta como mais atrativo na visão do professor. "Esta alta do dólar é uma oportunidade para ativos que já não vinham sendo muito apreciados no mercado, desde a crise econômica mais recente, que era muito severa", analisou.
"O retrato institucional brasileiro, apesar das suspeitas, é muito consistente: temos um sistema legal bem definido e um Judiciário operante. Até, de certa maneira, as crises [entre os poderes] são prova disso: há uma vivacidade de interatividade entre os poderes".
O ambiente de negócios brasileiro ainda guarda espaço para negócios, mesmo durante um período tão incerto quanto anda sendo o ano de 2020. "O investidor estrangeiro mais especulativo tem aproveitado o período de turbulência no Brasil e a desvalorização do Real", afirma o sócio do J Amaral Advogados, Allan Fallet.
Para o tributarista, quando o assunto são investimentos estrangeiros relevantes, envolvendo a ação direta de gestoras de alta magnitude ou grandes fusões e aquisições no mercado brasileiro, outras questões também preocupam.
"Pontos como a reforma tributária, diversas indefinições sobre a reforma da previdência e o aumento da especulação sobre uma crise democrática no país têm influenciado ativamente o afastamento desse tipo de investimento e o receio do investidor estrangeiro quando se trata de Brasil", completou o tributarista.
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